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Apostar no alargamento dos exames ou no alargamento da escolaridade obrigatória?

Independentemente das restrições orçamentais, o cumprimento da escolaridade obrigatória pode constituir uma efetiva oportunidade de melhoria do sistema educativo e formativo ou ser mais uma oportunidade perdida ou adiada.

O alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, proposto pela equipa da ministra Maria de Lurdes Rodrigues e aprovado por unanimidade na Assembleia da República em 2009, é uma das medidas de maior alcance decididas nos últimos anos no âmbito das políticas públicas da educação. O sistema educativo terá necessariamente que sofrer profundas alterações em domínios como a sua estrutura/arquitetura, a formação de professores, o parque escolar (e.g. adaptação, valorização, equipamento) e a articulação com a sociedade e com o Ensino Superior. Esta medida exige que se desenvolvam políticas que garantam a todos os cidadãos portugueses a real e efetiva possibilidade de obterem uma educação e uma formação de nível secundário.
Trata-se de um complexo e difícil desafio para a política pública, que tem de ter em conta propósitos tais como:

  • a concretização da universalização da Educação Pré-Escolar aos 5 anos de idade, medida igualmente decretada em 2009;
  • todos os alunos que concluem a escolaridade obrigatória deverão possuir uma formação qualificada e qualificante que lhes permita delinear os seus projetos de vida;
  • é preciso investir seriamente no combate à retenção dos alunos;
  • 35% dos jovens portugueses com 15 anos de idade já “chumbaram” pelo menos uma vez, com efeitos devastadores na sua relação com as escolas e os estudos – e prosseguir os esforços para que as taxas de escolarização no Ensino Básico atinjam os 100%;
  • os cursos de nível secundário têm de ser igualmente dignificados, garantindo-se elevados padrões de qualidade e a permeabilidade entre percursos;
  • o investimento na requalificação e adaptação dos edifícios escolares tem que prosseguir.

Torna-se necessário garantir uma outra inserção do Ensino Secundário no sistema educativo, transformando-o numa importante plataforma de oportunidades de educação e de formação numa diversidade de domínios (e.g. técnico e tecnológico, artístico, geral) que, por sua vez, podem dar acesso a outros percursos formativos (e.g. politécnicos, especializações tecnológicas, universitários) ou a percursos profissionais.
Neste sentido, o Ensino Secundário não pode mais ser visto como um mero corredor de passagem de alunos para o Ensino Superior. Nem fará sentido promover qualquer medida que antecipe as opções fundamentais dos alunos para o 7º ano de escolaridade.
Deveremos pugnar por um tronco comum tão longo quanto possível, sem prejuízo de se manterem formações que contribuam para que os alunos, numa dada fase da sua vida escolar, possam ultrapassar as suas dificuldades, como tem sido o caso dos cursos de educação e formação. Por isso, é fundamental que o sistema se torne mais flexível, permitindo a permeabilidade entre todos os percursos educativos e formativos e garantindo a igualdade de oportunidades e a equidade.
As prioridades políticas do Ministério da Educação e Ciência estão mais centradas no alargamento dos exames para os 4º e 6º anos de escolaridade – contrariando o que se passa em todos os países da União Europeia – do que na melhoria das aprendizagens dos alunos para completarem 12 anos de escolaridade.
Sendo esta uma questão com profundas implicações na qualificação dos jovens portugueses e na democratização do sistema educativo e da sociedade, é estranho não se “sentir” a ação do MEC. Na verdade, trata-se de uma agenda de difícil e complexa operacionalização que exige uma política que valorize o trabalho das escolas e dos professores e educadores, que desenvolva programas de apoio ao ensino e à melhoria das aprendizagens, que aposte na adequação do parque escolar, nas tecnologias e na inovação. E estas exigências dizem pouco aos atuais responsáveis pelas políticas educativas, que acreditam que a qualidade da educação é mensurável através de alguns exames.
É sempre bom lembrar que, independentemente das restrições orçamentais, as políticas públicas podem transformar o cumprimento da escolaridade obrigatória numa efetiva oportunidade de melhoria do sistema educativo e formativo (e.g. parque escolar, rede de ofertas educativas e formativas, articulação entre as administrações da educação e do trabalho, organização do Ensino Superior para receber os “novos” públicos, autonomia das escolas, programas de apoio ao ensino e às aprendizagens) ou em mais uma oportunidade perdida ou adiada. Receio bem que os exames continuem a ser a prioridade.

Domingos Fernandes


  
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Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

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