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"Desassossegando Espíritos Quietos" (fim)

DOS AGRUPAMENTOS À GESTÃO FLEXÍVEL DOS CURRÍCULOS

Que ligação há entre certo Alberto João,
a teoria do caos, a pós-modernidade e a angústia docente?

 

Partindo do pressuposto que os alunos servem sempre à escola, pois o contrário seria um evidente contra-senso, e tendo por base o resultado da avaliação dos alunos, resulta claro que a escola não serve os alunos. Há pois que repensar de alto a baixo o tipo de escola uniforme e uniformizante que ainda hoje pulula por este Portugal. Urge discutir o que queremos da escola pública, de forma a mais cedo ou mais tarde não termos de a em vias de extinção.
A sociedade pós-moderna em que vivemos e sua organização caótica (da teoria do caos...), não se compadece com escolas uniformes de norte a sul e do litoral ao interior, nem com micro-organizações de cariz pré-histórico, como são as miniaturais escolas do 1º CEB e que fazem do parque escolar deste sector um arquipélago se salas de aula, à mercê de qualquer Alberto João.
O sistema de ensino português é caracterizado por aquilo a que poderemos chamar de sequencialidade regressiva, uma vez que cada ciclo existe em função do seguinte e não o inverso. O nosso sistema educativo está estruturado tendo por base o acesso ao Ensino Superior e não a Educação Pré-Escolar, como seria lógico...
Para tentar obviar a estes problemas, o Ministério da Educação encontrou um autêntico Ovo de Colombo, que se revelaria terem um alcance mais profundo do que à partida se poderia supor: inventou os agrupamentos de escolas... Com esta nova via, surgiu na política educativa um novo conceito: a territorialização. Com este, para lá da sequencialidade, pretende-se ultrapassar o isolamento que vem de antanho e a implementação de dinâmicas locais ao nível da política educativa.
É para nós evidente que os agrupamentos verticais são os que dão total amplitude à sequencialidade, à territorialização e à noção de Educação Básica. Partir ao meio a Educação Básica é amputar estes novos conceitos da sua dimensão mais plena. Os agrupamentos horizontais, não sendo destituídos de sentido em casos esporádicos, contribuirão para manter a indigência, os vícios e uma cultura tão particular que caracterizam a Educação Pré-Escolar e o 1º CEB, no fundo a dita identidade que alguns teóricos defendem acerrimamente.
A efectiva articulação entre a Educação Básica, que se consegue através dos agrupamentos verticais, optimiza os recursos existentes, permite a sua gestão integrada e assegura uma maior viabilidade financeira. É evidente que novos constrangimentos surgirão e que não serão ultrapassados por passes de mágica, mas se a acção dos professores se nortear pelo sucesso dos alunos, é evidente que uma nova identidade profissional surgirá, contra os teóricos que por aí pululam. Esta nova identidade, a que este modelo há-de dar origem, levará as escolas a actuarem, em vez de agirem em conformidade.
Do conceito de território educativo à gestão flexível do currículo houve uma evolução natural. Nada mais lógico do que o currículo dar resposta às necessidades das crianças e jovens de uma determinada zona: de um território. Porque razão se há-de comer por igual todas as disciplinas em todo o país? A discussão que se tem vindo a travar em Portugal ao redor desta questão nasceu enviesada e dificilmente se corrigirá. De facto, o Ministério da Educação, através de um documento de reflexão pôs os professores a discutir em torno de distribuições horárias de disciplinas ou grupos disciplinares e não em torno da gestão flexível dos currículos enquanto tal. Para além do mais, esta nova forma de encarar a Escola implica um olhar diferente por parte da Administração, olhando-a como um investimento no futuro e não como mais uma despesa em que urge poupar... A existência de projectos amplamente consolidados em Projectos Educativos firmes, não se compadece com uma escola barata, mas sim encarando-a como um projecto de toda a sociedade.
No entanto, não se pense que a gestão flexível do currículo é o ponto de chegada do conceito de território educativo. Muito pelo contrário: a evolução seguinte pode ser ainda mais complexa e angustiante para os professores, se bem que pensar nela seja pura ficção científica: a Escola como Centro Local de Educação de Base. Ou seja, a Escola para além da Escola.


FORMAÇÃO CONTÍNUA: COM CRÉDITO

Com "créditos" toda a formação é no condicional

A inovação e o progresso contínuo que as medidas já enunciadas podem trazer não se conseguirão sem o correspondente esforço de qualificação dos seus agentes e, em particular, dos professores que servem (ou hão-de servir) o sistema. Impõe-se pois que os sistemas e programas de formação de professores se concebam e organizem no sentido de contribuir significativamente para a melhoria da profissionalidade docente. Nesta base, as formações inicial e contínua não são mais do que duas faces da mesma moeda, pelo que não devem ser dissociadas uma da outra, mas caminhar lado a lado, visionando o aperfeiçoamento da atitude profissional de todos e de cada um, em ordem à melhoria da qualidade da educação.
Com as vertentes que temos vindo a abordar ao longo destas páginas, exigem-se profundas mudanças nas práticas e representações na escola. A formação contínua, no abstracto, é uma medida com elevada potencialidade no sentido das mudanças previstas, e praticamente insubstituível. No entanto, a mudança de processos não passa apenas pela aquisição de informação sobre novos ou velhos modelos pedagógicos, mas sobretudo pela vivência de outras práticas e relações sociais de aprendizagens.
Antes de darmos um passo em frente na reflexão sobre o tipo de formação contínua que temos, há que discutir de forma aprofundada a exigência social que é posta à formação. Enquanto a exigência for no sentido de os professores coleccionarem créditos para progredirem na carreira, o modelo vigente é adequado. Quando a exigência social se virar para os alunos e passar a ser a melhoria do processo ensino / aprendizagem, então vai ser necessário repensar de alto a baixo todo o edifício da formação contínua, de forma a contextualizá-lo em relação aos problemas e locais de trabalho onde a formação pode produzir efeitos.
Dito de outra forma, hoje a formação contínua surge como mais um processo burocrático-administrativo imposto pelo sistema e não como uma perspectiva pessoal de transformação de práticas. Para que essa transformação se concretize, a oferta de formação dos Centros de Formação de Associação de escolas tem que ser pertinente em relação à singularidade dos destinatários e dos contextos, o que implica um fabrico por medida que faz apelo a uma lógica de projecto.
A construção desse projecto, centrando a formação na escola e não nos professores, pressupõe a construção de uma visão comum aos membros de uma organização. Exige negociação, compromisso e participação alargada. Não é compatível com decisões impostas de forma autoritária, nem com a acção de um só indivíduo. Num certo sentido, o projecto é um processo de construção de consensos (Barroso, 1992).
A construção desse projecto implica o reforço da autonomia dos estabelecimentos de educação e ensino, materializada na construção participada do seu próprio projecto de intervenção educativa e na integração dos respectivos territórios educativos, já atrás referidos. Por outro lado, implica uma formação mais vasta de todos os agentes educativos. A articulação destes dois vectores vai implicar uma valorização das práticas pedagógicas de todos os agentes nos respectivos estabelecimentos de ensino e a garantia de condições de acesso a uma formação de qualidade, através de modalidades de formação centradas no contexto de trabalho, que possam dar o devido relevo a uma formação centrada na escola e nos projectos aí desenvolvidos.
A formação contínua deveria inserir-se numa muito mais vasta e alargada corrente de formação profissional dos docentes, onde se revestiria do maior interesse para a qualidade da educação e seria imprescindível para um maior sucesso dos alunos.


CONCLUSÃO

(Se é que alguma coisa se pode concluir...)

Após estas reflexões mais ou menos avulsas sobre a Escola, urge apontar algumas metas para o futuro. Algumas linhas estruturantes de uma escola que ser quer substancialmente diferente da que temos. De facto, a escola portuguesa da actualidade, apesar das sucessivas tentativas de reestruturação do sistema educativo, é ainda uma escola predominantemente escolástica e académica, com métodos de ensino e avaliação tradicionais, ultra-dependente do poder central, com fronteiras rígidas perante o seu contexto, mantendo a sua imagem de serviço local de Estado.
Esta não é a escola que satisfaz as necessidades da sociedade e que permita o profissionalismo docente por que tanto ansiamos.
- A modernização do nosso sistema educativo deve contemplar uma concepção de escola diferente, tanto nas suas vertentes administrativa-organizacional como na pedagógico-curricular.:
- as escolas devem ser transformadas em espaços agradáveis (tão simples quanto isto...), de forma a assegurar o seu funcionamento harmonioso, tendo em consideração valências educativas importantes que estão para além das que se desenvolvem no interior das salas de aula bafientas, do horário tradicionalmente considerando e padronizado nacionalmente, devendo toda a escola funcionar num único, e alargado, horário;
- as escolas devem ser organizações que alarguem fronteiras sociais e mesmo institucionais e favoreçam a ligação à comunidade, abrindo-se à participação de outros intervenientes no processo educativo, a outros saberes e a novos interesses sociais e locais;
- às escolas deve ser possível formular Projectos Educativos coerentes, com propostas que explicitem princípios e valores fundamentais, métodos e estratégias educativas que interpretem e contemplem as preocupações manifestadas pela comunidade;
- a gestão e administração das escolas deve contemplar primordial e essencialmente aspectos pedagógicos, permitindo a articulação do currículo nacional com os contextos locais, interagindo com a comunidade. Para além disso, devem ser encontradas novas formas de organização de equipas de trabalho, de discussão e reflexão, favorável ao enriquecimento do processo organizativo, pela troca de saberes, experiências e formação dos docentes;
- As escolas têm que assumir os alunos como sujeitos das suas próprias aprendizagens, atenta aos saberes informais, proporcionadores de activas e significativas aprendizagens, estimulando o desenvolvimento global e a criação de valores fundamentais, que realize expressivas práticas educativas.
Há, pois, que repensar a escola e romper pontualmente com ideias e tradições consolidadas ao longo de séculos.
Teremos nós encontrado a Escola para além da Escola? Responda quem souber...

Elisa Miranda, Teresa Matos, Carlos Coelho e José Faria
Braga

 

BIBLIOGRAFIA

  • Alarcão, Isabel (1990) - Formação Reflexiva de Professores, Porto Editora.
  • Correia, José Alberto (1989) - Inovação Pedagógica e Formação de Professores, Edições ASA.
  • Diogo, F. e Vilar, A. M. (1998) - Gestão Flexível do Currículo, 1ª edição, Edições ASA, Porto.
  • Hobsbawm, Eric (1996) - A Era dos Extremos, 1ª edição, Editorial Presença, Lisboa.
  • Lobrot, Michel (1992) - Para que Serve a Escola?, Terramar, Lisboa.
  • Mónica, Maria Filomena (1978) - Educação e Sociedade no Portugal de Salazar (A Escola Primária Salazarista 1926 - 1937), Editorial Presença, Lisboa.
  • Ribeiro, António Carrilho (1993) - Formar Professores, 4ª edição, Educação Hoje, Texto Editora.
  • Santos, Boaventura Sousa (1994) - Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-Modernidade, Edições Afrontamento, Lisboa.
  • Torrão, António Preto (1993) - Escola Básica Integrada. Modalidades Organizacionais para a Escola Básica de Nove Anos, Porto Editora, Porto.
  • Vaneigem, Raoul (1995) - Aviso aos Alunos do Básico e Secundário, Antígona, Lisboa.
  • Zabalza, Miguel (1997) - Planificação e Desenvolvimento Curricular na Escola, 3ª edição, Edições ASA, Porto.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 81
Ano 8, Junho 1999

Autoria:

Carlos Coelho
Professor, Braga
Elisa Miranda
Professora, Braga
Carlos Coelho
Professor, Braga
Elisa Miranda
Professora, Braga

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