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É preciso reconfigurar a formação inicial de professores

Duas questões: o desemprego na colocação de docentes, mormente nos ensinos básico e secundário, vem-se acentuando nos últimos anos. Sobre isto, há duas questões a colocar:

  1. haverá (e porquê) desemprego real de docentes?

  2. como fazer para formar melhores docentes, aproveitando a capacidade de formação já existente?

O desemprego de licenciados em cursos de ensino é visível. O facto de haver concursos públicos nacionais para este sector de trabalho torna essa visibilidade maior. Após os concursos sabe-se quem ficou empregado e quem ficou desempregado. Se houvesse um concurso nacional para preenchimento de empregos na área do direito ou da comunicação social, por exemplo, dar-nos-iamos conta de que também nestas, como noutras áreas, há desemprego de quadros em larga escala.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), na década de noventa houve uma diminuição ? não só em percentagem do emprego, mas líquida ? da oferta de trabalho para quadros com formação de nível superior. Isto vem contrariar o discurso que afirma que um dos problemas da economia portuguesa é a falta de quadros qualificados. Na verdade, o que falta é que as empresas portuguesas compreendam que têm vantagens em dar emprego a trabalhadores qualificados. Por enquanto, o recrutamento de trabalhadores para lugares de responsabilidade continua a ser feito com base nas relações familiares, nas amizades, nas cunhas e não na formação e no saber dos candidatos.
No caso da área do ensino existem duas razões fortes para explicar o abundante desemprego existente. Por um lado, desde a década de oitenta que assistimos a uma baixa da natalidade. Nascem menos crianças e, portanto, o número de alunos a frequentar a escola tem vindo a diminuir. Por outro lado, no mesmo período, criaram-se os bacharelatos e as licenciaturas em ensino, quer no sector público, quer no sector privado. A oferta e a frequência destas formações em ensino aumentaram bastante a partir de meados dos anos oitenta. É também de ter em conta mais dois dados. Por um lado, a expansão do nosso sistema de ensino ocorreu nas décadas de 70 e na primeira metade de oitenta. Foi então que se fez o recrutamento em massa de docentes. Estes ? sobretudo com a actual directiva de reforma apenas aos 60 anos de idade ? só daqui a dez, quinze anos, entrarão em aposentação, dando início ao processo de renovação do corpo profissional. Por outro lado, não podemos deixar de ter em conta que o abandono escolar em Portugal é altíssimo e a frequência do ensino secundário muito baixa. Tudo junto, ajuda a perceber o desiquilíbrio entre a oferta e a procura de trabalho docente.
A composição das turmas, no que respeita ao número de alunos que as constituem, deve ser feita por razões pedagógicas e não sob a pressão de alargar o recrutamento de docentes. O número de alunos por turma depende dos objectivos que nos propomos atingir e dos métodos e dos meios a utilizar. Na aprendizagem de uma língua estrangeira, por exemplo, se o objectivo for aumentar a capacidade de expressão oral dos alunos, o número de alunos por turma não deve ser superior a doze ou quinze; só assim se pode fazer o treino necessário. As aulas práticas, seja qual for a disciplina, têm necessidades diferentes das teóricas. É urgente que se defina uma política séria de organização das turmas que tenha em conta disciplinas, objectivos e níveis de ensino. Mas não é por aí que vamos resolver o problema do desemprego docente, pelo menos de forma sustentada.
Nunca fui favorável à criação de cursos vocacionados apenas para o ensino. Aponto três  razões. Uma prendia-se com a previsível desregulação da oferta e da procura de emprego. Situação que é agora patente. Outra com o facto de a especialização, na formação inicial, ser sempre um «handicap» em relação à procura de vias profissionais alternativas. Finalmente, por entender que a formação profissional ganha em ser levada a cabo em contexto de trabalho e não assente num conteúdo previligiadamente académico.  Sempre defendi que são precisas cada vez mais formações de banda larga ? que permitam várias alternativas profissionais ? e sempre afirmei que a profissionalização se faz no local de trabalho. Os candidatos a professores, na licenciatura, devem receber essencialmente formação científica, cultural, social e política e devem iniciar a profissão como estagiários, cumprindo assim, no local de trabalho, a profissionalização. Durante o estágio profissional ? de dois anos ? , é necessária a frequência de módulos de formação nas universidades e politécnicos, que garantam as aquisições teóricas necessárias ao desempenho da profissão docente, sem que o estágio deixe de ser centrado na escola. É um modelo assim que pode dar estabilidade ao corpo docente, pois os novos docentes entrariam para um quadro de estagiários e, se aprovados no estágio, teriam direito a lugar no quadro de zona pedagógica, dando seguimento à sua carreira profissional. Este modelo, oferecendo licenciaturas de banda larga, não deixaria os jovens recém-licenciados num beco sem saída. Podiam escolher ser docentes, ou outra coisa, em função das oportunidades profissionais. Reconfigurar a formação inicial é uma emergência nacional. Se não for assim, só servirá para aumentar o drama. A manter-se a actual situação, a maioria dos licenciados em ensino acabará em actividades profissionalmente pouco ou nada qualificadas.
Finalmente, julgo que as instituições de ensino superior ? universitário e politécnico ? deveriam voltar a sua atenção  para a formação de apoio aos estágios profissionais e à formação contínua dos docentes, para as pós-graduações, acompanhamento de projectos de inovação e de boas práticas, e para o estímulo à produção de materiais pedagógicos e à investigação nas áreas da educação e do ensino. O campo de trabalho é largo, desde que se assuma de forma franca a articulação entre o ensino superior e os demais sectores de ensino.


  
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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