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Experiência do Reino Unido confirma: "Os rankings transmitem uma visão parcelar e distorcida do funcionamento das escolas"

Dando continuidade ao dossier temático sobre a lista ordenada de escolas, ou rankings, publicamos nesta edição uma curta entrevista com Manuela Mendonça, coordenadora do Departamento de Gestão e Avaliação do Sistema Educativo do Sindicato dos Professores do Norte.

Porquê esta "febre" avaliativa do governo, traduzida na elaboração de um ranking  de escolas?
Ela decorre essencialmente de duas perspectivas: a conservadora, que entende ser necessário "controlar" mais as escolas e a actividade docente, e a neoliberal, que tem por objectivo último criar um mercado educativo.
No fundo, o governo pretende tornar a divulgação dos rankings num instrumento de competitividade entre escolas, introduzindo uma lógica de mercado na educação. A recente proposta de introdução de exames ao nível do ensino básico é mais um passo nesse sentido.
E isto apesar de um dos principais argumentos do ministério para a divulgação de rankings  se basear no direito dos cidadãos à informação. Não questionando esse direito legítimo, já se percebeu que esta posição é demagógica: não são listas construídas a partir de resultados de classificações de alunos em exames nacionais que permitem aos cidadãos terem uma informação apurada sobre a qualidade de ensino nas escolas.
Os rankings transmitem uma visão parcelar e distorcida do funcionamento das escolas. Não se pode pretender classificá-las através de uma escala e ordená-las segundo dados quantitativos, porque essa é uma avaliação redutora que ignora a multiplicidade de factores que influenciam o quotidiano escolar.

Porquê insistir num mecanismo que já demonstrou ter falhado noutros países?
Precisamente porque os fins justificam os meios. É a forma de prosseguir uma política que aposta no princípio de liberdade de escolha das escolas pelos pais, podendo levar, como alguns defendem, à institucionalização de um sistema de cheques ensino - também conhecidos por vouchers. E os rankings são indispensáveis para concretizar este objectivo.
Independentemente das diferentes perspectivas que possamos ter acerca destas matérias, e que são legítimas, o que se contesta é que esta vontade política não seja assumida claramente e que se continue a defender a existência de rankings com base em dois argumentos principais: o direito à informação e a melhoria do sistema no seu conjunto. O ministro afirma que publicar uma lista das "boas" e das "más" escolas vai permitir que as piores sejam estimuladas no sentido de melhorarem o seu desempenho. Ora o que a experiência noutros países tem demonstrado é que as escolas ?piores? não melhoraram.

O que demonstram essas experiências?
No Reino Unido, considerado como uma referência para quem defende este sistema, os rankings existem apenas em Inglaterra e na Escócia, mas têm vindo a ser alvo de crescente e generalizada contestação. A Irlanda do Norte e o País de Gales abandonaram já esta prática.
Quando, em Agosto de 2001, a ministra da educação do País de Gales anunciou o fim da divulgação da informação que permitia a comparação de estabelecimentos de ensino, explicou que a publicação de uma lista ordenada de escolas apenas serviu para criar mais divisões e colocar um fardo desnecessário sobre as escolas.
O mínimo que se exige a quem tem responsabilidade política é que, antes de avançar com medidas desta amplitude, avalie seriamente as experiências dos outros países.

Para além do País de Gales e da Irlanda do Norte há mais algum exemplo que possa ser citado?
A experiência da República da Irlanda é muito interessante. A Fenprof realizou um seminário subordinado a estas questões da avaliação, em que participou a presidente da Associação de Professores do ensino secundário da Irlanda, Catherine Fitzpatrick.
Ela veio explicar como naquele país a opinião pública foi ganha para recusar estes desenvolvimentos e o ranking de escolas em particular. Isto é tanto mais curioso quanto a República da Irlanda é considerada um sucesso no campo da recuperação económica e os especialistas financeiros não hesitam em atribuí-lo, em grande parte, à aposta na educação.
O processo foi, no início, muito semelhante ao que se passou em Portugal: em 1998 três jornais requereram ao ministério da educação a divulgação dos resultados dos exames do ensino secundário para elaborar as listas. Só que, na Irlanda, o ministério da educação não cedeu e os jornais recorreram para os tribunais.
Após três anos de recursos sucessivos, e tendo em conta a opinião unânime de todos os parceiros educativos, o Supremo Tribunal deu razão ao ministério da educação, tendo considerado que a divulgação dos resultados dos exames seria altamente contraproducente para o sistema educativo e que a elaboração de rankings baseados nesses resultados não serviria o interesse público do Estado.
Os efeitos perversos dos rankings são, de resto, conhecidos: o estreitamento do currículo, o acentuar das assimetrias entre as escolas, a exclusão dos mais fracos.
Porque não haja dúvidas que uma "boa" escola que tenha vinte lugares e 200 candidatos irá escolher os alunos que lhe dêem garantias de que no ano seguinte não sai dos primeiros lugares do ranking, o que significa que muitas famílias nunca terão a possibilidade efectiva de escolha.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 118
Ano 11, Dezembro 2002

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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