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Nesta vertigem de se ser professor “aprende a nadar companheiro!”

Cada escola, pública ou privada, é um caso. Há que analisar e que estar disposto a trabalhar de variadíssimas formas. O tempo dos professores que só debitavam matéria em cima de um estrado já acabou. Há que estar abertos à mudança, ao diálogo, à experimentação em conjunto, mas também à análise e à crítica construtiva, ou seja, à avaliação

Dei comigo no princípio do ano a completar 33 anos de serviço e lembrei-me inevitavelmente da idade de Cristo. Porque achei que poderia estar neste momento pronto para ser crucificado. Imaginei milhares de mãos por esse país fora, feitas Pilatos, a lavar votos e outras omissões com as suas próprias lágrimas; lembrei-me de como foi fácil criar a ilusão de que a Administração Pública vive à custa do Estado e de que este é composto sobretudo pelos “pobres” privados – o que está visto ser absolutamente falso. E recordei ainda os anos maléficos da ministra Maria de Lurdes Rodrigues que tão bem contribuiu para criar a ideia de que os professores do Ensino Público não faziam nem queriam concluir nada do que se lhes pedisse.
Má política. Porque se é certo que presentemente o Estado tem poupado à custa dos seus próprios trabalhadores, e muito concretamente dos professores, para que dessa forma a banca volte a ter grandes lucros e as grandes fortunas das velhas famílias portuguesas – agora com novas ligações internacionais – se recomponham, não é menos verdade que na Escola cada vez mais se vai cavando o fosso social entre ricos e pobres, entre regulares e diferentes, entre brancos e outros, entre heterossexuais e outros e, qualquer dia, se não nos pomos a pau, de novo entre homens e mulheres, apesar de estas terem andado a mostrar ser melhores estudantes, o que deve estar a fazer mossa a muitos “pensadores” da nossa atualidade.
Temos desde há uns anos cursos profissionais, CEFs e outras modalidades que deveriam ser, simples e normalmente, algumas das vias para estudantes. Mas não, são itinerários normalmente considerados alternativos para alunos sem sucesso escolar, sobretudo nas disciplinas chamadas de conhecimento de excelência, como Português e Matemática ou outras, acopladas às “ciências duras”, talvez por cientistas de cachimónia problemática e pouco maleável. Abril foi esvaecendo ao longo dos anos. Com o retorno dos exames acabaram conceitos como o percurso individual de cada um, uma liberdade “inaceitável e difícil de gerir”; voltámos rapidamente aos testes e os meninos passaram a ser somas de décimas, centésimas e milésimas, para entrarem em empregos que cada vez há menos. A competição instituiu-se como lei universal do Mundo Ocidental. Há dez empregos, normalmente a distribuir por um gestor, ou quejando, eventualmente um para um médico, quiçá um para um advogado muito bom; dois efémeros jogadores de futebol e dois não menos fátuos modelos e atores de novela e/ou de La Féria, e os restantes noventa e três são desempregados. E ninguém parece preocupado neste país, onde um dia António de Bulhões quis partir para África só porque aqui passaram os corpos de uns mártires assassinados naquele continente quando espalhavam a sua fé – foi para Pádua, mas isso foram as tempestades...
Depois, a Escola Pública, que às vezes nos pareceu estar ao serviço do Povo, com linhas de atuação democráticas, em prol da literacia, “arrancando” com esforço as populações aos efeitos de tanto obscurantismo que lhes quiseram proporcionar (falo de Salazar, mas também posso falar de programas anticultura, como a “Casa dos Segredos”, não?), surge como que posta de lado pelos governos, neste momento mais do que nunca. Há escolas para ricos e escolas para pobres; como a saúde; como as casas; como o pão-nosso de cada dia.
A Escola Pública deveria ter mais meios para poder desde cedo apoiar os alunos com dificuldades. Estes são sobretudo (mas não só) os que não têm tanto auxílio em casa por questões culturais ou sociais: pais analfabetos, pais ausentes, pais que trabalham de sol a sol, má alimentação, doenças, imensas dificuldades. Pais que não têm dinheiro para recorrer a instituições privadas cada vez mais caras e mais dirigidas só a alguns privilegiados. E aí está um trabalho que nem todo o Ensino Privado tem. Pelo menos em tanta quantidade, no país de miséria crescente em que hoje vivemos. Ajudar estas famílias, estes alunos é uma função que impende à Escola Pública e de cujo papel primordial os docentes – sempre em articulação com outros técnicos, e não em substituição – não se podem esquivar; que tem de ser reconhecida como extremamente desgastante, no quotidiano das aulas e fora delas; e que tem que ser bem paga e compensada com inevitáveis interrupções para recobro de forças e simplificações de horário semanal ao longo da carreira pelas mesmas razões.
Infelizmente, não será grande a admiração para quem constatar que são quase sempre os alunos das classes sociais mais baixas que se inscrevem nos cursos profissionais, nas escolas públicas e também nas privadas. Mas os cidadãos vão votando ora no PSD, ora no PS que temos tido, talvez ainda não se tenham apercebido de que estes partidos têm apoiado com subsídios os alunos e as escolas privadas com os mesmos cursos profissionais, deixando as públicas, que são do Estado – deles, do Povo, dos cidadãos – com uma mão à frente e outra atrás. Serão os privados que estão “ligados” à banca? Nem todos.
Cada escola, pública ou privada, é um caso. Há que analisar e que estar disposto a trabalhar de variadíssimas formas. O tempo dos professores que só debitavam matéria em cima de um estrado já acabou, porque também já não há alunos sempre caladinhos, de olhares brilhantes fixados em nós, assim como já não existem mães com tempo para os pentearem com um pente de tartaruga antes de saírem de casa. Há que estar abertos à mudança, ao diálogo, à experimentação em conjunto, mas também à análise e à crítica construtiva, ou seja, à avaliação. Cada aluno, rico ou pobre, tem o direito – como cidadão deste país a que gostamos de continuar a chamar Portugal – que lhe criemos com os dinheiros públicos, logicamente nas escolas públicas, todas as condições de que necessita para atingir as metas essenciais que lhe permitam ter uma ocupação de que gosta, de forma a sentir-se integrado na sociedade em que vive.
Este é um imperativo para a Escola Pública, para o Estado Social por que temos de lutar e para qualquer Governo a quem o Povo português democraticamente entregue o destino da Pátria.
E não. Não vou ser crucificado tão cedo. Nem anseio pela aposentação. Há muito por que e por quem lutar dentro das escolas. É lá, companheiros, que vertiginosamente continuo a aprender a nadar, sempre “que a maré se vai levantar”!

José Rafael Tormenta


  
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Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

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