Muitos aprenderam muito mais do que se poderia prever, ganharam outra consciência de si e dos conhecimentos de que eram portadores, ganharam gosto e vontade de novas aprendizagens e, alguns, candidataram-se e entraram no Ensino Superior.
Numa das últimas manifestações da CGTP, no Porto, tive a oportunidade de participar numa conversa entre amigos. Perguntava eu a um professor cuja escola, e ele próprio, tinham estado envolvidos num Centro Nova Oportunidades, qual era a situação agora, se o centro ainda se mantinha em funcionamento ou se era um dos muitos que o Governo tratou de destruir, numa fúria avassaladora? Antes ainda de obter a resposta, um outro amigo pergunta-nos: estão a falar de quê? das novas oportunidades que deram a licenciatura ao Relvas? Não, respondemos-lhe, as Novas Oportunidades não permitiram a ninguém certificar conhecimentos a nível do Ensino Superior. Essa possibilidade surgiu, efetivamente, com o processo de Bolonha, sendo responsabilidade de cada instituição, mas nunca ao nível do que aconteceu com o ministro Relvas. A este, foram certificadas 32 das 36 disciplinas que compunham o plano de estudos do curso que “concluiu”, algumas das quais, aliás, só vieram a surgir nos currículos da respetiva universidade uns anos depois – este foi, pois, um processo que nada teve a ver com reconhecimento e certificação de competências, mas sim com “conhecimentos”, amizades e compadrios diversos.
Bem diferente desta situação – que, no mínimo, nos mostra bem certo tipo de governantes e de governação que temos – foi a forma como muitos trabalhadores e trabalhadoras (alguns dos quais, certamente, estariam também na manifestação) se empenharam nos processos de reconhecimento e certificação de competências em que participaram, ao nível da Iniciativa Novas Oportunidades. Muitos deles, para obterem o seu certificado equivalente ao 6º, 9º ou 12º anos de escolaridade, desenvolveram um trabalho árduo e sério de análise, reflexão e sistematização dos conhecimentos adquiridos em diversos momentos e circunstâncias da sua vida (o que, por si só, permite inúmeras aprendizagens), ao mesmo tempo que frequentaram diversos módulos ou cursos de formação que lhes permitiram aceder a novos saberes. Muitos destes adultos aprenderam, neste processo, muito mais do que inicialmente se poderia prever. Ganharam uma outra consciência de si mesmos e dos conhecimentos de que eram portadores, modificaram a imagem de si próprios, ganharam o gosto e a vontade por novas e mais aprendizagens e, alguns, candidataram-se e entraram no Ensino Superior. Nos últimos anos tenho tido a grata oportunidade de conhecer e trabalhar com alguns destes adultos, que, a partir do processo de reconhecimento, validação e certificação de competências, ou da frequência de cursos de Educação e Formação de Adultos, equacionaram a possibilidade de aceder à Universidade e acederam. Não cheguei a falar deles ao meu amigo; vou fazê-lo agora, tomando como exemplo uma dessas pessoas.
Conheci-a há quatro anos, acabada de entrar no 1º ano da licenciatura. Mais velha do que a maioria dos colegas, com um ar tímido, de quem estava a entrar num contexto que de todo não lhe era familiar. Lembro-me que, numa das primeiras aulas, discutindo o conceito de educação a partir de diferentes fotografias que tinha pedido aos estudantes para tirarem (num percurso que tínhamos feito pela cidade), mostrou uma, do edifício da reitoria da Universidade do Porto, nos Leões, com um sinal de trânsito proibido à frente, explicando que simbolizava um espaço educativo que durante muito tempo lhe tinha estado vedado, mas do qual agora fazia parte. Nunca mais me esqueci desse momento. Três anos depois concluiu a licenciatura, tendo frequentado e sido avaliada em todas as unidades curriculares do curso (39). Tal só foi possível fruto do seu percurso na faculdade, da sua presença constante nas aulas (às quais ia todos os dias, depois do trabalho), das muitas horas de estudo (à noite e ao fim de semana), do empenho que sempre pôs nos trabalhos individuais e de grupo, da curiosidade e vontade de saber que sempre manifestou, da disponibilidade para com todos aprender. Hoje é, sem dúvida, a mesma pessoa, mas também uma pessoa diferente. Uma pessoa certamente mais confiante em si mesma e nas suas potencialidades, mais segura, mais sabedora e ainda mais capaz. Alguém que já não entra na faculdade como se estivesse a entrar num mundo estranho, mas com a certeza de que aquele é também o seu mundo e o mundo dos seus filhos. O que tem este percurso a ver com o outro de que falei no início? Nada. Absolutamente nada. Não perceber esta enorme diferença significa colocar no mesmo saco o que nada tem de comum: o conhecimento, o trabalho e o esforço de muitos trabalhadores com a ignorância, o despautério, o amiguismo e o compadrio de quem usa o poder em seu próprio benefício. Em última instância, esta confusão só serve ao senhor Relvas e afins, e não é de todo séria nem aceitável, como tenho a certeza que o meu amigo reconhecerá.
Com tudo isto não quero, nem posso, dizer que tudo funcionou bem no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidades e que os percursos de todos os que a vivenciaram são semelhantes. É claro que não. Apesar da importância de que se revestiu para muitas pessoas, muitos aspetos precisavam de ser revistos e profundamente alterados – facto com o qual praticamente todos estarão de acordo, o que já não acontece quanto se discute o sentido das mudanças. E o que tem vindo a acontecer é que, a propósito da necessidade de mudar, o Governo tem vindo a destruir, de forma deliberada, o que de mais positivo vinha a acontecer no campo da educação de adultos nos últimos anos, tendo provocado já o afastamento de milhares de pessoas de processos de formação verdadeiramente significativos, configurando um enorme ataque à educação como um direito de todos. Mas sobre isso voltaremos a falar.
Teresa Medina
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