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Ela não é um de nós [1]

Diante de mim estava uma mãe que exigira ser recebida fosse de que forma fosse. Tinha um aspecto duro, rosto marcado, de vida tecida por dificuldades e lutas, horas sem sono e muito trabalho. Mãos grossas e calejadas de trabalho e costas um pouco curvadas da fábrica de confecções. Falava com voz áspera e agressiva. Estava zangada e não parecia nada intimidada. Apenas se podia ver no fundo dos olhos uma pequena insegurança relativamente àqueles que a recebiam e com quem falava.

Tinha vindo à escola, sim senhora, para ver a professora do seu filho e não entendia porque não a deixavam falar com ela. Porque ela, mãe do Pedro, nunca tivera medo de ninguém e até a chefe, lá na fábrica, sabia que ela não era de se rebaixar. Quem lhas fizesse pagava-as. E não podia falar lá com a professora porquê?! Estava indignada sim senhora e agora queria pedir satisfações do castigo que a professora tinha imposto ao filho porque ela que não pensasse que lá por não serem ricos e nem ela e nem o marido terem estudos, que eram menos do que os outros!
Que era agora isso de vir a professora decidir se o filho podia ou não atender o telemóvel? Ela é que era a mãe e se tinha telefonado por alguma razão era. Não vem agora uma badameca de uma professora, que ninguém conhecia de lado nenhum decidir se o seu filho deveria falar com a mãe ou não! Que isto de educação não é só a escola que decide, era o que faltava! Ela bem tinha ouvido na televisão. Agora as coisas piavam fino! Não era como no tempo dela, que até tinha sido tomada de ponta por uma professora e nunca tinha podido fazer nada?Não, agora era diferente, que ela bem ouvia na televisão e sabia como as coisas eram?Os pais também faziam parte da escola e mandavam. Ela até viu num programa um Sr. que falava pelos pais das crianças e os pais eram tão importantes como os professores.
Para aturar gente armada em importante já bastava quando ia ao hospital onde ninguém queria saber das suas ideias nem do que se queria. Aí decidiam lá à maneira deles, tinham a mania que só os médicos é que sabiam de saúde, como se eles os doentes não fossem quem sentia as coisas?Agora a escola não era como um hospital. Uma escola já não era assim, que ela bem tinha ouvido na televisão e no rádio e sabia que todos educavam, todos sabiam da educação, não eram só os professores, que não eram mais do que os outros? O que eles ensinavam até os pais podiam ensinar se tivessem tempo e lhes pagassem para isso como pagavam aos professores. E isso de educação, não era a ela que lhe vinham dizer como era, que ela não era nenhuma mal-educada.
Ela também sabia dar a educação e não admitia que fossem lá os professores da escola a dizer se os seus filhos devem atender os pais no telemóvel ou não. Também não tinham que mandar para casa nenhuns recados sobre a hora a que eles haviam de ver a televisão. Era o que faltava, sim senhor! Da casa dela sabia ela?
Não estava para ser enxovalhada e sabia muito bem os seus direitos, sabia que os pais também mandavam na escola e que os pais podiam avaliar os professores. Por isso que se pusessem à tabela, que ela não as mandava dizer por ninguém e estava ali para meter aquela stora, armada em fina, na ordem. E não era só ela. Havia mais mães que estavam prontas para ir lá falar e até podiam ir para o Ministério ou mesmo para a SIC ou TVI ou outra qualquer. E isto para não ser ainda pior, que ela bem tinha visto na televisão noutras escolas, que até algumas mães tinham acertado na professora, e depois? Depois não lhes tinha acontecido nada. Pensavam que agora era como primeiro? Não, isso da escola ser uma coisa especial, onde só os professores sabiam o que se fazia, já não era assim, e todos, todos, tinham o direito de exigir e de dizer como queriam a escola dos seus filhos.
É que lá isso de escola, de educação, todos sabemos um bocado. Não pensem os professores que são os únicos?, que eu sei muito bem quais são os meus direitos?Não fique para aí a fingir que me está a ouvir e que depois não vai fazer nada? Pode saber muito de escola e de educação mas eu também sei, que também sou eu que educo os meus filhos?

[1] Título inspirado num conto de Patrícia Highsmith

Angelina Carvalho


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Angelina Carvalho
Colaboradora do CIIE da faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto
Angelina Carvalho
Colaboradora do CIIE da faculdade de psicologia e ciências da educação da Universidade do Porto

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