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História mínima sobre uma paixão pelo TEATRO

O gosto pela representação nasceu aos catorze anos quando assistiu a uma peça de teatro. “Édipo Rei”, assim se intitulava, fascinou-a pela sensação de realidade da história e pelo contacto tão próximo entre os actores e o público. Uma encenação que nunca mais esqueceu e que a levou, sete anos depois, a inscrever-se no curso de teatro da Academia Contemporânea de Espectáculo, e a iniciar uma carreira no palco. Uma área artística onde sensibilidade e diplomacia se revelam tão necessárias como talento e descoberta constante das capacidades individuais.

O primeiro ano na academia não foi fácil, porque tinha de dividir as atenções entre o teatro e o jornalismo. Gostos que derivam em parte dos pontos de aproximação que considera existir entre “o “já” associado à palavra e o “já” da verdade informativa”, com os quais se identifica de igual modo. “Foi uma altura em que estive prestes a desistir: era impossível fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Ainda bem que tive pessoas a incentivar a minha continuação, principalmente um dos meus professores: o António Capelo”.

Depois de passar dois anos a estudar as várias vertentes técnicas da arte dramática, o terceiro é destinado a cumprir uma prova de aptidão profissional. Uma prestação essencialmente prática, onde se pretende associar a componente teórica à conjugação do trabalho em grupo, simulando o ambiente de trabalho de uma companhia teatral. “Foi autenticamente como atirarmo-nos às feras”, disse. “As boas raparigas vão para o céu, as más a todo o lado” foi o nome escolhido para o grupo, que se estreou com “Histórias Mínimas”, de Javier Tomeo.

“Foi complicado porque éramos só três e praticamente tivemos de fazer tudo. Mas também aliciante, porque conseguimos montar o espectáculo com apenas 350 contos. E é aqui que o factor humano se revela essencial para se conseguir fazer um bom trabalho. Se as pessoas não se derem bem entre si é muito difícil aguentar a pressão dos ensaios, do palco, das viagens... É preciso um trabalho de equipa constante”.

Em Dezembro de 1993 integrou o elenco da peça “A Tempestade”, de William Shakespeare, no Teatro Nacional de São João e, em Abril do ano seguinte, interpretou novamente “Histórias Mínimas”, desta vez apresentadas no Teatro Muncipal Rivoli ao longo de três semanas. No ano seguinte foi a vez de levar à cena “O Paraíso”, da autoria de Alberto Moravia, estreada no Porto, na sala do TEAR, e, em Lisboa, no teatro da Comuna. Foi a primeira vez que receberam um subsídio de produção, no valor de três mil contos.

Uma verba que representou um avanço significativo no percurso do grupo, mas que nem por isso deixou de constituir um desafio. “Foi um espectáculo bastante difícil de produzir, que só se tornou possível graças à relação de amizade com os elementos do Teatro da Garagem e ao apoio do encenador Carlos Avillez”, afirmou.

Uma descoberta renovada

“Não é difícil representar a mesma peça durante um longo período de tempo, cada peça é realmente diferente todos os dias. As reacções do público ditam muito a maneira como se actua, há sempre mensagens para interpretar: um ranger de cadeira, os movimentos das pessoas, quando alguém tosse, etc... são linhas que ajudam a coser uma espécie de tela. As pessoas estão ali pela primeira vez e merecem ter uma boa prestação”.

Por essa razão é preciso um esforço constante para reinventar a representação. As situações, os momentos, as pausas. “Continuarmos a surpreendermo-nos, a descobrirmo-nos um bocadinho todos os dias. E isso só é possível com uma abertura total ao trabalho, pelo que se torna uma actividade demasiado absorvente: saber olhar para as pessoas, a reconhecer o que somos e o que não somos, a conhecer o nosso corpo, a nossa voz, a dar-lhe um tom preciso... “Os dias – diz – são praticamente divididos entre a produção e os contactos, de manhã, e os ensaios, à tarde”. Quanto aos textos, tenta que eles abordem o mais possível temas contemporâneos, que a literatura dramatúrgica não avança a par da literatura de ficção, do romance ou do conto. “Existe uma violência muito característica no nosso tempo que esses géneros abordam, particularidades que não são exploradas pelo outro. As pessoas estão cercadas pela imagem, acontece um “já” cego, uma servidão perante as palavras. Penso que o teatro pode servir exactamente para inverter isso: para mostrar às pessoas que as palavras podem servir para algo. Mostrar as coisas é importante, mas comunicar com o público é mais importante ainda”.

Em breve será estreado um novo trabalho baseado num texto de Jean Genet, intitulado “Quatro horas em Chatila”, que evoca o massacre ocorrido nos anos 70 naquele campo de refugiados palestinianos do Líbano. Um tema ainda hoje envolto em controvérsia, tanto pelas motivações do ataque como pelas incertezas quanto à sua autoria. “É um assunto de alguma sensibilidade, pelo que tivemos o cuidado de contactar a Autoridade Palestiniana e a embaixada de Israel, em Lisboa, para conhecermos as suas posições. Mas o que nós pretendemos passar é o texto, não é tomar um partido ou atribuir-lhe uma conotação política. É o lado humano da história que nos interessa transmitir”.

“As boas raparigas...” vão continuar a tentar ter um papel mais activo no panorama teatral. O crescendo e termos profissionais. continuar a trabalhar e a sentir que aquilo que fazemos tem uma dignidade fruto de um grupo de pessoas que gosta muito daquilo que faz”.

Senhoras e senhores: Carla Sousa.

Ricardo Jorge Costa


  
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Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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