RTP: dois canais ou dois em um?
No momento em que escrevo esta nótula, verifico que um Ministro que não é da
Educação nem da Cultura convocou um grupo de personalidades ligadas à
Comunicação Social, à Cultura e à Educação para definir o que, na Televisão do
Estado, deve ser postulado como "serviço público" e, concomitantemente, o
"formato" que esse serviço há-de ter, para apurar, - na presente conjuntura de
restrições financeiras - "em definitivo", se para um satisfatório desempenho da
missão daquele órgão estatal de comunicação basta um "canal" (como já entendeu
o Ministro) ou é indispensável manter os dois actuais.
Oiço a voz corrente ("vox populi, vox Dei") dizer: "Com dois "canais" toda a
gente pode escolher!", e curvo-me à lógica do senso comum - que é a massa que
enforma os povos - para concluir que o Ministro, se não vestiu uma
camisa-de-onze-varas, da qual os condenados da Inquisição só se livravam pelo
arrependimento ou pela fogueira, entrou num pântano de areias movediças, onde,
quanto mais um passo dá, mais se afunda.
Primeiro, tomou um mapa das sondagens de audiências e, constatando que os dois
"canais" juntos da RTP eram menos vistos que o de cada uma das televisões
privadas, concluiu que, perante a evidência, bastaria um à televisão oficial,
quando deveria ter concluído: "ainda bem!", baseado na justificação da
diferença - que qualquer bom manual de Comunicação Social ensina - de que a
natureza da privada é "socio-económica", regendo-se dentro de um sistema de
lucros necessários para se manter e crescer, enquanto a natureza da televisão
pública é do domínio do "simbólico", em cujo primeiro nível se situa a defesa e
projecção dos valores elevados da sociedade, como a língua, a história, a
literatura, a arte, a ciência, a religião, etc.
Então, ouvindo as primeiras vozes contrárias, mas confortado no respaldo de que
o seu Partido fora o mais votado nas eleições (embora, mesmo estatisticamente,
aliado ao terceiro mais votado, só "representasse" cerca de metade dos
portugueses votantes) disse, peremptório, como Luís XIV: "O Estado [que decide]
sou eu!", e como Arquimedes: "Eureka!", quando este descobriu a lei do peso
específico dos corpos... mas o Ministro ainda aguardava o "parecer" do grupo
nomeado para saber qual seria, de facto, o "peso" de uma Televisão oficial.
Depois, reformulou o postulado oitocentista dos fisiocratas como Quesnay e dos
liberais como Smith para, em vez do famoso "laissez faire, laisser passer",
impor um postulado próprio, agora neoliberal: "Laissez faire, laissez risquer."
Falta verificar se, quando obtiver o "parecer" dos "experts" que não se vão
esquecer certamente de que a interpretação do "simbólico" que exprime as
identidades nacionais é da natureza da liberdade (responsável) de expressão e
de criação dos profissionais e não se "formata" por decreto nem se "encomenda"
à indústria - o Ministro aguardava apenas que os mais influentes "trocassem"
Jesus por Barrabás, para que pudesse, enfim, como Pilatos, lavar as suas mãos e
dormir tranquilamente, sem sonhar com pântanos.
Aguardemos.
|