Página  >  Edições  >  N.º 126  >  O modelo da carreira docente português deveria servir como referência para Espanha

O modelo da carreira docente português deveria servir como referência para Espanha

O entrevistado do número duplo de Agosto/Setembro é Xosé Manuel Barreiro Villanueva, coordenador do departamento de Formação da Federação do Ensino do Sindicato Nacional das Comissiones Obreras (CC.OO.) da Galiza. Professor do ensino primário, licenciou-se em psicologia pela Universidade de Santiago e em Ciências da Educação, especialidade de orientação e educação especial pela mesma universidade. Durante dez anos esteve na direcção de escolas públicas e foi destacado, durante seis anos, para o Colégio Miguel de Cervantes, de São Paulo, no Brasil, no âmbito de um programa de ensino no exterior desenvolvido pelo ministério da educação espanhol.
Nesta entrevista, realizada no âmbito da visita que A PÁGINA realizou à Galiza no início deste ano, abordou-se no essencial o tema da formação de professores e carreira docente na vizinha Espanha, que, ao que foi possível apurar, possui diferenças bastante significativas em relação ao nosso país.

Como está estruturado o processo de formação inicial dos professores em Espanha? Existe alguma especificidade para a Galiza?

O sistema de formação de professores na Galiza é igual ao das restantes comunidades autónomas. Em Espanha só existe um plano de formação específico para os professores do pré-primário e primário com as suas respectivas especialidades: infantil, primário, língua estrangeira, educação física, pedagogia terapêutica e audição e linguagem.
Para os restantes professores não há um plano diferenciado de formação. Os licenciados com diploma universitário e, em alguns casos, os diplomados em algumas especialidades, podem optar pela profissão docente realizando um curso de capacitação pedagógica. Os planos de estudos de formação de professores do pré-primário e primário são de nível universitário e têm uma duração de três anos, incluindo um período prático.
Os professores do ensino secundário, do bacharelato e do ensino especial (idiomas, artes cénicas, dança e música) devem ter o grau de licenciatura, e só em determinadas áreas curriculares é suficiente o diploma ou o título académico equivalente - que em Portugal julgo ser o bacharelato.

Qual é a posição das Comissiones Obreras (CC.OO.) sobre este plano de formação?

A CC.OO. mantém uma posição muito crítica sobre este modelo de formação inicial e tem vindo a reclamar que todos os professores devam possuir um título académico universitário superior - a licenciatura - incrementado a formação disciplinar dos educadores de infância e dos professores do ensino primário e a formação psico-pedagógica e didáctica dos professores dos restantes níveis de ensino.

Como acedem os professores à profissão docente? Através do ensino superior, como acontece em Portugal?

No acesso à profissão deverá distinguir-se dois âmbitos: o privado e o público.
Nos estabelecimentos de ensino privado o acesso é feito mediante a respectiva oferta de emprego e contrato laboral, regulado através do convénio em vigor para o ensino particular, sendo necessário possuir o título académico requerido para o respectivo nível e especialidade. Como já atrás referi, para aceder a um lugar de educador de infância e de professor primário há que contar com o título académico específico de mestre, equivalente a três anos de ensino universitário. Para outros, como os professores técnicos de formação profissional, o requisito mínimo passa pela frequência universitária por um período mínimo de 3 anos, e para os restantes é necessária a licenciatura.
Para ingressar no ensino público como funcionário de carreira a única via é actualmente o "concurso-oposición". Quando existem vagas a concurso, as administrações educativas realizam um concurso público, para o qual são nomeados "tribunais" (grupos de examinadores) por especialidades, em geral formados por cinco membros do mesmo nível ou superior aos dos lugares a concurso, encarregados de avaliar o mérito dos candidatos (fase de concurso), avaliar as distintas provas do processo (fase de "oposición") e, numa fase final, propor os elementos seleccionados. O número de candidatos propostos nunca pode superar o número de lugares a concurso. Os candidatos seleccionados passam então por um curso prático e após a sua conclusão podem ser nomeados funcionários de carreira.
Quando a administração educativa não dispõe de professores em número suficiente para atender às necessidades do sistema recorre à contratação de professores a nível interno. O sistema de contratação destes professores, em princípio com carácter temporal, difere consoante as diferentes regiões autónomas.
Na Galiza, a CC.OO. e outros sindicatos chegaram a um acordo com a administração educativa que consideramos benéfico para a classe. Apesar disso, reivindicamos a substituição do actual sistema de acesso - o qual praticamente só tem em linha de conta os conhecimentos teóricos -, por outro que avalie de forma mais equilibrada a teoria e a prática docente.

Como é processada a progressão na carreira docente? Através de um esquema de escalões, como acontece em Portugal?

Em Espanha não se pode falar de uma carreira docente com a mesma estrutura da que existe em Portugal. Aqui os professores enquadram-se em dois dos cinco grupos que compõem a função pública: no grupo A - o mais alto da administração - para o qual se exige o grau de licenciatura, e no grupo B - o segundo nível ? para o qual é necessário ter um diploma ou um título académico equivalente.
Pode aceder-se ao grupo B ou A estando na posse de uma licenciatura e após um período mínimo de trabalho no grupo de origem através de um sistema de "concurso-oposición" mais restrito, com um menor número de provas relativamente ao "concurso-oposición" geral. Do total de lugares a concurso reserva-se uma percentagem próxima dos 50% para esta promoção, e no caso de a oferta não ficar completa com professores do grupo B o concurso passa a ser feito nos moldes do modelo geral. Dentro do grupo A existem dois graus, sendo o mais alto o de catedrático.
As diferenças retributivas entre os dois grupos não são significativas, sendo determinadas em função do tempo de serviço ou dos complementos económicos ligados ao desempenho de determinados cargos, como a direcção de estabelecimentos de ensino.
Vários governos apresentaram já propostas de projectos de carreira docente mas nenhum chegou a ser discutido seriamente e nunca se levou à prática nenhuma reforma séria neste sentido.

Não lhe parece, então, o modelo mais adequado...

Na CC.OO. consideramos interessante o modelo da carreira docente existente em Portugal. É um modelo que deveria servir como referência e ponto de partida para a discussão de um modelo a aplicar no Estado espanhol, que teria como base a licenciatura.
Parece-nos um absurdo que um professor com clara vocação para desempenhar a sua profissão como educador de infância ou professor primário tenha de aceder a outro nível de ensino para progredir a nível profissional e económico.

E no que respeita à formação contínua de professores, qual é o modelo em vigor?

A formação contínua de professores em Espanha é considerada como um direito e como um dever para os professores em exercício, cabendo às administrações educativas proporcionar essa formação nos âmbitos científico, didáctico e profissional.

Quem tem a iniciativa da formação: o governo central, o governo autonómico, os sindicatos?

Os governos autónomos têm plena competência nesta matéria e, ainda que com algumas diferenças, os órgãos responsáveis pela formação são muito semelhantes em todas as administrações educativas. No caso concreto da Galiza, a ?Consellería de Educación? tem um serviço de formação de professores adstrito à Direcção Geral de Formação Profissional e Ensino Especial.
Basicamente, existem duas estruturas formativas: os serviços centrais, integrados na própria Consellería e compostos por acessores especializados em cada área curricular, que organizam directamente as actividades de formação e fornecem acessoria às equipas periféricas; Existem também serviços descentralizados, formados por uma rede de centros de formação e recursos (CEFOREs) - cujos directores são nomeados pela administração educativa - distribuídos por todo o território galego. No total há um total de sete centros com dezanove secções.
Cada um destes centros tem uma área geográfica de influência e a oferta formativa é destinada a todas os estabelecimentos de ensino não universitário dessa área. Os acessores de formação têm um carácter generalista - à excepção dos de novas tecnologias, com formação específica -, e são seleccionados de entre professores dos diferentes níveis de ensino não universitário mediante um concurso de mérito. Os sindicatos estão presentes na comissão de selecção na qualidade de observadores. Os formadores podem permanecer nesta função até seis anos consecutivos, tendo, após este período, de regressar ao seu cargo inicial, podendo voltar a concorrer após um período de dois anos.
Dentro das diferentes modalidades formativas, os cursos e as jornadas de formação são as mais comuns. A formação nas escolas, os seminários e os grupos de trabalho são, na minha opinião, as mais interessantes, sendo aquelas que a administração educativa deverá continuar a potenciar, já que dão resposta aos interesses reais das escolas e dos grupos de professores, devendo ter uma repercussão importante na dinâmica das escolas e na práctica docente, estimulando o trabalho em equipa e a investigação permanente dos professores sobre a sua própria prática.

Quais são as áreas de formação mais procuradas?

A procura das actividades formativas é bastante ampla, ainda que, ultimamente, a área de novas tecnologias da comunicação e da informação seja a mais requisitada.

Que participação têm os professores e os sindicatos na oferta de formação?

Os sindicatos têm um papel muito importante na formação dos professores das escolas particulares, onde a administração educativa praticamente não actua, partilhando com a identidade patronal a oferta de formação, no âmbito dos III Acordos Nacionais de Formação Contínua. No sector público o nosso papel não é tão relevante, ainda que o número de actividades que realizamos seja significativo.
Além dos cursos sobre novas tecnologias programamos igualmente actividades vocacionadas para questões como o modelo participativo de gestão, a igualdade de género, o interculturalismo, o ensino no exterior, etc? Em geral, são áreas nas quais consideramos que a formação oferecida pela administração educativa é insuficiente ou com cujo enfoque não concordamos. Há ainda outras organizações e instituições que realizam actividades de formação contínua de professores como os movimentos de renovação pedagógica, as associações de professores, as autarquias e as universidades.
Uma questão importante a ressaltar no modelo de formação contínua em Espanha é o facto de, na maioria das comunidades autónomas, a formação estar ligada a uma retribuição monetária; assim, se em cada seis anos o professor for acreditado com um mínimo de cem horas de formação recebe um complemento económico.

Considera a oferta formativa adequada às necessidades profissionais, culturais e políticas dos professores? Será que eles próprios não deveriam ter uma maior participação no desenho da formação?

Na opinião da CC.OO. deveria avançar-se no processo de participação dos professores, através dos seus legítimos representantes, na concepção, planificação e avaliação dos planos de formação da administração educativa - a todos os títulos insuficiente, para não dizer inexistente. Esta participação deveria estender-se à própria avaliação das estruturas de formação da administração educativa galega e à sua repercussão no ensino, nos estabelecimentos de ensino e na prática docente.
Outra das questões que nos preocupa é a grande descoordenação que existe hoje entre o Ministério da Educação e as Consellerías de Educación dos governos autónomos no que respeita à paridade legislativa, homologação de actividades formativas e à participação dos professores na área da formação contínua.
Na CC.OO. propomos que seja criado um Conselho Geral da Formação Contínua dos Professsores, que inclua elementos do ministério, dos governos autónomos e dos representantes dos professores de forma a trazer alguma coerência a este domínio.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Xosé Manuel Barreiro Villanueva
Coordenador do Departamento de Formação da CC.OO da Galiza, Professor do Ensino Primário
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Xosé Manuel Barreiro Villanueva
Coordenador do Departamento de Formação da CC.OO da Galiza, Professor do Ensino Primário
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo