Página  >  Edições  >  N.º 183  >  O consumismo na sociedade de consumidores

O consumismo na sociedade de consumidores

Em pequenos textos que publiquei nesta rubrica do A Página da Educação, voltei meu olhar para alguns ângulos da conexão entre a educação e a cultura do consumo. Escrevi um pouco sobre a mercantilização da escola, sobre a invasão da cultura do consumo na vida das crianças e sobre a transformação do "outro" em mercadoria. No texto de hoje, retomo esse tema instigada por livro recente de Zygmunt Bauman.
Nos últimos anos, as análises de Bauman têm nos ajudado a pensar sobre as mudanças nos modos de vida nas sociedades do pós-guerra, especialmente aquelas verificadas nas décadas finais do século XX e no início do XXI. Em seu escrutínio minucioso, a acuidade analítica conjugada a uma admirável sensibilidade sócia-política e cultural, vem nos oferecendo perspectivas, modos de ver e pensar, que permitem distinguir contornos quase invisíveis e tendências incipientes de um futuro que se transforma rapidamente em um presente cada vez mais enigmático e assustador. O fecundo e pertinente recurso à metáfora dos líquidos mostrou-se útil para que compreendêssemos o caráter volátil, provisório e instável dos mais variados domínios de nossa existência contemporânea, incidindo sobre nossas concepções de liberdade, segurança e medo, como também de identidade, amor e sociedade. Isso nos ajuda a entender o tenso estado de incompletude e de constante desejar em que nos encontramos nesse tardio estágio do capitalismo em que, conforme nos alertou Fredric Jameson, tudo foi transformado em mercadoria, da natureza ao nosso inconsciente. Contudo, o que me faz recorrer a Bauman aqui, hoje, tem a ver com o fato de que em seus escritos ele tem insistentemente chamado a atenção para a crescente proeminência do fenômeno do consumo e para as transformações nas formas de consumir. Mais do que admitir que vivemos em uma sociedade de consumo, o que tem ressaltado é que o consumo tornou-se eixo das sociedades do presente, diferentemente da de nossos predecessores que se caracterizava pela produção. A sociedade que moldava seus membros como produtores foi substituída por essa que os molda como consumidores. E "o consumidor em uma sociedade de consumo é uma criatura acentuadamente diferente dos consumidores de quaisquer outras sociedades até aqui". (1999, p.88).
Pois bem, em seu último livro publicado em língua portuguesa - Vida para consumo -, Bauman (2008) dedica-se centralmente a esmiuçar essa gradual transformação da sociedade moderna de produtores na atual sociedade de consumidores. O consumo deixou de ser uma prática banal do dia a dia, com raízes antigas, que atravessou os séculos, para se transformar no eixo organizador das sociedades do presente, fonte emanadora de inspiração para a modelagem de uma enorme variedade de formas de vida e de padrões de relações entre as pessoas. Na sociedade de consumidores, as pessoas são ao mesmo tempo consumidoras e mercadorias. O ponto de virada seria a "revolução consumista", em que passou-se do consumo para o consumismo. Enquanto o consumo é uma ocupação das pessoas, "consumismo é um atributo da sociedade" (p.41), um arranjo social que resulta da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos, a "principal força propulsora e operativa da sociedade". O consumismo surge quando o consumo assume o papel central ocupado pelo trabalho na sociedade de produtores.
Bauman coloca-nos face a face com os indícios de uma verdadeira invasão e colonização da vida humana por visões de mundo e padrões de conduta inspirados e moldados pelo mercado. O consumismo é o eixo central da economia e de todo o convívio humano. Junto com outros autores que tem apontado na mesma direção e ressaltado as formas como o consumo se transformou no próprio ethos das sociedades do presente, Bauman sublinha nesse livro a importância de se recorrer a conceitos que permitam lidar com fenômenos e processos novos, entre outros, "comodificação dos consumidores" e "comodificação do trabalho".
Sobre eles, e sobre a forma como implicam professores e processos educativos, pretendo escrever brevemente no artigo do próximo número.

Referências

  • BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 
  • BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadorias. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Marisa Vorraber Costa


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Marisa Vorraber Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil
Marisa Vorraber Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo