Sonhei que estava numa sala de aula. Falava aos meus alunos
da actual situação da economia portuguesa e das dificuldades que
a generalidade dos portugueses está a sentir. Deixei escapar, como forma
de relacionar com o passado, que são os mais pobres e os mais fracos,
desde sempre, os que mais sofrem com as crises. Porque não têm
capacidade de reivindicação, isto é, capacidade de reclamar
os seus direitos. Para meu espanto, um aluno lembrou-me que tinham sido essas,
precisamente, as palavras da ministra das Finanças numa entrevista televisiva.
Nas aulas seguintes, percebi que os alunos tinham ouvido com
atenção as minhas afirmações. No 7.º Ano, quando
falei do Cristianismo, uma nova religião que preconizava a igualdade
entre todos os Homens e que tinha como objectivo defender os pobres e os humildes,
um aluno perguntou: "Setor, então a ministra das Finanças
não é cristã?". Não lhe soube responder.
No 8.º Ano, quando falava da Revolução Francesa, do seu ideal
de igualdade e do fim das classes privilegiadas, que finalmente tinham começado
a pagar impostos, um aluno perguntou: "Setor, então por que é
que os Bancos não pagam impostos?". E logo um outro acrescentou:
"Setor, por que é que aqueles que ganham milhões na Bolsa
de Valores não pagam impostos?". Não lhes soube responder.
No 9.º Ano, quando falava do 25 de Abril, da liberdade e das extraordinárias
conquistas dos trabalhadores, um aluno perguntou: "Setor, por que é
que os funcionários públicos são despedidos?". Não
lhe soube responder. Quando falava dos velhos "slogans" revolucionários,
que tanto ajudaram ao fim do Estado Novo, um aluno perguntou: "Setor, por
que é que não são os ricos a pagar a crise?". E outro:
"Setor, porquê tanta preocupação com o Rendimento Mínimo
dos desgraçados quando nem sequer existe um imposto sobre as grandes
fortunas?". Não lhes soube responder. Quando falava de como a Ditadura
protegia os mais fortes em detrimento dos mais fracos, um aluno perguntou: "Setor,
Portugal precisa de um novo 25 de Abril?". Quando enumerava as injustiças
sociais do fascismo salazarista, um aluno perguntou: "Setor, o fascismo
regressou a Portugal?".
Entretanto acordei, sem ter tempo de dizer mais nada. Aquilo não fora
um sonho, fora um pesadelo. Mas ao lembrar-me das duas últimas perguntas, pareceu-me
tudo tão real... que sei bem como lhes iria responder.
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