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Que os 12 anos não se transformem num 31

O alargamento da escolaridade obrigatória é uma oportunidade. Temos de tornar claro que não se trata de uma medida “cirúrgica” ou “lógica”, mas que é um novo conceito sobre o lugar, o impacto e a importância da Educação na nossa sociedade.

Conforme legislação publicada no Diário da República de 2 de agosto de 2012, a escolaridade passa a ser obrigatória dos seis até aos 18 anos, com efeitos a partir do mês seguinte. Trata-se uma medida de enorme alcance e impacto, tanto no sistema escolar como na organização social – com implicações, por exemplo, ao nível da idade mínima para começar a trabalhar.
À semelhança de outros países, Portugal reconhece que, para adquirir competências básicas e essenciais para o exercício da cidadania e da participação social, é necessária uma escolaridade de 12 anos. Bravo!
Deixaria quatro reflexões, prevendo o surgimento de algumas discordâncias e no sentido de acautelar o sucesso desta medida.

1. Vão surgir vozes afirmando que a medida é precipitada porque as escolas não estão preparadas. Este argumento é frequentemente usado para criticar qualquer reforma. Sustenta-se que para fazer uma reforma é preciso que tudo esteja preparado…
Mas não é assim. Muitas vezes é a própria dinâmica da implementação da reforma que se encarrega de mobilizar e congregar os meios que são necessários para que ela se verifique.
Por exemplo, não se pode pedir a uma escola que se prepare adequadamente para receber alunos com deficiência se essa possibilidade for genérica ou indeterminada no tempo.
Claro que estas mudanças não devem ser pilotadas exclusivamente pela necessidade premente e pela urgência, mas não podemos esperar que todos os recursos estejam plenamente preparados para uma realidade de que mal se conhecem os contornos. Precisamos, sim, de preparar um conjunto de meios flexíveis e mobilizáveis que sirvam um conjunto de objetivos e valores bem claros.

2. Vai dizer-se, também, que esta medida vai diminuir a qualidade da Educação. Na verdade, o “Ensino Secundário” tem sido até agora, e predominantemente, uma antecâmara para o Ensino Superior. Esta filosofia de “antecâmara” tem sido levada tão a sério que a competição pelas notas, a uniformização dos conteúdos e a centração num ensino em conformidade com os valores mais tradicionais tem tornado o “Ensino Secundário” num ciclo de estudos pedagogicamente mais pobre do que os ciclos anteriores e mesmo do que o Ensino Superior. Um exemplo: até agora, a educação inclusiva tem sido um corpo estranho no Ensino Secundário – será que a diversidade e a inclusão são valores para todo o Ensino Básico? Se sim, este alargamento pode melhorar a qualidade (a qualidade tem, então, a ver com a diversidade).

3. Precisamos também de mudanças substanciais. Antes de mais, que este alargamento não seja mais uma “prótese” colada no Ensino Básico. Num estudo efetuado há alguns anos para o Conselho Nacional de Educação, coordenado pela professora Isabel Alarcão, ficou muito claro que o nosso sistema de educação básica tem evoluído por sucessivos “enxertos”: juntou à “4ª classe” o “Ciclo Preparatório” e ao Ciclo Preparatório o “3º, 4º e 5º anos do liceu. Ficamos assim com um percurso de nove anos cheio de solavancos e que necessitaria de uma profunda reconceptualização para se tornar coerente, articulado e contínuo. Será que o alargamento da escolaridade para 12 anos é simplesmente mais um enxerto? Isto é, vamos acrescentar o Ensino Secundário ao Ensino Básico? Claro que não pode ser essa a solução; se for, devemos preparar-nos para aumentar em muito as taxas de insucesso e de abandono escolares.

4. Precisamos de uma alteração muito profunda nos currículos, conteúdos, estratégias e modelos deste novo Ensino Básico, para que ele possa corresponder a um mais amplo sistema de necessidades e a percursos mais diferenciados dos alunos. Não se trata já de ser a antecâmara para o Ensino Superior; trata-se de uma componente básica – lembro o sentido do termo “básico” – a que todos tendo acesso têm que ter igualmente sólidas expectativas de sucesso. E o sucesso escolar não é o mesmo para todos: para isso, é preciso que o novo ciclo do Ensino Básico se modifique, se diversifique, se desdobre em possibilidades e opções que possam corresponder aos anseios e possibilidades dos cidadãos que a ele acedem por direito. Por exemplo, o que está pensado para que os alunos com condições de deficiência ou com necessidades educativas especiais cumpram com sucesso os 12 anos de escolaridade?
Retomando este último ponto lembro o relatório da Comissão Europeia intitulado “Educação e Deficiência/Necessidades Especiais - Políticas e Práticas na Educação, Formação e Emprego relativas a Alunos com Deficiência ou Necessidades Educativas Especiais na UE”.

Este relatório mostra que os países europeus estão muito longe de proporcionar aos alunos com dificuldades condições de uma efetiva igualdade de oportunidades. Torna-se claro que a questão não é só acrescentar anos de escolaridade ao sistema de ensino; é, sobretudo, melhorar o que se faz nesses anos.
E os alunos com dificuldades continuam a receber menos de um sistema que, se acreditasse nele próprio, só lhes poderia dar mais…
Fala-se da crise como oportunidade. Este alargamento é uma oportunidade, mas não podemos confiar na sua automática “benignidade” – temos de tornar claro que não se trata de uma medida “cirúrgica” ou “lógica”, mas que é um novo conceito sobre o lugar, o impacto e a importância da Educação na nossa sociedade.

David Rodrigues


  
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Edição:

Edição N.º 198, série II
Outono 2012

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