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A educação e os media

A propósito da relação escola, media e educação, apresento aqui um diálogo entre o Professor Tradicionalista e o Professor Comunicólogo e Tecnólogo[1]:
Professor Tradicionalista ? Estamos perdidos, a televisão está a baralhar a cabeça dos nossos alunos.
Professor Comunicólogo e Tecnólogo ? Não é bem assim, temos é que ensiná-los a ser selectivos. E isso pode-se fazer na escola.
Professor Tradicionalista ? Está bem, lá vens tu com as tuas modernices. Mas como seleccionar no meio de tanta violência?
Professor Comunicólogo e Tecnólogo ? Bom, violência... Para já é difícil definir com rigor absoluto o conceito de violência na TV. Perguntei a um rapaz de 15 anos qual o programa mais violento que ele conhecia e ele respondeu-me: o Big Show Sic. Ele acha o programa uma violência por ser um insulto à sua própria inteligência.
Professor Tradicionalista ? Está bem, mas, para outros, possivelmente para uns milhões de pessoas, o Big Show Sic é muito divertido e nem lhes passa pela cabeça que alguém lhe chame violento.
Professor Comunicólogo e Tecnólogo ? Bem, ambos os pontos de vista têm o seu fundo de verdade... Também se pode afirmar que muitas peças de Shakespeare estão imbuídas de violência física e verbal. Mas isso é necessariamente tornar o teatro, e aquela peça em concreto, violentos?
Professor Tradicionalista ? Bem, lá vais tu outra vez por essa via. Mas queres comparar isso com a violência que alguns filmes transmitem? Os filmes de guerra, por exemplo, só transmitem violência.
Professor Comunicólogo e Tecnólogo ? Há violência em todo o lado... Tu queres educar os teus alunos para uma sociedade que não existe? Os filmes de aventuras também têm violência, a violência está nas ruas, nas frases que tantas vezes tu próprio usas, nas relações sociais em geral...
Professor Tradicionalista ? Então e não te parece que, por isso mesmo, deveríamos desaconselhar os alunos os pais, os nossos filhos a não verem cenas violentas? Que televisão queres então usar na escola para a educação para a não violência?
Professor Comunicólogo e Tecnólogo ? O assunto não pode ser visto em termos de causa-efeito. A transmissão da violência não é linear. A violência reveste-se de imensas formas e é muito difícil hoje qual ou quais os efeitos negativos sobre as crianças e as pessoas em geral.
Professor Tradicionalista ? Então, se não se conhecem os efeitos, o melhor mesmo é procurarmos que a escola apresente alguns cuidados a ter... talvez ensinar a saber criticar os programas televisivos?!
Professor Comunicólogo e Tecnólogo ? Isso talvez... Por aí estou de acordo. Educar para o sentido crítico, saber ver, saber ler e pensar a televisão. Não passar a ser um homo videns passivo e acomodado no sofá. Por outro lado, repara que os palhaços do circo não seriam divertidos se não andassem à chapada. Também o cinema de animação não teria público se não tivesse alguma violência, mesmo o caso do Bambi...
Professor Tradicionalista ? Por isso te estou sempre a dizer que isso deve competir à família. A família é que deve educar. Nós temos que primar pela transmissão da cultura científica... Temos que ensiná-los a ler, não é a ver televisão. Temos que ensiná-los a pensar.
O diálogo poderia continuar por aí fora.
Deixemos, contudo, aqui, a última palavra ao tradicionalista, ao ortodoxo. O crítico, o professor comunicólogo terá a palavra mais vezes, aqui, quiçá.
De facto, há sempre vantagens e desvantagens que se podem encontrar, dependendo também da maneira como se vêem os programas. Como nos lembra Eduardo Cintra Torres, "a influência da televisão na vida das crianças e o tipo de conhecimentos e vivências que lhes transmite deveriam estar estudados de forma a permitir aos educadores e professores atender à relação dos mais novos com o ecrã. Para começar, deve conhecer-se quais os programas que os mais novos vêem." (Torres, 1998: 145). "Em suma, as crianças não vêem exclusivamente programas infantis e vêem em primeiro lugar programas normalmente definidos como de adultos. Tendo em conta a vivência normal das famílias, conclui-se que as crianças vêem programas como as novelas e Big Show SIC na companhia dos pais [?]. A TV dá-lhes a «cultura do trivial», da mesma forma que a escola lhes dá ou deveria dar a cultura geral. Com a televisão que os pais lhes deixam ver, as crianças aprendem depressa as manhas do amor e comportamentos da vida social nos empregos, na rua, nas festas, nos lares. Com a televisão, as crianças crescem mais depressa mesmo que não contactem com a vida real. Nesse sentido, a televisão poderá ser uma «ladra do tempo» de cultura, mas é ao mesmo tempo uma aceleradora do tempo de aprendizagem das regras da selva humana, a sociedade" (Torres, 1998: 146).

[1] Diálogo inspirado num outro escrito por Dan Speber (1992: 17) entre o crítico e o ortodoxo a discutirem a Antropologia como ciência.

Referências Bibliográficas

  • SPERBER, Dan (1992). O Saber dos Antropólogos, Lisboa: Edições 70.
  • TORRES, Eduardo Cintra (1998). Ler Televisão, Oeiras: Celta.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Ana Vieira
Professora do 2.º Ciclo do Ensino Básico. Doutoranda em Educação Social
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades
Ana Vieira
Professora do 2.º Ciclo do Ensino Básico. Doutoranda em Educação Social
Ricardo Vieira
Escola Superior de Educação de Leiria, ESE-IPLeiria. Investigador do CIID - Centro de Investigação Identidades e Diversidades

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