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A Educação Especial deve contribuir para uma Escola mais Inclusiva

Pais, alunos e docentes encaram com esperança o facto da próxima regulamentação da educação especial portuguesa poder vir a ser um instrumento importante no aprofundamento dos valores de uma educação inclusiva.
A legislação ainda em vigor foi um marco fundamental de mudança na escola pública, por isso espera-se que o novo documento seja também um significativo e firme passo em frente, não se quedando pela mera sistematização de normas dispersas ou o enquadramento de práticas enviesadas, ou possa ainda enfermar de hesitações e ambiguidades quanto aos princípios e à forma de os pôr em prática.
Existe hoje a necessidade de devolver definitivamente a educação especial aos docentes e às escolas, através do fim das contradições entre uma retórica que valoriza o pedagógico e uma prática que se ajoelha perante o clínico.
Será, por isso importante que a palavra ?inclusão? apareça finalmente na letra lei, o que até agora não aconteceu. Que não se trate de uma inclusão envergonhada ou subserviente a modelos do passado, mas que seja antes um avanço corajoso, determinado e inequívoco, no sentido de uma escola de qualidade para todos sem excepção, independente da sua condição ou grau de severidade de problemáticas.
Descolar os termos ?inclusão? e ?integração? parece-nos ser um exercício interessante para quem reflecte sobre o assunto, de forma a clarificar conceitos.
A escola pública deve saber exactamente o que dela se espera, tendo o dever de se constituir numa verdadeira alternativa de qualidade para a educação das crianças portuguesas. Não podemos deixar escapar esta oportunidade, sob pena de se perderem anos com uma lei tacanha.
Desde logo se torna fundamental não esquecer os alicerces da educação especial em Portugal, no respeito pelos que ao longo de décadas dedicaram o seu esforço e profissionalismo, num trabalho que devemos respeitar e com o qual devemos aprender.
A investigação, literatura e as figuras de referência, não podem ser também ignoradas nesta construção.
Uma escola que não tem capacidade de aprender, não pode exigir que os seus alunos o façam.
Não se pretende apenas a participação escolar de alguns alunos com deficiência, mas antes a construção de um caminho educativo a percorrer por toda a comunidade educativa, que pode e deve ser um desígnio educativo abrangente e presente no financiamento, na formação inicial, na prática e gestão das escolas, nos modelos educativos e, acima de tudo, na relação pedagógica. Terá que ser suficiente forte para conseguir penetrar na vida das nossas salas de aula, onde as mudanças custam a chegar.
Após décadas de mudanças legislativas e administrativas que alteraram o mundo escolar, muito permanece imutável dentro da sala de aula. Quando a porta se fecha após o toque da campainha, tudo pode ter mudado cá fora, mas muitas aulas decorrem de uma forma que facilmente reconheceríamos. 
Poder-se-á dizer que uma lei não faz a prática e que a inclusão não se decreta, mas isso não retira a necessidade imperiosa da lei dar um claro sinal na marcação do rumo, até porque cada vez mais os exemplos emanados da prática mostram que muitos já vão mais à frente a mostrar o caminho. A escola pública de residência deve ser o local de todas as crianças e jovens na sua actividade educativa, existindo hoje exemplos do que se pode fazer, que importa conhecer.
Participação, socialização, cooperação, identidade, criação, experiências, contextos, igualdade de oportunidades e de acesso? constituem a matéria-prima da escola e seus professores. E nenhum outro tipo de objectivos programáticos ou supostos programas remediativos, podem substitui aquilo que é essencial na formação de todo o ser humano.
Confrontada definitivamente com a necessidade de mudar na sua anquilosada essência normalizadora, a escola deve contar com o contributo da educação especial, cuja ousadia e determinação no passado, podem continuar a mostrar novos caminhos para o futuro. Não para reproduzir formas de atendimento do exterior, mas para criar o seu próprio modelo educativo, oferecendo aquilo que possui e que é essencial e único.  
Subsistem ainda muitas razões e formas de exclusão escolar, havendo mesmo aqueles que continuam excluídos sob o pretexto de que é para ?seu próprio bem?. Não nos parece uma atitude que possa continuar a ser sancionada, pois carece de demonstração e, principalmente, de sustentação moral.
Aos pais, deveria ser perguntado que escola sonham para os seus filhos e nem seria necessário procurar mais longe.
Incluir todos sem excepção, tendo a turma e a escola regular como partida e chegada da educação em Portugal, deve ser um princípio e um desafio ao qual não nos devemos furtar. Não apenas porque existem sinais de que estamos perante uma resposta contra a exclusão, mas porque se trata de um valor moral e ético, que, por ser universal, não deve contemplar excepções.
Não estamos em tempo de questionar aquilo que é evidente, sendo já altura de cumprir inequivocamente os compromissos a que nos propusemos quando subscrevemos as mais importantes políticas internacionais sobre a matéria.
A escola é uma instituição que pode subverter os ciclos de conformismo e clonagem social dos desfavorecidos. É para muitos jovens a sua grande oportunidade. Como poderoso instrumento de inclusão e de construção de uma sociedade mais justa, não deve deixar ninguém de fora e deve saber transformar-se para tal. Por isso a educação inclusiva não pode continuar a ser um pedaço de papel assinado por 92 países há dez anos e depois esquecido por baixo de folhas de balancete.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 142
Ano 14, Fevereiro 2005

Autoria:

Jorge Humberto Nogueira
Mestre em Educação Especial
Jorge Humberto Nogueira
Mestre em Educação Especial

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