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A Página entrevista Mestre Tran- Huu- Ha, da Associação Portuguesa de Viet-Vo-Dao

Um movimento educativoem forma arte marcial

São 19 horas. As crianças envergam o 'vo-phuc' negro (fato de treino). Durante cerca de uma hora irão desenvolver as suas aptidões físicas e intelectuais numa espécie de jogo-combate - diversão. Mesmo a acabar o treino, o jovem instrutor combate ao mesmo tempo contra eles todos, e acaba vencido, obviamente, numa espécie de compensação por uma hora de disciplina física e intelectual. O VIET - VO - DAO é mais do que uma arte de combate, dizem os Mestres, é um 'movimento educativo'. Pouco tempo depois, começa o treino dos adultos. Ali, num agradável espaço, bem na baixa do Porto, o silêncio é apenas entrecortado pelo arfar das respirações, e pela voz de comando do instrutor. O treino decorre entre adversários que se respeitam : 'é preciso saber fazer o ambiente'. No fim de tudo, o cansaço, mas, principalmente, a consciência do dever cumprido : SER FORTE PARA SER ÚTIL, é a divisa do VIET - VO - DAO. O inspirador de tudo isto, é Tran-Huu-Ha, vietnamita, residente em França e que há mais de trinta anos visita regularmente Portugal, primeiro como instrutor de karate, depois como fundador, no nosso país, do VIET - VO - DAO, a arte marcial do povo viet. As suas deslocações destinam-se essencialmente ao treino com os mais graduados, os cintos negros e os 'dang', responsáveis pela diversas secções da Associação Portuguesa de Viet-Vo-Dao, de que Mestre Tran é fundador e Director Técnico. Nos meados de Março, a secção do Marco de Canavezes promoveu mais um estágio, desta vez dirigido aos menos graduados. Foi uma oportunidade que aproveitamos para ouvir o Mestre.

Mestre Tran - Você disse-me que representa um jornal de educação. Para mim é fácil responder às suas questões, porque, primeiro, ensino na Universidade, em França, segundo, faço um trabalho de formador, de educação.

A Página - Na Universidade, ensina para toda a gente, ou para os praticantes de Artes Marciais?

M. Tran - Para os praticantes de Artes Marciais, a sua especificidade são as Artes Marciais. E como é que eu faço a tranferência dos meus conhecimentos para os meus alunos? O que eu penso ser o essencial. Porque há muitas coisas numa especificidade. Temos de saber quais são as prioridades, as opções prioritárias. É o que eu penso ser necessário para um conhecimento honesto. Segundo, quando as pessoas atingem o conhecimento, é necessário saber como vão projectá-lo na vida, porque a educação não é senão uma etapa para que as pessoas entrem em sua casa, assumam as suas responsabilidades na vida activa, na vida social, na sua vida familiar. Mas, entretanto, qual é o papel da educação? É dar muitos conhecimentos às pessoas, só que, o conhecimento não é ainda a felicidade, o equilíbrio. O conhecimento é, para mim, uma condição minimal. Mas fica por saber como é que o Homem deve desenvolver-se, deve desabrochar pela aprendizagem dos conhecimentos.

P. - É inegável que o mundo mudou muito nos últimos anos, principalmente no que respeita aos valores. Como vê um Mestre de Artes Marciais o mundo actual?

M .Tran - Nós estamos num mundo atormentado. Há problemas, há muitos problemas nascidos das dificuldades da vida, e do papel complicado do Homem. Eu penso, pois, que um educador deve interessar as pessoas pelo conhecimento, porque as pessoas tornaram-se indiferentes, não gostam de nada, não gostam de descobrir. É necessário interessá-las por coisas que não conheçam; é preciso dar-lhes um pouco de sonho, um pouco de curiosidade. Segundo, é preciso colocar as coisas de tal maneira , que os conhecimentos se tornem necessários; para isso há um trabalho de cooperação entre o professor e o praticante. Este trabalho é necessário.

P. - Mestre Tran, como realiza o seu trabalho? Tem um método?

M. Tran - Todos temos um método. Eu tenho uma certa maneira de funcionar. Por exemplo, quando venho a Portugal, tenho um tempo muito limitado para transmitir qualquer coisa. Tenho então de fazer opções, estabelecer prioridades. No caso do estágio que acabei de dirigir, para iniciados, perguntei-me: será que estas pessoas têm uma disciplina comum? Serão capazes de disciplinar o pensamento e o comportamento? Será que têm vontade de fazer o que vamos fazer? Será que têm vontade de se superarem para poderem progredir? São qualidades morais que eu exijo, não por prazer, mas porque são necessárias para se conseguir qualquer coisa. O Homem deve dominar estas qualidades morais, espirituais, intelectuais, para poder compreender e abastecer-se dos ingredientes necessários para poder construir uma osmose entre si mesmo e o mundo exterior, entre a sua especificidade, neste caso, as Artes Marciais, e o mundo exterior; a partir do domínio da sua especificidade deve interrogar-se: estou melhor, mais inteligente, mais responsável, capaz de tomar iniciativas, capaz de ajudar? O que vou fazer quando for para casa?

P. - Mestre Tran, tem tido, portanto, oportunidade de assistir à evolução das pessoas? Por exemplo, à evolução das crianças?

M. Tran - Já ensino há muitos anos. Devido aos acasos da vida, fui viver para França, lá casei, e lá tenho a minha vida e a minha família; mas venho muitas vezes a Portugal. E porquê? Primeiro, por causa da hospitalidade, segundo porque aqui há confiança no meu trabalho. Sem confiança não se pode fazer as coisas; é necessário responder, é necessário trazer as coisas que as pessoas desejam, ir de encontro aos seus valores. O meu problema consiste em transmitir fielmente, sem diminuir esses valores, sendo fiel à minha Arte.

P.- Mestre Tran, esta entrevista vai chegar a casa de milhares de professores. Tem uma última palavra para eles?

Mestre Tran - Não. Os professores são tão competentes quanto eu, na sua especificidade.Na minha, quando transmitimos qualquer coisa, damos origem a um nascimento, como a uma criança. Então, é uma satisfação, é o sonho. Segundo, os conhecimentos são como os sentimentos: quanto mais damos, mais recebemos. Portanto, nada há a perder. Mas, atenção, é necessário dar coisas controláveis, é necessário dar coisas controladas, é necessário respeitar as pessoas, é necessário ter autoridade, saber impôr-se sem oprimir as pessoas. Então, a transferência de conhecimentos realiza-se, a ambição está cumprida.

Entrevista conduzida por Guilhermino Monteiro

O que é o VIET-VO- DAO

Numa tradução literal, podemos dizer que o Viet-Vo-Dao é a Via Suprema da Arte Marcial do País Viet. Os seus praticantes (Vo-Sinh) vestem um fato negro ( Vo-Phuc) com uma faixa branca , onde são colocadas umas pequenas tiras azuis à medida que vão avançando nas graduações. Depois de atingirem o cinto negro, os 'dang' passam a utilizar uma faixa negra debruada a vermelho. O Viet-Vo-Dao remonta a cerca de 3000 anos a.c., mas só no século XIII da nossa era foram codificadas as técnicas até então conhecidas. O fundador, na actualidade, do movimento Viet-Vo-Dao foi o Mestre Nguyen Loc, falecido em 1963, em Saigão. Em l974, surge na Europa, de forma estruturada, e em Portugal, em l979. Actualmente, a Associação Portuguesa de Viet-Vo-Dao, tem várias secções espalhadas um pouco por todo o norte do país, incluindo uma secção na Universidade do Minho, sendo a Academia-Mãe em Espinho. Mestre Tran -Huu - Ha, actualmente 7º dang, foi o introdutor em Portugal desta Arte Marcial. Bem na baixa portuense, existem algumas secções, sendo uma delas, o CENTRO PORTUGUÊS DE ARTES MARCIAIS. Todos os dias, ao fim da tarde, para ali se deslocam dezenas de praticantes, entre crianças e adultos, devidamente enquadrados por um competente corpo técnico, dando forma a um ambiente genuino de são convívio e de cordialidade, entre o treino físico e a aprendizagem das técnicas. Porque, como diz Mestre Tran, 'praticar o Viet-Vo-Dao, implica inspirar-se no SABER FAZER e SABER VIVER ao mais alto nível. E um praticante de Viet-Vo-Dao que se preze deve também fazer inspirar nos outros a perfeição desse SABER FAZER e a elegância subtil do SABER VIVER'.


  
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Edição:

N.º 67
Ano 7, Abril 1998

Autoria:

Tran-Huu-Ha
Associação Portuguesa de Viet-Vo-Dao
Tran-Huu-Ha
Associação Portuguesa de Viet-Vo-Dao

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