A aula da passada terça-feira da turma A do 1º ano do Ensino Recorrente, iria versar o tema da poluição de águas, nomeadamente de águas fluviais: Preparei-me para a abordagem do assunto, lendo as orientações do guia e anotei alguns exemplos de casos conhecidos do dia a dia, que tinham sido noticiados pelos media. Em termos de estratégias, resolvi tentar fazer com que a aula não passasse de uma pequena conversa sobre o assunto. Neste momento do ano (início do 2º período) esta turma, que inicialmente tinha 35 alunos, está reduzida a seis ou sete elementos. As suas idades variam entre os vinte e os trinta e cinco anos. Entrei na sala e, ao contrário do habitual, sentei-me e não escrevi o sumário, nem no quadro nem no livro de ponto. Também não passei a folha de presenças . Comecei então a falar de um petroleiro que tinha encalhado num local da costa Russa e que estava a derramar crude. A discussão foi-se estabelecendo lentamente e, aqui e ali relembrei ou fiz questões de forma a que os alunos se relembrassem de alguns conceitos aprendidos anteriormente, como 'plâncton', 'fito' e 'zooplâncton', cadeias e teias alimentares, de forma a compreenderem as consequências, a médio e a longo prazo de um acidente destes. Mais tarde começamos a falar do caso das águas fluviais (abordou-se o caso do Rio Ave) e das águas subterrâneas. Sem que se desse por isso passaram-se os dois tempos da aula. Tocou para sair e, uma aluna, num tom muito admirado exclamou: - Ó professor, nós hoje não demos matéria? Argumentei, dizendo-lhe que consultasse o livro, e caso estivesse a faltar algum conceito, que me o indicasse na aula seguinte. No entanto, também estava um pouco preocupado com a hipótese de não ter focado todos os aspectos constantes no guia. Mal cheguei à sala dos professores, peguei no guia e fui verificar. Afinal, sem eu mesmo aperceber, os conteúdos constantes no guia tinham sido plenamente abordados.
Estes alunos, principalmente estes, que muitas vezes se arrastam para ali no fim de um dia de trabalho, não se sentiram a cumprir obrigação autoimposta que é assistir diariamente às aulas. Neste dia, se que se apercebessem, tinham estado no programa 'Falatório'. Na altura o programa passava no segundo canal (Abril de 1997), às segundas e terças feiras no segundo canal. Neste programas diversos moderadores, que se vão alternado, convidam algumas pessoas para debater os mais variados assuntos. Nota-se que o moderador nem sempre está seguro, não obstante a boa preparação que todos revelam, no assunto. Nestes dias o diálogo é bastante dirigido e previsível. Por outro lado quando tal não acontece, a discussão flui de uma forma fantástica pela noite dentro. O professor moderador realiza-se na plenitude das suas capacidades, nos momentos em que consegue trabalhar uma aula de tal forma que os alunos assumam a na pele, e sem se aperceberem o papel de um entrevistado. O professor possui o conhecimento científico, o jornalista também se prepara convenientemente ou faz-se acompanhar de um especialista, mas não há nada de mais fundamental que o 'Know how' que as experienciações do quotidiano lhes proporcionam. Ao docente, cabe a tarefa de organizá-las e contextualizá-las no âmbito das concepções a apreender. Para tal, na aula seguinte tive de me munir de um conjunto de instrumentos (dois mapas de conceitos) onde se esquematizavam todos os conceitos versados em tal aula. Há no entanto assuntos em que um professor também tem que se limitar à sequência preestabelecida, e a situação de aula 'regride' um pouco para uma forma mais tradicional e académica. Desde essa aula sempre que possível adoptei com estes alunos esta estratégia, pois bastava conseguir o tal clima de abstracção do tradicional conceito de aula para que o grau de significação na aprendizagem dos alunos fosse bastante superior.
Arlindo Antunes de Sousa
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