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“Metropolis” renascido

Para o Luís, que quando o viu até se esqueceu do jantar

Nos últimos 83 anos, o filme de culto visto pelo público de todo o mundo estava muito longe daquilo que o seu realizador tinha pretendido. Enquanto a versão estreada em Berlim, a 10 de Janeiro de 1927, tinha a duração de cerca de duas horas e meia, a versão com a qual crescemos era bastante mais curta. O mesmo aconteceu na estreia de “Blade Runner” (1982) e de “Brazil” (1985), o que sugere que as versões distópicas do futuro estão fadadas a ter o mesmo destino. Apesar disso, a recente descoberta de uma versão muito próxima da original, num sótão, na Argentina, levou a que audiências de um pouco por todo o mundo – quanto tempo vamos ter nós de esperar? – tenham conseguido ver a versão mais próxima do original pensado por Fritz Lang (pensa-se que faltarão apenas três minutos). Agora mais do que nunca, de facto, a história do filme de Lang parece-se com as dos seus sucessores, Ridley Scott e Terry Gilliam. Depois de uma produção atribulada e de cortes indiscriminados dos produtores, está disponível a director’s cut, embora ainda a não definitiva.
Na estreia do filme nos Estados Unidos, em 1927, a Paramount contratou o dramaturgo Chaning Pollock para preparar uma versão ao gosto do público americano. Pollock mudou os nomes das personagens – por exemplo, Joh Fredersen, o patrão de “Metropolis”, tornou-se John Masterman – e cortou mais de um quarto renascido do filme. A «Variety» criticou as duas versões. Sobre a de Lang, um anónimo crítico alemão escreveu: “Nunca foi filmado nada assim; o seu efeito é simplesmente estonteante”; e conclui: “é uma pena que tanto trabalho artístico tenha sido gasto nesta história manufacturada”. Sobre a montagem de Pollock, um tal Sime referiu: “Metropolis tem um grande sucesso junto do público aqui, sem apelo de classe de nenhuma personagem.
É uma história que causa perplexidade, visionária, sem grande imaginação e muitas vezes monótona. Um filme estranho que pode decepcionar os cinéfilos. Apesar de tudo, tem qualquer coisa que nos prende até ao fim”. Mas a remontagem de “Metropolis” não foi apenas para o tornar mais apetecível para o público estrangeiro. A UFA, o estúdio alemão que produziu o filme, também pensou que a versão original era demasiado longa e preparou outra para distribuição geral. Esta versão, um pouco maior do que a americana, estreou em Agosto de 1927, e foi a que se conheceu durante décadas.
O “Metropolis” renascido é um filme diferente, direi mesmo, novo. O seu argumento, construído – é o termo – pela então mulher de Lang, Thea von Harbou, agora faz sentido. Nunca fora claro que Fredersen e Rotwang, o inventor, eram antagonistas, não colaboradores. De todos os cortes feitos, o mais horrível era próximo do final, perdendo-se uma sequência sublime em que o herói e Maria salvam os filhos dos operários da inundação provocada pela sublevação. O realizador japonês Oshii Mamoru, criador da obra-prima “Ghost in the Shell” (1995), escreveu na «Sight and Sound» de Outubro:
“A primeira vez que vi Metropolis numa dessas sessões organizadas por estudantes da minha universidade, já era cinéfilo e fã de ficcção científica, e estava alertado para a fama deste filme lendário. Mas no calor da luta política dos anos 70 do século passado, uma história sobre a luta de classes, que acabava com a reconciliação entre patrões e operários, deixou-me indiferente. E o amor trágico entre o jovem burguês e a jovem proletária pareceu-me um cliché de melodrama. Na altura já era como Godard, um jovem cinéfilo politizado.
Mas houve um momento que apanhou a minha imaginação: fiquei enfeitiçado pela beleza do androide Maria. A sua imagem apanhou-me completamente, e sem dúvida inflenciou os filmes animados que realizei. Por exemplo, posso dizer que a sequência inicial de Ghost in the Shell, do nascimento da heroína Motoko Kusangi, ou melhor a junção do seu corpo cibernético com o espírito, é a minha interpretação da criação do andróide Maria (…). Hoje, o rápido desenvolvimento da tecnologia digital permite-nos produzir filmes que eram impensáveis há alguns anos. Mas a motivação primitiva por trás deste acto criativo que chamamos realização é a mesma do passado e será a mesma no futuro: a representação da sociedade e a criação de ídolos. E enquanto os filmes forem uma forma de entretenimento de massa que requerem montes e montes de dinheiro para serem produzidos, estes dois elementos estarão sempre associados a uma história de amor entre um homem e uma mulher.
Nesta perspectiva, Metropolis de Fritz Lang foi concebido sob condições históricas específicas: a Europa do pós I Guerra Mundial, com instabilidade social e falta de confiança da população na chamada República de Weimar. Se o filme sobrevive a estas especificidades e consegue manter o seu valor universal ainda hoje, é muito devido à criação daquele androide.
Atrevo-me a dizer que se tentarmos ir ao passado e procurarmos as origens das actrizes de Hollywood e das heroinas da animação japonesa, acabaremos por chegar ao androide Maria. De facto, Metropolis é um daqueles raros filmes em que uma das suas personagens epitomiza a essência do próprio Cinema”.

IMPERDÍVEL! 29 de Janeiro, na Casa da Música, 2001 Odisseia no Espaço com orquestra ao vivo – direcção musical de Enriço Marconi. Devias estar cá, Adriano!

Paulo Teixeira de Sousa


  
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Edição:

Edição N.º 191, série II
Inverno 2010

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