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A Utilidade de uma Semente

A uma aula do teste, surgiram algumas dúvidas a que me prontifiquei esclarecer. Reparei no entanto que lá no fundo, à direita, quatro meninos estavam compenetrados numa interessantíssima conversa, de cujo conteúdo desconfiei nada ter a ver com o assunto da aula.

Fiquei bastante aborrecido, interrompi o que estava a comentar e chamei-os à atenção. Como que de uma dança se tratasse, olharam para mim em simultâneo e encolheram os ombros. O seu ar, era o mais 'inocente' do mundo, o Pedro franzia o sobrolho como que a querer mostrar que estava bastante atento e interessado.

O desinteresse destes alunos vem-me a preocupar há já algum tempo. O Pedro e o Rui são repetentes. Sei muito bem que se os separar, os outros dois não se vão distrair, no entanto só em último recurso o farei. Na altura não me ocorreu mais nada senão referir o seguinte:

- Sabem que se reprovarem outra vez, vão ter que vir cá durante as férias para serem submetidos a uma avaliação sumativa extraordinária.

Praticamente de seguida, o Pedro argumentou:

- E se não vier, o que é que me acontece?

A indiferença de alunos como este deixa qualquer um por terra. Mas, tal nunca pode acontecer, se o professor tem que assumir uma atitude heróica, é nestes momentos. A rapidez de raciocínio tem, que ser enorme, doutra forma nunca se consegue transformar a atitude destes alunos.

No contexto sócio-cultural e económico desta escola, o professor é confrontado diariamente com casos destes principalmente em turmas de níveis que estão dentro da escolaridade obrigatória. A maioria destes alunos vive num ambiente onde qualquer conhecimento de índole intelectual é considerado supérfluo e inútil. 'Para ir trabalhar numa cutelaria, não preciso de grandes estudos. Eu quero é que me deixem sair da escola'.

Este problema deve-se em grande parte das vezes ao desconhecimento de qualquer outras perspectivas profissionais e/ou simplesmente dos meios necessários para as alcançar.

É normal, nos inquéritos sócio-económicos, aparecerem casos de alunos que gostariam de ser por exemplo, professores ou médicos, mas que desejam estudar apenas até ao 9º ano. Em muitos casos podem estar a confundir o desejo com o que acham possível, tendo em conta os planos que os pais têm para cada um ou mesmo a vontade que cada um tem de estudar. No entanto, em diálogos posteriores, pude constatar o contrário.

Aparentemente, um pé de cacau, para os primeiros exploradores portugueses e espanhóis, não devia ter grande utilidade. Significava apenas mais uma planta exótica, com uns grandes frutos, cheios de sementes e que nem sequer davam para comer. A partir do momento em que os índios lhes deram a provar a magnífica bebida que se podia obter a partir das sementes da planta, esta passou a ter uma significado diferente, tais seriam as potencialidades, principalmente para quem estava ávido de coisas novas.

Para os Pedros, a Escola também não fornece nada de novo, ainda mais na floresta densa em que estão inseridos. Têm que ser os índios, ou seja, os professores, a procurá-los, ao contrário do que aconteciam com os exploradores, e mostrar-lhes as maravilhas que se podem obter a partir das pequenas sementes escondidas nesta confusa planta que é a Escola dos nossos dias.

Arlindo Antunes de Sousa


  
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Arlindo Antunes de Sousa

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