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"Desporto escolar. Conceptualização e contextualização no âmbito do sistema educativo e do sistema desportivo."

A abordagem desta temática, é fruto de um posicionamento institucional, por um lado, mas também e principalmente, de um longo percurso profissional desenvolvido em Escolas, Clubes e na Administração Pública.

Assim, começarei por uma abordagem, naturalmente, sucinta, dos aspectos que no nosso ponto de vista e na lógica institucional têm caracterizado e marcado de forma significativa, o Desporto Escolar, nunca perdendo de vista o seu relacionamento, quer com o sistema educativo, quer com o sistema desportivo.

Desde logo, surge como marco mais importante da história recente do Desporto Escolar, a sua criação pelo D.L. 165/96, de 05/09. Trata-te de uma peça jurídico/legal do maior significado, uma vez que, pela primeira vez, se concretiza e dá forma a um órgão de coordenação nacional com funções de planeamento, dinamização, avaliação e controlo. Por outro lado, e não menos importante, o Desporto Escolar passa, definitivamente, para o Ministério da Educação, onde, efectivamente, se deve posicionar. Na verdade, é incontornável que compete ao Estado/Ministério da Educação criar condições para que todas as crianças e jovens tenham acesso ao Desporto, como instrumento pedagógico e educativo insubstituível na sua formação. E é na Escola e é à Escola que compete fazer a introdução das crianças e jovens à cultura motora e à formação e orientação desportivas.

Após quatro anos caracterizados, essencialmente, pela sua institucionalização, pelo seu financiamento autónomo (Orçamento do Estado e receitas da Santa Casa da Misericórdia/Totoloto), pela adopção de um Modelo e pelo estabelecimento de protocolos com as principais Federações Desportivas, o Desporto Escolar encontra-se, agora, num momento de passagem para um "segundo ciclo".

Pelo seu funcionamento em regime de voluntariado para alunos e professores, pela ausência de uma cultura desportiva de Escola, por condicionalismos ainda não ultrapassados na gestão de horários e instalações, pela necessidade da formação contínua de professores, pela pouca participação e envolvência da comunidade educativa e dos próprios pais, entre outros, creio que este modelo deve ser objecto de ajustamentos, perante objectivos e finalidades que queremos perseguir e atingir a médio e longo prazo.

Reconhecemos que a "viragem "não é fácil. Perante indicadores de natureza sociológica que não se alteram no imediato, constatamos que se trata, na verdade, de um problema de cultura ou, se se quiser, de falta dela.
Estudos recentes e preocupantes remetem-nos para o débito de literacia, particularmente, da população jovem portuguesa. Literacia essa que também se expressa na prática desportiva escolar. Aqueles estudos referem percentagens muito reduzidas de praticantes desportivos a nível nacional, colocando-nos, também aqui, nos lugares mais inferiores da Europa.

Trata-se, efectivamente, de um problema cultural. Portugal não é um país "desportivo", em termo de praticantes, pese embora alguns resultados obtidos por alguns atletas de muito poucas modalidades desportivas, que não reflectem a realidade do país.

A realidade é que, o Desporto Escolar ainda não assumiu verdadeiramente o seu papel, nem foi assumido pela comunidade educativa como um meio imprescindível de formação dos nossos jovens. Ocupados e preocupados com as "coisas" do domínio cognitivo sobre as quais têm de prestar provas e ser avaliados para acesso a um percurso profissional, os jovens, as famílias e a escola negligenciam a formação e a educação pelo exercício físico remetendo este para a área da recreação e entretenimento ou ocupação dos tempos livres, como meio de catarse ou de consumo de energias. Ora o Desporto Escolar encerra em si mesmo conteúdos e objectivos próprios tão específicos, nomeadamente, os da promoção da saúde para um desenvolvimento e crescimento harmonioso e equilibrado (somente esta área tem esta virtualidade), bem como o da prevenção de comportamentos desajustados, integração social, respeito pelas regras, pelos outros e por si próprio, de superação, compreensão e aceitação dos outros, em suma, para o desenvolvimento de um conceito de cidadania.

Conscientes de que a realidade desportiva do país, expressa por número de praticantes extremamente baixo, obrigam a tomada de medidas globais e concertadas, estamos a avançar cautelosamente, mas com segurança, para a tomada de medidas que venham a contribuir para uma melhoria da situação do Desporto Escolar, quer no Sistema Educativo, quer no Sistema Desportivo.

E esta responsabilidade não a queremos enjeitar, nem distribuir por outras entidades, pois trata-se de matéria que somente ao Ministério da Educação cumpre, na medida em que estão em causa valores e princípios constantes e integrantes do processo educativo. É a Escola o espaço e o tempo para a formação das crianças e jovens, na via da construção de uma cidadania responsável, participativa e democrática, para as quais o Desporto Escolar é um instrumento privilegiado. É, assim, que: Desporto...Escolar, só na Escola.

É esta dimensão educativa/formativa que dá ao Desporto Escolar o estatuto de sub-sistema do sistema educativo e que, por isso, não pode, nem deve ser confundido com o Desporto entendido de forma genérica. Na verdade, o Desporto é um só, mas, no entanto, tem momentos, espaços, objectivos próprios e específicos em cada um deles.

Aqui, tem residido um "conflito" que, nalgumas matérias, tem levado o sistema desportivo, certamente por falta de elementos de avaliação, a tomar posições nem sempre conducentes a um entendimento positivo, na via de uma concreta e mais objectiva parceria. Não é criticando e atacando o Desporto Escolar, da forma como, algumas vezes, se tem feito, e somente nos aspectos que, eventualmente, possam ser considerados menos positivos, que se está a contribuir para a melhoria, que se deseja, da prática desportiva escolar.

Porque o Desporto Escolar é, também, parte integrante do sistema desportivo (o seu Director é membro do Conselho Superior de Desporto e membro da Assembleia Plenária do COP), na medida em que participa activamente na introdução das crianças e jovens à cultura desportiva e no processo de formação e orientação desportivas, tem-se vindo a avançar com projectos e a adoptar medidas, tendo em vista dar respostas às necessidades e interesses de muitos jovens que pretendem encetar um precuso desportivo mais qualificado. É, assim, que estão já firmados 31 protocolos com Federações Desportivas, desenvolvendo parcerias em áreas como as da formação de professores, organização de quadros competitivos conjuntos, produção de documentação de apoio a professores e alunos, bem como no apoio a organizações desportivas do Desporto Escolar (nacionais e internacionais). É um processo onde, por ser novo, se estão a dar os primeiros passos, com naturais dificuldades, mas que, com as experiências e competências dos diversos intervenientes, certamente trarão resultados positivos. Defendemos que esta é uma tarefa exigida aos diferentes responsáveis pelo processo de formação desportiva dos nossos jovens. Respeitando a individualidade e especificidade dos diferentes níveis de intervenção, é na identificação dos pontos de convergência que reside o maior esforço de entendimento entre os vários parceiros (Desporto Escolar, Federações Desportivas, Clubes, Autarquias).

A elaboração de Planos de Desenvolvimento (10 em curso), por parte do Desporto Escolar, constituirá, já no presente ano, um espaço e um momento privilegiados para o desenvolvimento de projectos comuns ou de acções concertadas, de acordo com objectivos, patamares e metas planificadas para o médio e longo prazo. E, tal tarefa, somente poderá evoluir com uma intervenção e colaboração das Federações Desportivas, já que os diferentes perfís de formação são matéria da sua competência e responsabilidade.

Outra área onde se estão a investir significativos recursos é a dos Centros de Formação Desportiva Especializada (32) abrangendo modalidades como a Vela, o Golfe, a Esgrima, a Equitação. Outros Centros e Estágios de Aperfeiçoamento estão a ser equacionados pelos Planos de Desenvolvimento, tendo em vista uma orientação desportiva e as participações internacionais.

Igualmente significativo é o Projecto Campos de Férias que, este ano, serão 14, sendo, alguns deles, especializados numa modalidade desportiva reunindo, no próximo mês de Julho, cerca de 1.000 jovens.

É importante dar significância e relevo a estes projectos, dado que a opinião pública tem do Desporto Escolar um entendimento construído na lógica do desporto de competição. O Desporto Escolar é muito mais do que isso, direi mesmo que, face aos problemas em "jogo" e às novas realidades sociais que afectam e condicionam à acção e intervenção da Escola, aquele objectivo até nem é a primeira das nossas prioridades. A Escola importa e reflecte hoje toda uma realidade nova, onde problemas como o da multiculturalidade, minorias éticas, integração social, para além dos comportamentos desviantes, provocados pela droga, mobilizam esforços e recursos significativos, aos quais o Desporto Escolar não é indiferente e para os quais tem de encontrar as suas respostas. Em oposição à Escola Exclusiva do passado, hoje estamos a construir a Escola Inclusiva.

E é por isso que o nosso principal objectivo é a Actividade Interna, tarefa para a qual a Escola e os seus professores de Educação Física têm um papel decisivo. Sem eles, não há Desporto Escolar!

Por outro lado, estamos, também, a encetar um percurso novo e diferente, na justa medida em que entendemos que, no Desporto Escolar temos de ultrapassar a lógica e os esquemas tradicionais de funcionamento por anos lectivos. Os projectos de formação desportiva têm de ser plurianuais, programados a longo prazo, com níveis intermédios bem definidos.

É evidente que sobre esta matéria nos sentimos insatisfeitos. Gostaríamos que o nosso Desporto Escolar fosse melhor. No entanto, reconheça-se que o que está a ser feito tem tido aspectos muito positivos, ainda que ignorados pela opinião pública, o que tem levado alguns dirigentes com responsabilidades no sistema desportivo a emitir considerações menos ajustadas e apropriadas.

Não podemos, por outro lado, ignorar que o Desporto Escolar não pode estar desinserido da realidade que é o nosso sistema educativo, a Escola, a comunidade, o desporto em geral, reflectindo e exprimindo todas as suas debilidades, insuficiências mas, também, as suas virtudes.

Sempre temos expressado a ideia de que qualquer política desportiva que venha a ser adoptada, não poderá deixar de ter em devida consideração o Desporto Escolar, perante o papel insubstituível que lhe cumpre no processo inicial de formação e orientação desportivas.

Concretamente e no âmbito da nossa área de intervenção defendemos que:

  • O Desporto Escolar só poderá, eficazmente, contribuir para a formação dos nossos alunos quando se lhe reconhecer finalidades e conteúdos próprios e singulares no quadro das múltiplas actividades escolares. Salientarei os de natureza corporal, do domínio da saúde, social, ético e moral e o da construção duma cidadania participativa e actuante;

  • Recusar liminarmente o papel reducionista do Desporto Escolar, somente como forma de consumo de energias, de controlo da agressividade ou de ocupação de tempos livres, é atitude que deverá ser assumida por todos os que nesta área trabalham, bem como por todos os intervenientes no processo educativo;

  • Finalmente, concluiremos com a ideia de que o Desporto Escolar não é somente uma actividade recreativa e lúdica. Trata-se de matéria séria que abordada e trabalhada de forma responsável e competente contribuirá decisivamente para a formação global dos nossos alunos, através das transformações que neles se irão verificar.

Com o reconhecimento de muitos bons exemplos e boas práticas que, de norte a sul do país, nas nossas escolas, muitos professores vão dando, quantas vezes sem as condições exigidas para a sua actividade, daqui manifestamos o nosso apreço pelo trabalho que vêm realizando, na convicção de que os interesses e necessidades da nossa juventude justificam o esforço, empenho, competência e sacrifício que lhe dedicamos.a


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 110
Ano 11, Março 2002

Autoria:

Fernando Freitas
Director do Gabinete Coordenador do Desporto Escolar
Fernando Freitas
Director do Gabinete Coordenador do Desporto Escolar

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