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O que vale a vida dos velhos?

Este tema tem raízes muito profundas, mormente no terreno ético, e envolve valores, concepções de vida, de responsabilidade, de reciprocidade, de consciência social, entre muitos outros.

Há hoje uma transformação social importante com a qual a educação parece pouco se importar: a chamada transição demográfica. Ela afeta tanto países ditos desenvolvidos como nações em desenvolvimento, inverte celeremente pirâmides etárias e transforma a paisagem social em cenários com poucas crianças e muitos idosos.
Várias são as implicações desta mudança para a sociedade como um todo e para a educação, em particular, e precisamos pensar sobre como a educação tem lidado (ou se furtado a lidar) com uma questão, que, de uma ou outra forma, envolve (ou envolverá) a todos nós, quer tenhamos de 10 a 80 anos. Dados de 2012 trazidos pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) informam que, em 2000, a população idosa do planeta se tornou, pela primeira vez, mais numerosa do que a de crianças.
Para além dos números e estatísticas, um novo panorama se desenha – crescentemente, crianças e jovens se deparam com mais sujeitos velhos nas sociedades em que vivem. Surge aí um nada desprezível paradoxo: como viver a velhice e/ou conviver com ela (com sua carga mais ou menos pesada de limitações físicas, de discriminação, de solidão, de tristeza, de expectativa da finitude próxima), num mundo em que crescentemente se enfatizam a juventude, a aparência (jovem), o consumo, a volatilidade, os prazeres descartáveis, e, de certo modo, o “novo” constitui um signo incontestável de qualidade?
Uma das respostas têm sido a auto-responsabilização do próprio velho pelo seu bem estar e saúde, evitando tornar-se um oneroso “encargo social” ao conjunto da sociedade ou um “estorvo” à vida prazerosa dos mais jovens.
Por outro lado, num mundo regido pelo consumo e pelo mercado, esta “idade da vida” foi transformada em segmento de mercado a ser capturado pela oferta de produtos condizentes com uma visão também prazerosa e “feliz” de vida. Nesse sentido, as peças publicitárias que circulam na mídia e das quais também nossas crianças e jovens são espectadores e consumidores, em geral apresentam idosos sorridentes e belos, casais com aparência saudável que dançam, viajam e “aproveitam a vida”.
Pois bem, num mundo que envelhece, como essas mudanças têm permeado as representações que circulam nas pedagogias escolares e não-escolares?
Não se trata, observe-se, de curricularizar a velhice, de transformá-la em tópico de abordagem pedagógica intencional, para ensinar atitudes de respeito ou dar a conhecer itens de legislação que protejam os idosos. Trata-se, isso sim, de examinarmos quais imagens, atitudes, representações e experiências em relação à velhice estão ensinando, hoje, quem “são” os velhos e o que devemos “fazer” com eles. Este tema tem raízes muito mais profundas, mormente no terreno ético, e envolve valores, concepções de vida, de responsabilidade, de reciprocidade, de consciência social, entre muitos outros.
Num mundo em que a aparência física se tornou o principal signo de valor social das pessoas, não é surpreendente que alunos de 8 e 9 anos, em discussão livre efetuada em sala de aula, identifiquem como “coisas ruins sobre envelhecer”, o fato de ter “bastante cabelo branco”, “ter pelanca”, “ter o rosto enrugado”, enquanto são “coisas boas sobre envelhecer”, o “não trabalhar”, “ganhar dinheiro depois de se aposentar”, “olhar TV o dia inteiro”, “ficar acordado até de madrugada”, menções que indicariam o descompromisso do velho com as obrigações de trabalho e escola. Sem dúvida, num mundo que envelhece a olhos e números vistos, muitas são as “verdades” sobre a velhice que correm pela mídia, às vezes provocando repúdio, às vezes suscitando tácitas concordâncias, mas sempre contribuindo para o repertório de discursos vigente, que envolve a nós e nossas crianças e jovens.
Assim, há poucos anos teve repercussão na mídia o comentário de uma conhecida atriz brasileira de telenovelas que, ao ser entrevistada aos 66 anos, declarou: “envelhecer deve ser horrível, mas, como não envelheço, estou ótima”. Certamente, sua motivação para frase tão esdrúxula e infeliz é bem diversa da que levou recentemente o ministro japonês das Finanças, Taro Aso, a afirmar que os cuidados de saúde para doentes mais velhos acarretam um custo desnecessário para o país e que a estes pacientes o melhor seria morrer rapidamente para não impactarem, com seu tratamento, a economia do país.
Afinal: o que vale mesmo a vida dos velhos? Conforme as lições da grande mídia, tal vida tem valor apenas se os sujeitos não tiverem a aparência naturalmente envelhecida e se não onerarem o orçamento de seu país. Feios e doentes, ensinam as figuras públicas citadas, os velhos nada valem.

Rosa Hessel Silveira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil)


  
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Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

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