Para a Cloro por tudo.... Depois de 10 anos de Revolução Cultural, durante a qual a produção cinematográfica tinha praticamente desaparecido, o órgão oficial do Partido Comunista Chinês anuncia a abertura do concurso para a entrada na Academia de Cinema de Pequim, fechada, como todas as escolas, desde Junho de 1966. Para os jovens chineses que tinham visto acabar a sua escolaridade na adolescência, e tinham sido enviados para o campo, para a fábrica ou para o exército, era uma oportunidade a não perder. Foi uma tal febre, que havia 3000 candidatos no curso de realização para 26 lugares disponíveis. Chen Kaige ('A vida por uma corda') apresentou-se, contra a opinião do seu pai - o realizador Chen Huaiíai - que chegou mesmo a escrever-lhe 'ser cineasta na China é uma profissão muito perigosa'. Kaige e os seus colegas tornaram-se a 'Quinta Geração' de realizadores chineses: Zhang Yimou ('Milho vermelho'), Huang Jianxin, Wu Ziniu, etc., etc... As suas razões para entrar para a Academia eram para a maioria ,extra-cinematográficas.Tian Zhaunghuang ('O veado azul voador') por exemplo, que tinha estado colocado no Estúdio do Filme Agrícola no 'Cú de Judas', viu nisso um meio de evitar um imbróglio sentimental com uma jovem camponesa que se apaixonou por ele. Havia nove mulheres no curso de realização, entre elas Li Shaohong ('Madrugada Sangrenta'): 'Sempre quis retomar os estudos, mas, sendo um simples soldado pensava que para mim a Universidade estava fechada. Sendo a minha mãe realizadora, convenci-me que a Academia de Cinema seria fácil para mim'... Peng Xiaolin ('Três mulheres'), tinha passado anos no campo: 'Quando soube da abertura do concurso, o céu tornou-se azul, as árvores verdes e as flores vermelhas. Antes, tudo era cinzento. Nunca me tinha imaginado cineasta, o que eu queria era sair da campo'. Candidatos mais jovens foram igualmente admitidos, como Ning Ying, ('Pelo prazer'). Pelo contrário, Zhang Yimou foi recusado por ter 27 anos, cinco anos mais do que a idade limite para o curso de cameraman. Operário,Zhang não renunciou à sua paixão pela fotografia chegando a vender o seu sangue para comprar uma máquina. Juntou um portfolio para apoiar a sua candidatura, escreveu ao ministro dos Assuntos Culturais para solicitar uma excepção, e acabou por ganhar a causa. 'Se tivesse sido recusado, teria de trabalhar na fábrica toda a minha vida...'. Na Academia, o equipamento de origem soviética era ultrapassado e insuficiente. Os professores cuja carreira foi interrompida pela Revolução Cultural, sabiam pouco mais que os seus alunos. 'Diziam-nos que para aprender a fazer cinema, era preciso ver filmes, diz Chen Kaige. Todos os dias, íamos de autocarro explorar os arquivos de Pequim. Zhang ainda recorda o prazer do primeiro filme que viu, ' Fantomas': um mundo novo abriu-se para mim'. Os estudantes viram de tudo, filmes soviéticos e americanos, europeus e japoneses, assim como os clássicos chineses, enfim saídos do esquecimento do 'revisionismo burguês'. 'Não gostávamos muito de Hollywood' diz Kaige. 'A história era demasiado bem 'cosida', não era muito verdadeira. Detestávamos os filmes de Yunan (a tradição revolucionária). Mas redescobrimos o nosso cinema, o dos anos 30 e 40'. Um outro filme choque para Zhang foi 'A primavera de uma pequena cidade', 'um melodrama subtil' rodado por Fei Mu, cuja influência se encontra em 'Ju Dou' e 'Esposas e Concubinas'. Longe de ser revolucionária, a 'Quinta Geração', a primeira a ter a sua aprendizagem na cinefilia, encarna de facto um certo classissismo. Mas o encontro histórico que marcou o seu aparecimento quase que falhava. Foi uma série de circunstâncias, à qual se juntou o importante papel de Wu Tianming então à frente dos estúdios de Xiían que tornaram possível a colaboração de Kaige e Yimou em 'A Terra Amarela'. Boicotado pela Nomenklatura, o filme foi apresentado no Festival de Hong Kong, que lhe assegurou um trampolim internacional. O cinema da 'Quinta Geração' representa uma das raras utopias contemporâneas: proibidos ou não, os filmes fazem-se (muitas vezes com capitais estrangeiros) e encontram um público na cena internacional. Os antigos párias da Revolução Cultural puderam assim criar, no seio de uma sociedade onde se sentem ostracizados, uma espécie de contra-sociedade. Mais do que os seus colegas que chegaram ao cinema por razões estéticas, os realizadores da 'Quinta Geração', que queriam apenas 'mudar de vida', trazem-nos um magnífico testemunho do poder do cinema.
Paulo Teixeira de Sousa
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