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Leituras inacabadas

"Não há duas sem três." Nos dois números anteriores trouxe-vos alguns dados sobre os hábitos de leitura dos alunos da minha escola e das suas famílias; agora (e para concluir esta trilogia) apresento os resultados relativos ao corpo docente.

Desta vez, o universo de inquiridos ultrapassou a escola onde trabalho. Elaborei um inquérito (de estrutura semelhante aos anteriores mas com a introdução de questões específicas) que foi entregue, no passado mês de Maio, aos 30 professores que trabalham nas três escolas EB1 de Montemor-o-Novo. Os inquéritos devolvidos (24) revelam-nos os seguintes resultados.
Todos os professores gostam de ler, sendo que 79% gosta muito e 21% gosta razoavelmente. A maioria (62%) lê todos os dias ou quase, mas ainda há 17% que lê apenas ocasionalmente. Lêem mais livros que jornais ou revistas e ler na Internet não faz parte dos seus hábitos, apesar de em todas as escolas já haver (desde há quase um ano) um computador instalado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, no âmbito do Programa Internet na Escola. O género literário preferido é o romance. Este dado vem de encontro aos resultados nacionais apurados por Eduardo de Freitas (1997) no estudo sobre Hábitos de Leitura - Um Inquérito à População Portuguesa.
Questionados sobre a quantidade de livros que leram no último ano, 41% afirma ter lido 6 a 10 livros, havendo no entanto 4% que não leu nenhum. Esta parece-me ser uma percentagem preocupante, pois estamos a falar de professores, um grupo profissional que lida a todo o momento com a escrita e a leitura e a quem cabe a difícil missão de formar leitores. Será possível motivar para a leitura quando nós próprios o não estamos?
Os professores consideram como factor mais determinante para a leitura de um livro o autor (29%); ler um livro que alguém indicou surge como segunda opção (24%) e apenas 2% tem em conta as críticas literárias. Na verdade, vivemos numa sociedade dita letrada mas que continua a privilegiar a oralidade no acesso e partilha de informação; apre(e)nde-se mais o que se ouve do que o que se lê, por iniciativa própria, em fontes escritas.
Recordando-se da época em que eram crianças, pouco mais de metade dos professores (57%) viu os seus pais a ler com regularidade, havendo contudo 13% que nunca os via ler.
"Acha que poderia viver num mundo sem livros?" 4% (ainda) considera que sim, sem qualquer problema e 35% acha essa situação impossível.
No inquérito, foram ainda apresentadas sete hipóteses para a criação de hábitos de leitura nas crianças. Ser motivado pelos pais e pela família foi a opção de 32% dos inquiridos e ser motivado pelos professores juntou 25% de opiniões.
Por fim, sugeria-se a indicação de actividades que habitualmente os professores fazem com os seus alunos no sentido de os motivar para a leitura. Inevitavelmente, ouvir, (re)contar, resumir, ler, dramatizar, inventar, escrever e continuar histórias, dinamizar a leitura, desenvolver actividades a partir de histórias, divulgar livros e incentivar as idas às Bibliotecas. Reconhecendo valor a todas as sugestões, gostaria de destacar a importância dos jogos de leitura, também citados. Tendo em conta que muitas vezes a leitura é sinónimo de estudo de matérias obrigatórias (nem sempre motivante para os alunos), o jogo surge como uma das boas estratégias para mostrar que ler pode abrir caminho a tantos assuntos quantos a imaginação permite; tornar a leitura lúdica predispõe as crianças a participar, diverte-as e, acima de tudo, coloca-as na situação de leitores. Pena é que este tipo de actividades não faça a regra.
Claro que os resultados que aqui apresento não podem ser generalizados, pois reportam-se apenas ao contexto em que foram apurados, mas poderão ser um indicador da nossa realidade e levantam-me uma série de novas questões. Quais os profissionais que mais lêem? Que tipo de leituras se fazem nas diferentes profissões? Como se comportam os professores dos vários níveis de ensino no que respeita a práticas de leitura? À luz do já referido trabalho de Eduardo de Freitas, seria interessante avançar com um estudo sobre os hábitos de leitura em várias profissões, entre as quais os professores, face ao papel que lhes é atribuído no incentivo à leitura.
Tantas leituras que ainda há para fazer!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 114
Ano 11, Julho 2002

Autoria:

Betina Astride
Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo
Betina Astride
Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo

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