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PEDRO PAIXÃO ou a arte de contar histórias

Numa fase de plena valorização e de enriquecimento literário, a moderna prosa de ficção, sobretudo a partir dos anos 80, não deixou de prosseguir na publicação de obras de ficcionistas portugueses que, através do conto, têm procurado exprimir a própria realidade, seja pela ironia ou pelo erotismo, seja pelo "fantástico" ou pelo carácter imediatista de redescobrir outros caminhos de afirmação literária. E, se essa reabilitação do conto como género literário de especial predilecção dos nossos prosadores é em si muito louvável, a verdade é que, por outro lado, julgamos que não deve servir como tubo de escape a outros projectos de criação mais demorada e trabalhosa. Ou seja, não se deve entender o conto apenas como "suporte" literário para preencher espaços vazios de outras formas de expressão, reforçando uma bibliografia que em si mesma não terá importância se não for valorizada no plano estritamente literário e estético.

Ora, com a sua escrita ágil, solta e desinibida, falando e pensando do mesmo jeito que se fala (e essa oralidade é o tom e o sentido que caracteriza melhor a sua prosa ficcional), Pedro Paixão revela-se no seu último livro de contos, Viver Todos os Dias Cansa, com um escritor de qualidade, não só pela intenção desenvolta do próprio modo de narrar, mas sobretudo pela aguda e penetrante atenção que sabe colocar no jogo de relações humanas (e especialmente entre os jovens), fixando a realidade da vida no pulsar da própria vida entendida ao nível de um certo vazio ou despudor, em que os valores a cada passo são questionados: "Não sabemos como procurar, nem onde encontrar, nem afinal sabemos o que procurar. Somos assim, tão perdidos, que nos agarramos sem sequer poder tocar" (p.65).

Na verdade, a prosa ficcionista de Pedro Paixão é, em minha opinião, a certeza de um bom escritor que apareceu nestes anos 90 e tem sido regular na publicação dos seus livros, contando já um bibliografia com cinco títulos publicados entre 1992 e 1995. Mas o autor deste livro de contos (ou textos avulsos que nos remetem sempre para um certo urdir ou entrelaçar narrativo da ficção com a realidade ou mesmo com a anotação filosófica) revela-se como um caso de excelente capacidade literária, onde a vida se encara como soma de prescrições, desencontros, pequenos sonhos ou nadas que, no fim de contas, contam sempre muito na vida de todos os dias. E mesmo que se confesse não ter paciência para ler até ao fim Em Busca do Tempo Perdido, porque a obra de Proust é longa e arrastada nos vários volumes em que se desdobra essa "procura do tempo", o que ressalta nesse tom marcadamente confessional de Viver Todos os Dias Cansa (ainda na lembrança de um celebrado poema de José Gomes Ferreira, "Viver sempre também cansa") é a forma de uma focagem muito desenvolta das relações humanas, amorosas ou de casamento, sem "clichés" repetitivos, e antes no modo de saber captar certos quadros e situações que muito de perto se ligam a vida de hoje, que cansa, mas mesmo assim é intensamente vivida por entre pesadelos, gritos, vodkas e libriuns a mistura. E por isso a arte de saber contar essas histórias e retratar gente que anda a seu lado, entre angústias e cansaços de que não terá bem consciência, vivendo um pouco nesse "far niente" dos anos 50 depois da última guerra (e que Fellini, por exemplo, soube transpor no cinema como ainda hoje se comprova), faz de Pedro Paixão uma espécie de "arauto" que, no fundo, talvez deseje despertar outras gentes para o outro lado da vida, não tão imediatista, nem trivial nem inútil, que possa prender-se a outros valores ou a descoberta de outro sentido na vida.

Portanto, ao chamarmos a atenção para Viver Todos os Dias Cansa fazemo-lo na convicção de que o autor de A Noiva é já, sem dúvida, um dos casos mais expressivos de escritores que se esforça por criar uma obra literária com grande capacidade e talento, que se confirma neste último livro pelo seu claro engenho e arte para contar histórias.

 

PEDRO PAIXÃO
VIVER TODOS OS DIAS CANSA
Livros Cotovia / Lisboa, 3. ed. 1996

Serafim Ferreira


  
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Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

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