O discurso conservador pretende que a escola e os professores se devem deixar de filosofias e 'paninhos quentes' e fazer aquilo para que, segundo eles, existem: ensinar, ser exigentes, avaliar, seleccionar, distinguir. Arrumar para longe questões que só complicam: os contextos sócio-culturais, as pessoas que 'moram' nos alunos, as diferentes situações e ritmos?. Quando alguém introduz estes factores como relevantes para a aprendizagem, a moda, agora, é arrumá-lo e desqualificá-lo, chamando-lhe 'filho de Rousseau'. Quando se procura chamar a atenção para a importância dos processos, não para os contrapor aos resultados, mas para introduzir no modelo um factor de complexidade e de maior acuidade face às situações concretas, logo nos vêm com a catalogação de que falamos e escrevemos 'eduquês'. Todos sabemos que a melhor forma de evitar discutir um assunto é arrumá-lo com respostas e com certezas e ilegitimar quem pensa a realidade de outro modo. É verdade que houve e há muito discurso sobre a educação que não passa de palavreado para alimentar ou encobrir a pobreza de pensamento, quando não práticas medíocres. Mas isso não tira que se porfie em repensar a escola e o modo de nela estar e de nela trabalhar. Aos mesmos que consideram os rankings das escolas o supra-sumo da transparência do sistema educativo e o indicador-mor da qualidade, e que brandem os resultados dos estudos comparativos internacionais como o PISA, raramente os vemos preocupados com uma questão a um tempo tão simples e tão inquietante: e se a escola estivesse a preparar para um mundo que já não existe? E se os pressupostos que fundaram a escola ? que no essencial, mudaram muito pouco nos últimos cem anos? já não fossem válidos? Décadas atrás procurava-se motivar os alunos para o estudo de matérias por vezes áridas e desinteressantes com o argumento de que, estudando e progredindo, obteriam o passaporte para um emprego e para uma carreira. Hoje, o argumento que faz da qualificação um factor decisivo para as políticas públicas pode ser relevante do ponto de vista da produtividade e da macro-economia; não o é do ponto de vista das percepções e expectativas individuais. Acresce que as crianças e adolescentes que demandam a escola de massas também já são outros. Algumas das características do mundo que habitam decorrem de tendências mais longas e largas. As gerações mais jovens fizeram ou fazem, cada vez mais, a experiência de crescer sem irmãos e em quadros familiares distantes do modelo-padrão; nascem e desenvolvem-se rodeados de uma agressiva máquina de marketing e publicidade que os formata, a bem ou a mal, na alienação consumista; conhecem desde cedo a esquizofrenia do sistema dominante, que prega a paz, a justiça e a fraternidade nas declarações e documentos solenes, mas pratica a mais descabelada competição. No meio de tudo isto ? como expressão e agente deste mundo - os media, particularmente a televisão, os jogos, a música digitalizada e a Internet, converteram-se em ambiente de respiração e socialização. Conhecer melhor esta geração, tomar consciência daquilo que emerge como expressão de um novo paradigma cultural não pode ser remetido para o folclore da irrelevância pedagógica. É uma exigência humanizadora da educação, da qual todos temos a aprender. Num texto hoje clássico, publicado em 2001, Marc Prensky[1] aludia ao fosso geracional como dimensão da "fractura digital" que se tem vindo a converter num dos mais expressivos campos de desigualdade social, nas nossas sociedades. Segundo o autor, em contraposição aos "imigrantes do digital", que seriam os adultos que cresceram na cultura analógica, os "nativos do digital", que passaram as suas vidas rodeados de computadores, telemóveis e consolas de jogos, têm modos de pensar e de processar a informação profundamente distintos. Esta distinção carece de muito mais aprofundamento e, como tem chamado a atenção um autor como Henry Jenkins[2], não será correcto etiquetar toda uma geração como se fosse uma categoria homogénea e como se os tais"nativos", pelo facto de o serem, não carecessem da formação para a abordagem crítica das tecnologias ou, mais simplesmente, da literacia digital. Em todo o caso, a hipótese de Prensky ? ainda que limitada e criticável ? coloca um problema que os educadores e as instituições educativas não deveriam ignorar. O autor coloca a questão como se ela fosse um problema de linguagem ou de 'língua': "os formadores imigrantes do digital, que falam uma língua obsoleta (a da era pré-digital) esforçam-se por ensinar uma população que fala uma língua inteiramente nova". Saberemos ver o alcance desta metáfora linguística?
[1] Prensky, M. (2001) Digital Natives, Digital Immigrants. On the Horizon. NCB University Press, vol. 9, nº. 5) Cf.: http://www.marcprensky.com/writing/Prensky - Digital Natives, Digital Immigrants - Part1.pdf [2] Cf. Jenkins, H. (2007, 5 de Dezembro) Reconsidering Digital Immigrants... in www.henryjenkins.org/2007/12/reconsidering_digital_immigran.html
Manuel Pinto
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