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A ocupação de Sussex e a privatização de serviços universitários

Como é que num momento de crise económica alimentada pelo fracasso do neoliberalismo a solução é mais neoliberalismo?! Mas é assim! No setor universitário, a privatização de serviços não académicos é o novo mantra. 

No dia 7 de fevereiro de 2013, depois de uma importante manifestação contra a privatização dos serviços e em defesa de 235 trabalhadores cujos empregos estão ameaçados, um grande grupo de estudantes assumiu o controlo do Centro de Conferências, em Bramber House (Universidade de Sussex, Reino Unido).
Uma semana depois, permaneciam ainda no interior como um movimento contra a privatização e com nova visibilidade. Num mundo de comunicação rápida, este ato de resistência rapidamente espalhou os seus tentáculos por todo o planeta, irrompendo na imprensa nacional e recebendo o apoio e aprovação de Vandana Shiva e Noam Chomsky, só para citar alguns.
O coração da Universidade de Sussex, conhecido pelo radicalismo estudantil, bate de novo ao som do protesto e da resistência, e o ‘espírito de Sussex’ está de volta.

Como é que num momento de crise económica global, alimentada pelo fracasso do neoliberalismo, a solução para a crise é mais neoliberalismo?!
Mas é assim!
De forma transversal, no nosso setor, a privatização de serviços não académicos é o novo mantra e, com ele, o emagrecimento dos salários dos nossos funcionários mais mal pagos e sua remoção do regime público de pensões, que poderia garantir-lhes alguma dignidade na reforma.
A creche da universidade foi a primeira a desaparecer – por que é que a universidade há de gerir e suportar uma creche para os filhos dos seus funcionários e estudantes, quando pode entregar este serviço a um fornecedor privado? Agora é o catering e a segurança, mas sem dúvida há outros alvos da racionalização de custos e das medidas de eficiência.
O que estes processos estão a fazer é a destruir o sentido de comunidade e de união entre funcionários e estudantes – trazendo para o campus a motivação do lucro – e a destruir a possibilidade de controlo democrático sobre o que se passa dentro da universidade. Para a gestão universitária, que cada vez mais trata a universidade como uma empresa privada, isto faz todo o sentido.
Esta gestão afasta-se de qualquer responsabilidade para com os trabalhadores que prestam serviços essenciais e de quaisquer direitos socais que eles possam ter. No seu mundo de eficácia de custos e planeamento estratégico, parece apenas interessada nos resultados.
Vim para a Universidade de Sussex por causa da história radical que esta administração pretende extinguir e o meu coração rapidamente esmoreceu.
Na primeira semana, fui convidado para um dia de apresentações e boas-vindas ao pessoal que entrou de novo. O nosso reitor, Michael Farthing, apresentou-se como reitor e em seguida disse: “talvez possa pensar em mim como o CEO [Chief Executive Officer] da Universidade de Sussex”. A alusão ao setor privado está profundamente enraizada na sua visão do setor universitário como um negócio e reflete um processo mais amplo que minou os ideais e o estatuto das universidades públicas britânicas.
O nosso setor está a ser dominado por estas conotações corporativas que têm penetrado no nosso discurso e nas nossas práticas enquanto académicos. Falamos pouco sobre a qualidade académica e muito sobre o número de estudantes e a lógica económica; e quando falamos sobre a investigação, geralmente, é mais sobre o montante do financiamento do que do seu foco e conteúdo. Em pouco tempo fui apanhado neste jogo e desenvolvi um léxico que tenho usado para justificar o meu trabalho (falava de bolsas de investigação e dos números de estudantes), mas com isso fui ficando progressivamente mais insatisfeito com o meu trabalho.
Mas aprendemos com os nossos estudantes e eles podem dar-nos novamente a coragem de nos respeitarmos a nós e às nossas convicções.
Esta semana estive em duas manifestações, tenho cartazes de apoio à ocupação na porta do meu gabinete e sorrio quando olho pela minha janela e vejo os estudantes ocupantes e as suas faixas na varanda. Falo com os colegas sobre questões que efetivamente nos dizem respeito e estou a conhecer pessoas novas, que saíram cautelosamente dos seus edifícios para apoiar os estudantes. Sinto-me novamente vivo. Independentemente de saber se este processo de privatização foi travado ou não, o ‘espírito de Sussex’ voltou, confortou-me e percebo, uma vez mais, a felicidade e o sentimento de realização que fazer parte da luta política progressista pode trazer. Nestes tempos deprimentes, a resistência pode trazer recompensas tanto de curto como de longo prazo; pode não nos alimentar e vestir, e pode impedir a nossa promoção, mas os seus benefícios para a minha própria saúde mental, pelo menos, são inquestionáveis. Obrigado, estudantes ocupantes, por me ajudarem a perceber isso.

Mario Novelli


  
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Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

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