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O 11 de Setembro soltou todos os demónios

A «luta contra o terrorismo» está a ser usada para justificar toda a espécie de violências, perseguições, imposição de interesses económicos e estratégicos, atropelos jurídicos e políticos. Serve de justificação ao Imperialismo Americano triunfante. Hoje, a defesa da violência e da agressividade, faz parte do discurso dominante. A cultura da paz é ridicularizada e considerada fora de moda. Alguns governos descobrem terroristas em todos os países, que lhe despertem o apetite. É como se o 11 de Setembro tivesse soltado todos os demónios.


Considerar terroristas todos os que nos desafiam e incomodam é um costume antigo. Os romanos consideraram terroristas os escravos que se revoltaram contra eles em 73 a.C. Por seu lado, os escravos consideravam os senhores, opressores a combater. Mais tarde, na nossa terra, os romanos viram em Viriato um perigoso terrorista a eliminar. Mas os lusitanos, entendiam ter o direito de defender as suas terras e o seu modo de vida e de expulsar os invasores romanos. Na Idade Média, os senhores feudais viam em cada camponês que se revoltava e lhe pilhava o celeiro e incendiava a casa, um perigoso terrorista a degolar. Os camponeses, viam nos senhores, inimigos que os exploravam até à morte. Mais perto de nós, os Ingleses, perseguiram e mataram os terroristas americanos que promoviam a independência dos EUA. Por seu lado, os americano abatiam os terroristas índios e depois os mexicanos que se recusavam a ceder-lhes a terra. Mais recentemente, os franceses matavam terroristas na Argélia. Os americanos no Vietname. Os portugueses nas nossas antigas colónias. Ben Bella, Mandela, Amilcar Cabral, Mondelaine, Xanana Gusmão, Agostinho Neto, Neru, Gandhi, Samora Machel, Luther King, entre muitos outros, foram terroristas antes de se tornarem heróis.
Por tudo isto, o pós 11 de Setembro, não veio mudar nada de substancial. O poder dominante sempre quis defender os seus interesses, através do uso dos meios violentos de que dispõe. O 11 de Setembro, conjugado com a subida ao governo americano de um grupo de ultra-conservadores, está a servir, apenas, de justificação à libertação de muitos demónios. Cada um inventa os terroristas que mais lhe convém. Está criado um clima internacional doentio que, como dizia alguém, já não sabemos se a América e o mundo são governados por George bin Laden, e se é Osama Bush que anda por aí a monte. Nem sabemos o que ameaça mais a paz mundial, se é o fundamentalismo islâmico de Osama, se o puritanismo protestante de George. Ou se são os dois.

As esquerdas e as direitas

As esquerdas e as direitas distinguem-se pela forma como procuram resolver os problemas. Perante um acontecimento como o de 11 de Setembro, espera-se que as esquerdas perguntem: o que é preciso resolver para que isto não volte a ser possível? As direitas questionarão: como podemos exterminá-los?
Com a tomado de poder de Bush e Cia, e sobretudo após o 11 de Setembro, a defesa da violência como modo de vida pública e discurso político, tomou conta do espaço público nacional e internacional. Defender a imposição dos interesses através da pólvora, do sangue e da morte, passou a ser moda política, demonstração de firmeza, valentia política, modernidade e até moralidade. Governar violentando, matando e destruindo, passou a ser um imperativo político e moral, uma honra.
Mas como foi defendido no último Dia Mundial dos Professores ? 5 de Outubro ? «educar é criar diálogo todos os dias». É por isso importante que nesta desagradável conjuntura ? que se espera passageira ? nós professores, redrobemos esforços para mantermos a lucidez, o nosso juízo crítico, a nossa autonomia de pensamento e de acção. Face à cultura da violência, é preciso contrapor com calma, firmeza e vigor, uma cultura de paz. Se os ultra-conservadores se empenham em minar o presente e o futuro, devem os professores, conjugar esforços com os que querem desminar e desarmadilhar esse mesmo presente e futuro.
O mundo está cheio de campos de minas prontos a explodir. Fome, ignorância, intolerância, fundamentalismos religiosos e étnicos, desigualdade, exploração das pessoas, países e continentes, doença, ressentimentos, guetização crescente de grupos, violência contra as mulheres e crianças, exploração sexual, degradação do ambiente, conflitos étnicos, desrespeito pelos imigrantes, desigualdade entre povos e nações, desconsideração por direitos elementares dos povos? entre outras, mais ou menos localizadas, e de maior ou menor carga de violência latente, são minas prontas a explodir. É vocação da direita armadilhar e da esquerda desarmadilhar, estes campos de violência. Os professores, enquanto educadores, têem de escolher o seu modo de proceder
O recurso à violência com que alguns governantes ameaçam o mundo, não é uma solução mas um problema. No século XX, «os povos civilizados» promoveram duas guerras mundiais, e cerca de 4O anos de terror da ameaça nuclear. A direita, agora dominante, prepara o clima guerreiro que faça ressurgir este velho ciclo da violência. É necessário pôr a nú essas intensões. É preciso «criar diálogo todos os dias». Um diálogo que ajude os nossos alunos e a opinião pública a perceber que as guerras não resolvem problemas, só os agravam.
A necessidade de desminar as sociedades e a vida, torna cada vez mais urgente o debate público e de grupo sobre mudanças económicas, comunicacionais, fiscais, ambientais, educacionais, culturais, judiciais ou políticas. Estes debates, devem potenciar o desenvolvimento de uma educação para a paz e de uma prática que rejeite a violências, em todos os domínios da vida. É necessário substituir o discurso belicista pelo da paz. É preciso prevenir o eclodir de conflitos pelo desenvolvimento de políticas que resolvam os problemas dos povos e dos grupos sociais. É necessário não abdicar da procura de soluções pacíficas para os conflitos que integrem a mediação e a arbitragem. É urgente a democratização das instituições internacionais ? com destaque para a ONU ? dando a cada país os mesmos direitos e o mesmo estatuto e, ultrapassando desigualdades herdadas da segunda guerra mundial, como sejam o direito de veto no Conselho de Segurança. É preciso promover a necessidade de extinguir os poderes do «eixo do mal neoliberal», constituído pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC), Banco Mundial(BM). São necessárias novas organizções internacionais que respondam às necessidades de desenvolvimento sustentável dos povos.
É contrário à ética profissional docente, partilhar discursos belicistas e soluções violentas para problemas pessoais, nacionais ou internacionais. É um grande passo se os professores colocarem todos os dias, na ordem do dia, um discurso de paz ? com as consequências inerentes ? oposto ao discurso bélico dominante. É necessário contrariar as práticas e os discursos bélicos e estúpidos de governantes, transitoriamente no poder. A sociedade fica eles passam. É também por aqui, que nos dignificamos como educadores e professores, junto das opiniões públicas.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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