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Para quando "Bolonha" no ensino não superior?

... já ninguém terça armas em prol dum currículo vertical e uniforme, unilateralmente imposto e  definido. A ideia de que  o processo de educação e formação  deve, doravante, orientar-se  segundo uma lógica   que privilegie a aprendizagem mais do que o ensino e a leccionação tradicionais parece inspirar claramente esta doutrina  de Bolonha.

Para além de toda a polémica que o processo de Bolonha tem conhecido, sobretudo nestes últimos dois anos (que correspondem à intensificação do trabalho com vista à implementação  das propostas curriculares tributárias  da nova filosofia e política  de formação), uma  certa pacificação  parece estabelecer-se a propósito da metodologia  do trabalho escolar  previsto pelo novo modelo.
De facto,  a metodologia em referência, ao  consagrar o princípio da participação dos estudantes na construção do seu próprio currículo, quer seja através do recurso ao sistema de disciplinas  optativas, quer através do reconhecimento do direito a um tempo autónomo curricularmente atribuído para investir em projectos de desenvolvimento pessoal quer seja, ainda,  através   da criação de dispositivos que incentivam a prática da avaliação contínua e a monitorização do trabalho,  não tem suscitado objecções de maior, não obstante estarmos face a uma ?revolução? pedagógica e científica cujos efeitos não são fáceis de avaliar.
O consenso que paira em torno desta proposta ou, pelo menos, a ausência de ruído ? significará que já ninguém terça armas em prol dum currículo vertical e uniforme, unilateralmente imposto e  definido. A ideia de que  o processo de educação e formação  deve, doravante, orientar-se  segundo uma lógica   que privilegie a aprendizagem mais do que o ensino e a leccionação tradicionais parece inspirar claramente esta doutrina  de Bolonha. Por detrás dela, porém, perfila-se um novo tempo, um tempo que já não é de promessas, mas de paradoxos: um tempo de autonomia que se reconhece aos estudantes, mas um tempo também de responsabilização pessoal e de individualização de percursos; um tempo de autoria, presente  no reconhecimento do direito  de participar na criação do próprio projecto de formação, mas um tempo também de sujeição e de prestação  de contas; um tempo de afirmação e de independência, implícito na capacidade contratual subjacente à construção do currículo, que se reconhece ao estudante, mas um tempo também de imaturidade (ou até de menoridade), susceptível de ser sujeito a processos   de acompanhamento e tutoria.  A este tempo paradoxal que se dissimula e ao mesmo tempo  postula e impõe centralidade e hegemonia aos processos de aprendizagem auto-dirigida em desfavor   do magistrocentrismo explícito não é estranho um processo de socialização escolar que se vem confrontando com a massificação universal do sistema e a consequente heterogeneização absoluta dos seus públicos.
Face a esta heterogeneização,  a resposta terá de ser a diversificação de processos de formação, investida de mecanismos de responsabilização e de individualização. Esta perspectiva não tem, porém, que se submeter, necessária  e exclusivamente, a objectivos estratégicos inscritos numa racionalidade instrumental dominada pela lógica da justificação administrativista, como se a função da escola fosse, antes de mais, a de gerir funcionalmente os comportamentos inscritos nas necessidades do sistema. Ela pode e  deve viabilizar uma lógica da formação onde a diversidade seja promovida e estimulada e não apenas consentida ou tolerada.
O que actualmente se passa no ensino  não superior com a questão das ?aulas de substituição? constitui um bom pretexto para    equacionarmos esta questão: - de facto, o que está em causa na mobilização compulsiva dos professores para as ?aulas de substituição? é impedir que o heterogéneo escolar (o exterior ao currículo) se manifeste de forma incontrolada, quando o que importava era que o heterogéneo se exprimisse, desenvolvesse e se afirmasse criativamente em função da  personalidade dos alunos. O que significa integrar no currículo disciplinas optativas à medida das expectativas dos alunos segundo uma lógica em tudo semelhante ao processo de Bolonha.  Domínios de formação, desde os artísticos aos tecnológicos, aos sócio-morais, aos cívico-políticos não faltam para oferecer aos alunos.  E a pertinência da medida é tanto mais urgente quanto a heterogeneização da população escolar convive cada vez pior com a ?alunização? forçada do sistema escolar tal como vem sendo oferecido.


  
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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