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A reorganização do centro para a recentralização (IV)

AUTONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO

Não é possível? decretar retoricamente a autonomia das escolas, promover alterações nas designações e composições dos órgãos de gestão e na estrutura organizacional, instituir a possibilidade da assinatura de «contratos de autonomia» de 1ª e de 2ª fases e, em simultâneo, manter inalterada a tradicional política centralista e a mesma estrutura orgânica do Ministério.

A aprovação, em 1998, do ?Regime de autonomia, administração e gestão? das escolas (Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio), após a apresentação de um estudo sobre o reforço da autonomia das escolas conduzido por João Barroso sob encomenda do Governo do Partido Socialista (PS), ocorreu, contraditoriamente, num contexto normativo marcado pela lei orgânica do Ministério da Educação de 1993. Uma lei que, partindo de pressupostos gerencialistas e modernizadores, recentralizou o poder através de mecanismos de desconcentração (direcções regionais e coordenações de área educativa).
Não surpreende portanto que, a vários títulos, as conclusões do estudo de avaliação posteriormente dirigido por João Barroso esteja, em termos críticos, para o Decreto-Lei nº 115-A/98 como o relatório do Conselho de Acompanhamento e Avaliação esteve para o Decreto-Lei nº 172/91. Não é possível, como se concluiu em ambos os casos, decretar retoricamente a autonomia das escolas, promover alterações nas designações e composições dos órgãos de gestão e na estrutura organizacional, instituir a possibilidade da assinatura de ?contratos de autonomia? de 1ª e de 2ª fases e, em simultâneo, manter inalterada a tradicional política centralista e a mesma estrutura orgânica do Ministério. Se a política não muda, o aparelho centralizado da administração escolar permanece, ainda que possa registar alterações de morfologia.
Como se sabe, não foi assinado um único contrato de autonomia, embora tal facto não tivesse impedido os sucessivos governos de recorrerem cada vez mais a esta categoria nos seus discursos, tomando-a já como uma aquisição certa e consensual.
Porém, esta situação, que de um ponto de vista jurídico-formal tenho caracterizado como de grau zero da autonomia contratualizada, não foi exclusiva da lei orgânica de 1993, a qual vigorou até 2002. A nova orgânica aprovada pelo XV Governo Constitucional presidido por Durão Barroso (Decreto-Lei nº 208/2002, de 17 de Outubro), embora considere a orgânica anterior ?inadequada?, assumindo-se em contraponto como um ?instrumento de racionalização de recursos? capaz de ?modernizar a administração educativa?, apenas realiza um princípio de conveniência e disciplina discursivas ao repetir que as escolas são ?titulares de uma crescente e desejável autonomia?; tópico que, ao ser invocado, não acarreta consequências de maior na política e na administração plasmadas neste documento, apesar de nele se afirmar que a nova orgânica ?pressupõe o desenvolvimento da autonomia das escolas?.
Ao invés, o diploma apresenta uma estrutura reconcentrada, criando novas direcções-gerais e, sobretudo, extinguindo todos os institutos públicos dotados de autonomia: Instituto de Inovação Educacional, Instituto Histórico da Educação, Instituto Nacional de Acreditação da Formação de Professores e Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos. É criado ainda o Conselho Coordenador da Administração Educativa e, no seu seio, três outros conselhos: Conselho de Directores Regionais  de Educação, Conselho de Avaliação de Recursos e Conselho da Acção Social Escolar.
Aos órgãos e serviços centrais da administração directa cabem as funções de gestão de recursos humanos e de concepção, planeamento, regulação, avaliação e inspecção, deixando bem clara a separação entre concepção e execução, centro e periferia, superiores e subordinados. As direcções regionais de educação, cujas orgânicas foram definidas através de decretos regulamentares publicados em 2004, devem garantir ?a fidedignidade da execução das políticas educativas elaboradas com o apoio dos serviços centrais?, assumindo um papel de ?intermediação? e sendo definidas, ilusoriamente, como ?serviços executivos periféricos? quando, pelo contrário, são verdadeiras instâncias pericentrais, representando o centro junto às verdadeiras periferias ? as escolas, a quem cabe apenas a execução local e institucional das políticas do centro. Esta lógica hierárquica e extensionista é claramente assumida, reconceptualizando a expressão (sempre ambígua entre nós) de ?territorialização da política educativa? e associando-a não a uma descentralização de poderes mas antes a uma eficaz disseminação e fiel realização das directivas centrais por todos os territórios.
Será, como veremos, no âmbito regional e local que se completará a lógica centralista e de controlo, agora servida por dois elementos relevantes: um de legitimação, invocando a autonomia da escola e a territorialização, e outro de eficácia, apostando na padronização da informação e numa espécie de taylorismo informático on-line que almeja o controlo automático das escolas.

Nota da redacção:
No número anterior, nesta mesma rúbrica, Lugares da Educação, o título do texto do nosso colaborador Almerindo Janela Afonso saíu errado. O título correcto é: «A Cidadania dos Quatis» e não dos «Quantis» como erradamente se publicou. Ao autor e aos nossos leitores o nosso pedido de desculpa.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho
Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho

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