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A propósito do Magalhães...

Quando, em meados de 2009, a campanha eleitoral arrancar de facto, vamos ouvir falar, e muito, do «Magalhães», o pequeno computador português que as crianças do 1º CEB vão começar a usar. A medida é de tal modo intocável que parece não admitir objecções ou críticas. Neste sentido, o «Magalhães» é um trunfo eleitoral do Partido Socialista.
O que se fará com este computador, nas salas de aula deste país, é outra conversa que, de algum modo, não diz respeito, apenas, nem ao governo que, entretanto, se foi, nem ao governo que, posteriormente, vier. A apontar-se o dedo a quem quer que seja, será, apenas, àqueles, onde se inclui a actual equipa ministerial, que promovem a ideia de que uma certa modernidade tecnológica constitui a resposta de que necessitamos para enfrentarmos a falta de sentido e de significado cultural da nossa educação escolar. É esta leitura do mundo que terá que ser objecto de julgamento eleitoral, na medida em que ilude e, por isso, prejudica a possibilidade de se conceberem outros olhares, capazes de nos ajudar a compreender quais os problemas que, em termos educacionais, teremos na verdade que enfrentar.
É uma questão que, todavia, não diz respeito, somente, ao «Magalhães, mas também, e por exemplo, ao programa «Novas Oportunidades». Não é este programa que está em causa, face ao problema sério de abandono e de insucesso dos nossos alunos, mas a possibilidade da sua utilização desregulada. Tendo em conta a necessidade imperiosa deste governo afirmar a sua filiação de esquerda, o «Novas Oportunidades» casa como a abelha com o mel, na medida em que permite exaltar a atenção que o governo Sócrates presta às questões sociais. Daí que, por razões eleiçoeiras, não se possa reconhecer publicamente que esse programa só pode ser uma resposta remediativa de impacto limitado. É que se torna necessário afirmar que o tão reivindicado projecto de diferenciação das vias escolares do sistema educativo português está finalmente em marcha, graças à clarividência e determinação do governo. Assume-se, assim, que uma política educativa meritocrática é a única possibilidade de realizar uma política educativa de carácter democrático. Não se nega que o «Novas Oportunidades» possa permitir um conjunto de actividades e projectos pedagogicamente pertinentes ou que possibilite romper com uma visão burocrática dos percursos educativos de alguns dos seus públicos-alvo, o que nos incomoda é a recusa em reconhecer os problemas do programa em questão, nomeadamente quando se corre o risco de promover a demissão das escolas face aos alunos que lhes colocam dificuldades acrescidas, permitindo que estas possam recorrer a soluções inconsequentes, a coberto do referido programa.
Será que alguma vez o governo Sócrates poderá produzir um discurso deste teor? Poder, pode, nem que seja para responder às objecções de todos os que temem as consequências das modalidades subentendidas de acção educativa que conduzem à exclusão escolar mitigada dos alunos portugueses. De resto, não cremos que esta possa ser, hoje, uma preocupação prioritária do actual governo e do seu Ministério da Educação. A hierarquização burocratizada, pouco criteriosa e desnecessária da carreira docente, o projecto de avaliação de desempenho dos professores imposto pelo Ministério da Educação ou o novo modelo de gestão das escolas, que se aproveita do canto de sereia das virtudes do modelo de administração empresarial para seduzir uma opinião pública propensa a milagres, são a expressão maior de que, neste caso, nem sequer precisamos de procurar o rabo de fora do gato escondido, porque o animal está bem à vista de todos.
Quando votarmos, no final do próximo ano, é este conjunto de factos que não poderemos esquecer como factor de ponderação a valorizar para julgar um governo que propõe coisas como o programa da Escola a Tempo Inteiro, sem cuidar de olhar para o pesadelo educativo em que transformou a vida de milhares de crianças, porque, em primeiro lugar, subordina as necessidades sócio-educacionais destas últimas quer à sua aritmética eleitoral, quer aos grupos de pressão que são os factores em função da qual essa aritmética se concretiza e, em segundo lugar, porque, graças ao despotismo iluminado que caracteriza a racionalidade política que o orienta, é incapaz de escutar todas as vozes daqueles que não pertencem nem àqueles grupos de pressão, nem ao grupos dos clientes que com eles se identificam ou que deles beneficiam.

Ariana Cosme
Rui Trindade


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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