Página  >  Edições  >  Edição N.º 200, série II  >  O terror dos símbolos olímpicos

O terror dos símbolos olímpicos

Os nossos queridos governantes, a fim de mostrarem serviço, continuam a legislar peças antipedagógicas, intimidatórias e da mais profunda inutilidade. Os símbolos olímpicos protegem-se pela educação e pela cultura, e não pela repressão.

Ao pretender “explicitar e atualizar” a utilização dos símbolos olímpicos, o Decreto-Lei nº 155/2012, de 18 de julho, remete o infeliz do cidadão, sem dó nem piedade, para um emaranhado de características maquiavélicas composto por um arsenal de dez peças jurídicas que só serve para confundir aqueles que se aventurarem na sua leitura.
Contudo, não é por isso que não devem ser respeitados os símbolos olímpicos, devendo até a cultura desportiva do país ser, a esse respeito, intransigente. Pelo contrário, o pior que pode acontecer ao movimento olímpico nacional é o Estado meter-se onde não é chamado e permitir-se amedrontar os cidadãos através de uma lei repressiva e antipedagógica, que, sem quaisquer efeitos práticos, se limita a aligeirar as responsabilidades do Comité Olímpico de Portugal (COP) – que há muitos anos já devia ter um programa nacional de educação olímpica dirigido à generalidade das crianças e dos jovens portugueses.
O problema é que esta cultura de intimidação já vem de longe. Quando o legislador, no preâmbulo do referido DL, afirma que “através de um despacho do então Ministro da Educação Nacional, de 7 de dezembro de 1949, (…) foi reconhecido ao Comité Olímpico de Portugal o direito exclusivo ao uso dos símbolos olímpicos, em território nacional”, para além de estar a omitir o que realmente se passou, está também a corroborar uma informação, ao tempo divulgada pelos dirigentes do COP, que não corresponde à verdade.
Quanto à omissão, ela tem a ver com a circunstância de o reconhecimento conferido pelo Governo ter sido atribuído através de um processo bem complicado que antecedeu o despacho de 7.12.1949 e que o preâmbulo do DL155 se limita a ignorar. Quanto à falta de verdade, o que é facto é que o DL155 insiste num erro, que, se no passado serviu tão só para amedrontar as pessoas, hoje deturpa a verdade histórica – na realidade, o referido despacho não foi assinado pelo ministro da Educação, mas por um subsecretário de Estado da Educação.
Ao tempo de 1949, o COP munido com o tal despacho que dizia ser do ministro (o que, para efeitos de intimidação, conferia muito mais autoridade), partiu com redobrado vigor para uma cruzada de fé em nome da defesa dos símbolos olímpicos. E, a 18 de outubro de 1951, entre muitos ofícios, enviou um ao Varzim Sport Club, pedindo-lhe para retirar os anéis olímpicos que o clube tinha na frontaria do seu campo de jogos. Dizia o ofício que o emprego dos anéis estava “condenado por Despacho de 7 de dezembro de 1949, de sua Excelência o Ministro da Educação”.
Claro que os dirigentes do Varzim Sport Club deram a “máxima importância” ao ofício do COP, de tal maneira que, a 11 de fevereiro de 1952, o COP foi obrigado a escrever novamente ao clube, solicitando uma resposta. Entretanto, a 27 de março desse ano, o presidente do clube lá respondeu ao COP: “o motivo alegórico que temos afixado na fachada central do nosso Estádio não é de forma alguma o distintivo ou emblema olímpico. Pela fotografia que juntamos, extraída daquele motivo, facilmente esse Ex. mo Comité pode verificar que é composto por um facho – o facho olímpico – e pelos anéis olímpicos”. E concluía: “V. Ex. dignar-se-á, portanto, dizer-nos, depois de analisada a fotografia que juntamos, se devemos ou não mantê-lo, na certeza de que, dada a hipótese, aliás inesperada, de se persistir na ideia de nos obrigar a retirá-lo, destruiremos os ‘anéis’ mas manteremos o ‘facho’, que deixará de ser o facho olímpico, para ser apenas, muito simplesmente e humildemente, o ‘facho da liberdade’”.
Depois, alguém do COP despachou da seguinte maneira: “… insistir de acordo com o despacho ministerial”. E lá seguiram mais ofícios a perturbar a pacatez da vida do Varzim Sport Club.
A conclusão desta estória ainda está por fazer, na medida em que os anéis e o facho olímpicos, passados que estão mais de sessenta anos, continuam firmes na fachada da liberdade do estádio do Varzim Sport Club.
Nem o regime de Salazar de lá os conseguiu tirar. Entretanto, os nossos queridos governantes, a fim de mostrarem serviço, continuam a legislar peças antipedagógicas, intimidatórias e da mais profunda inutilidade. Por isso, não se acredita que consigam tirar o facho e os anéis olímpicos da frontaria do estádio do Varzim Sport Club, tal como, entre outros, os anéis olímpicos que encimam o emblema do Futebol Clube Paços de Ferreira, um clube a disputar brilhantemente o campeonato de futebol da 1ª Liga.
E não se acredita porque os símbolos olímpicos protegem-se pela educação e pela cultura, e não pela repressão. E ainda bem…

Gustavo Pires


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo