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Reforma do Ensino Básico

Problemas de continuidade e ruptura no contexto político actual
Educar é construir numa base humana. O ser subjectivo abre-se avidamente ao mundo. Se o ensino não integra nas suas componentes organizacionais uma filosofia de respeito pela diversidade, dificilmente logrará responder aos problemas concretos do domínio sócio-educativo.

Um verdadeiro ensino, efectivamente comprometido com a subjectividade psicológica do jovem em crescimento, terá de sair da redoma dos conteúdos e dos níveis de avaliação para o plano da multiplicidade de vivências, sejam elas a do indivíduo propriamente dito(a criança), da família, do grupo-turma, da escola, da relação professor-aluno. Esta última é fundamental enquanto corolário de toda a intencionalidade subjacente a qualquer processo educativo inteligente e desprovido de demagogias baratas tipo "a principal preocupação do ministério são os alunos", máxima de excelente impacto na população mas completamente errada, tendo em conta a forma como esse dito desiderato é apresentado.
Importa, no entanto, referir o teor limitativo de qualquer relação ensino-aprendizagem, sempre e inevitavelmente gerador de obstáculos à expressão da liberdade intrínseca da criança. Sopesar a flexibilidade com a exequibilidade de qualquer planificação do processo ensino-aprendizagem é o aspecto mais importante do trabalho do professor, pela subtileza inerente ao conjunto de opções que se tomaram.
A questão concernente à liberdade do aluno ( e sublinhe-se ser no âmbito desta liberdade primordial que se define a especificidade e a diferença do ser criativo e cultural), começa na cúpula administrativa prescritora das competências a atingir e conteúdos a valorizar, passa pelos modelos pedagógicos e metodologias adoptadas, terminando na sala de aula. Não obstante todo o processo estar salvaguardado pelos valores democráticos da Constituição, revela nos seus diversos passos uma unilateralidade informacional que urge corrigir. Vai neste sentido correctivo a presente reforma do Ensino Básico, com a qual o actual governo parece tão pouco comprometido, preferindo valorizar o poder das cúpulas administrativas numa lógica vertical impositiva. A reforma complexifica positivamente esta linearidade simplória, introduzindo lógicas horizontais e verticais, de sentido contrário. Ou seja, as realidades específicas dos Projectos Educativos convertem-se em factores de democraticidade, indispensáveis para atenuar a rigidez da fórmula governamental do quero, posso e mando, atitude eventualmente fundamentada num pragmatismo torpe e inadequado ao factor humano, este de cariz sempre contingente e sensível por natureza.
A indiferença pelo professor e pelo aluno (utilizado este último demagogicamente para fins políticos óbvios) vai tornar o ensino num mero processo emissor de conhecimentos (que conhecimentos?) em detrimento da valorização do espírito crítico e problematizador do aluno, de que é exemplo o termo do par pedagógico a Estudo Acompanhado no sétimo ano de escolaridade. Com este governo estamos perante um ensino indiferente e mesmo desdenhoso da curiosidade natural da criança e do jovem, sufocando a profícua dialéctica caracterizadora da relação professor-aluno-conhecimento, propiciada pelo espírito da reforma ainda, e para todos os efeitos, em curso.
A mentalidade conservadora e reaccionária do actual Ministério da Educação, associada à lógica do tesoureiro, vão ter certamente consequências muito negativas para o ensino no nosso país, retirando-lhe vitalidade e capacidade formadora de mentalidades sãs e arejadas, susceptíveis de competir com os jovens que usufruiram de modelos educativos modernos nos diversos países europeus. O futuro nos julgará; aos que impõem as medidas e as políticas, mas também àqueles que baixam os braços e assistem impavidamente ao desvirtuar de uma proposta educativa positiva e com pernas para andar. Ambos os lados julgados com igual responsabilidade.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães
Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães

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