Quando perguntarem quem somos...
Majestades, Excelências, Senhoras e Senhores,
Quando nos perguntam quem são os trabalhadores sem terra, do Brasil, dizemos:
"Somos filhos da terra".
Homens, mulheres e crianças que lutam e sonham para que todos tenham terra.
Não temos ainda o direito à terra, pela força do arame, da cerca, pela surda força do dinheiro. Somos homens e mulheres de paz. Somos a mão que fecunda a terra. Somos aqueles que há anos aprendemos a ouvir o labor das sementes. Lemos, na caligrafia do vento e das estações, o tempo de plantar e colher. Somos os que conhecem a flor e o fruto. Somos testemunhas do poderoso ciclo da vida. Somos os homens e mulheres que se recusam a disputar com os ratos o lixo nas ruas das grandes cidades.
Somos 5 milhões de famílias, debaixo de lonas pretas, ao longo de estrada e latifúndios, esperando o futuro.
Por isso somos teimosos e sonhadores.
Por isso quando perguntarem por nós, digam:
No país das imensas terras ociosas Somos aqueles que recusam aceitar as cercas! Que não aceitam que a pecuária tenha prioridade sobre o homem! Que lutam pela justiça social e pela dignidade humana; Vivemos num país aonde se levantam muitas cercas.
As cercas da polícia, de milícias privadas,
as cercas do poder judiciário, quase sempre cego para os pobres,
as cercas dos meios de comunicação monopolizados.
As cercas da opressão, que geraram 16 milhões de analfabetos, 18 milhões de desempregados e 32 milhões de famintos.
Quando perguntarem quem somos, digam:
Somos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST
Aqueles que sonham em construir uma sociedade nova, onde o trabalho, o amor, a comida e a esperança sejam partilhados entre todos.
Somos um povo que luta, que sofre, que chora, que canta, que festeja com alegria cada palmo de terra conquistada.
O Movimento dos Sem Terra, nossa organização, é este sinal de contradição, de indignação e rebeldia social.
É quem lança ao povo em cada mobilização que realiza, o desafio de enfrentar com radicalidade essa situação de injustiças sociais.
Golpeamos um dos alicerces fundamentais da injustiça na sociedade brasileira: o monopólio do latifúndio.
Através de nossa organização, buscamos outros caminhos para fazer produzir a terra conquistada: com a valorização da produção familiar, das cooperativas e associações, e a socialização dos bens que produzimos.
Provamos que a Reforma Agrária dá certo e que através dela podemos combater a fome, a miséria e o desemprego.
Buscamos o acesso à educação para todos.
Reorganizamos a produção agrícola voltada para as necessidades do povo.
Queremos um novo modelo tecnológico e colocamos a agroindustria a serviço dos que trabalham.
Queremos terra, trabalho, comida, moradia e vida. Que as elites negam a milhões de brasileiros. Por isso seguiremos cortando as cercas;
Todas as cercas das injustiças.
Faremos ocupações de latifúndios, caminhadas e caravanas.
Sabemos que só temos direito de participar, quando ousamos lutar.
E lutamos. Em muitos lugares, nossos filhos, mães, mulheres, nossos maridos fecundaram a terra com seu sangue.
Trazemos nas mãos, nos ombros, no sangue, na memória os 1.650 companheiros assassinados nos últimos anos. Gritamos contra a impunidade dos assassinos. Somos a memória dos massacres de Corumbiara, Eldorado dos Carajás, tantos...
Não temos forças suficientes para romper tantas cercas sozinhos.
Contamos com a solidariedade de todos os homens e mulheres da Bélgica, de toda a Europa. Por isso viemos aqui, para repartir com vocês, esta celebração da vida e da justiça.
Reforma Agrária, uma luta de todos! Muito obrigada
Bruxelas, 19 de Março de 1997
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