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?A escola é discriminadora?

EDUCAÇÃO MULTICULTURAL

Um estudo conduzido por uma professora auxiliar do departamento de Ciências da Educação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa mostra que alguns professores têm ainda uma imagem estereotipada dos alunos provenientes de grupos étnicos minoritários. Maria do Carmo Vieira da Silva, autora de ?Discriminatio subtilis: estudo de três classes multiculturais?, conta em entrevista à PÁGINA as razões que a levaram a realizar este trabalho e revela algumas das conclusões surpreendentes a que chegou.

Qual o motivo que a levou a conduzir este trabalho?

Esta investigação ? que na prática é composta por um conjunto de sete estudos ? faz parte da minha tese de doutoramento e surge como continuidade do trabalho que desenvolvi para a tese de mestrado, na qual tinha feito uma análise das necessidades educativas de crianças pertencentes a minorias étnicas e desfavorecidas do bairro da Bela Vista, em Setúbal.
Ao longo da minha vida profissional trabalhei muito de perto com a formação de professores do 1º ciclo ? um nível de ensino que sempre considerei fundamental para a formação dos alunos - e quis, de alguma maneira, manter essa abordagem através desta investigação.

Qual foi o objecto de estudo e a metodologia utilizada?

Ela foi centrada em três classes multiculturais, que eu acompanhei do segundo ao quarto ano de escolaridade, na qual procurei, em contexto de sala de aula, saber que imagem tinham os professores dos alunos pertencentes a minorias étnicas ? foram estudados dois grandes grupos de alunos, africanos (na sua maioria cabo-verdianos) e ciganos ?, que aceitação tinham os alunos dos professores, que aceitação tinham os alunos entre si, como se processava a comunicação com os alunos dos diferentes grupos e, finalmente, que representação faziam da sala de aula.
Os professores consideravam que os alunos das minorias étnicas tinham dificuldades de aprendizagem, insucesso e falta de domínio da língua portuguesa. Ora, embora não dominassem a língua portuguesa, ou a dominassem mal, a finalidade do 1º ciclo é exactamente trabalhar a língua. Portanto, havia qualquer coisa de errado e eu quis saber as razões que ajudavam a compreender esse insucesso escolar.

A que conclusões chegou?

Cheguei à conclusão que os professores funcionam em sala de aula encarando os alunos como se eles fossem todos iguais e de uma forma estereotipada: o do aluno branco, pontual, inteligente, cumpridor, que tem o apoio da família, que é limpo ? por mais estranho que isto pareça ?, enfim, uma série de características que obedecem à imagem do seu grupo de pertença, que é o da maioria. Adjectivos como inteligente, criativo, crítico, perspicaz, entre outros, nunca são referenciados para alunos negros nem ciganos.
Esta atitude leva a questionar a formação de professores e as expectativas que eles transmitem aos alunos, que, neste caso, são extremamente penalizadoras para os cabo-verdianos e ciganos, pondo igualmente em causa o conceito de ?bom aluno?, sobretudo num momento em que a escola tem uma grande diversidade de origens.

Referiu na sua comunicação [proferida no IV Encontro Internacional do Fórum Paulo Freire ?Caminhando para uma Cidadania Multicultural?, que decorreu em Setembro na cidade do Porto] que este estudo teve, de algum modo, resultados imprevistos. Em que medida?

Imprevistos na medida em que os professores que participaram neste estudo controlam muito a negatividade em relação aos alunos cabo-verdianos, angolanos e ciganos ? curiosamente em menor grau em relação a estes últimos, afirmando abertamente que eles não são pontuais, que estão desatentos, etc? ? e, de uma forma geral, atribuem muitos menos adjectivos positivos do que seria de esperar. Pelo contrário, atribuem mais adjectivos positivos aos alunos brancos em relação à minha expectativa, controlam a sua negatividade e valorizando altamente a sua positividade.

Formação de professores deveria apostar mais na multiculturalidade

Um dos estudos incluídos nesta investigação foi conduzido junto de um grupo de alunos da formação inicial de professores. Porque razão decidiu inclui-lo?

Já que em função destes resultados achei que seria importante saber se existiria um estereótipo social que, de alguma maneira, pudesse estar associado a esta imagem que os professores têm dos seus alunos. Nesse sentido, decidi auscultar um grupo de cinquenta alunos da formação inicial de professores da área das ciências da educação, e verifiquei, de forma dramática, que chegam a ser mais penalizadores do que os elementos dos outros dois grupos que faziam também parte da amostra: 50 professores do 1º ciclo e 50 elementos da sociedade civil, escolhidos aleatoriamente.

Encontra alguma razão para esse facto?

Não posso apontar motivos porque não foi esse o meu objecto de estudo. De qualquer forma, foi uma surpresa constatar que alunos que se dirigem ao ensino e que, à partida, terão uma sensibilidade maior para estas problemáticas, terem estereótipos sociais negativos tão fortes em relação aos seus futuros alunos.

De que forma é possível inverter estes estereótipos na sociedade quando, como é este o caso, são os próprios educadores a construir essas representações sociais?

Eu penso que é muito importante apostar-se fortemente numa formação inicial de professores que inclua uma abordagem das questões da multiculturalidade. Não são questões de moda, como já tenho ouvido dizer, são questões fundamentais que passam por estratégias de questionamento pessoal, incluindo o professor que oriente uma cadeira com estas características, e por todo um trabalho que leve à reflexão e à discussão entre os próprios alunos.

Não considera estranho que a escola, que à partida deveria ser um lugar de debate, se mantenha fechada em relação a estas e outras questões consideradas incómodas?

Penso que a questão do diálogo na escola levar-nos-ia a outras questões extremamente pertinentes que, no entanto, talvez não tenham lugar no âmbito desta entrevista. Mas julgo que essa atitude se relacionará essencialmente com dois factores. Em primeiro lugar, com a inexistência de um espaço onde possam reunir informalmente e falar com privacidade ? a sala de professores é, na minha opinião, um espaço demasiado aberto e impessoal para que se possa estabelecer esse diálogo.
Por outro lado, penso que também se deverá, de certa forma, à imagem que qualquer professor gosta que os outros tenham de si, em especial os seus pares. Ou seja, é uma questão que passa igualmente pela auto-estima. Os professores não gostam que se saiba que eles têm problemas, dificuldades, e muitas vezes retraem-se e colocam as questões na terceira pessoa de forma a sentirem-se protegidos.


De que forma espera que o seu trabalho contribua para a compreensão desta problemática?

Em primeiro lugar espero que sirva para percebermos que a escola discrimina. E é preciso não esquecermos que a imagem da escola é dada por quem lá trabalha e sobretudo pelos seus professores. Claro que todos nós, de alguma maneira, discriminamos, mas é importante termos consciência disso, porque ao fazê-lo podemos alterar atitudes e comportamentos discriminatórios.
O outro elemento que me parece importante analisar a partir destes resultados é que em contexto de sala de aula nem todos os alunos são iguais, ou seja, a escola tem diferentes sentidos para quem a utiliza. Crianças que estão mais ligadas ao espaço exterior, por exemplo, têm maiores dificuldades em permanecer concentradas na sala de aula em relação a outras, levando a questionar se os próprios tempos lectivos não devam ser repensados.
Por outro lado, penso que a formação de professores deverá ser reformulada e ter em conta que já não podemos funcionar com base num modelo único de aluno e que eles têm de encontrar nas nossas salas de aula respostas adequadas para desenvolver as suas potencialidades e só assim se assumirem como cidadãos plenos.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 138
Ano 13, Outubro 2004

Autoria:

Maria do Carmo Vieira da Silva

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Maria do Carmo Vieira da Silva

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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