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O lado bom do aluno

Centralizar o discurso no aluno, e nomeadamente no seu lado bom, significa analisarmos a escola e o modo como ela se organiza ao nível político (organização do sistema das escolas), ao nível organizacional (diferenciação dos patamares de exigência dentro do mesmo currículo escolar) e ao nível pedagógico-curricular (diferenciação de metodologias e estratégias) de forma a valorizar os pontos fortes dos seus habitantes.
Sabe-se que um indivíduo possui várias inteligências: inteligência linguística (aptidão para as palavras); lógica/matemática (aptidão para os números), espacial (aptidão para a arte), cinestésica (aptidão para as actividades relacionadas com o corpo), musical (aptidão para a música); interpessoal (aptidão para estabelecer relações interpessoais) e intrapessoal (aptidão para o autoconhecimento), e por isso mesmo, a escola e os professores deverão esforçar-se por desenvolver estilos de aprendizagem e actividades que se adaptem às várias maneiras (inteligências) de o aluno saber, compreender e aprender coisas sobre o mundo.
Dito de outro modo, a escola (os professores, os alunos, os funcionários, os pais) deverão tentar criar um ambiente que se reja por um respeito pela diferença, em que nem todos os alunos precisam do mesmo, muito pelo contrário, porque a justiça na escola está em dar a cada um o que realmente ele necessita para aumentar o seu sucesso e bem-estar.
Há dias, um bailarino de um projecto inclusivo afirmava: "no princípio não foi fácil porque não fui educado com pessoas com deficiência". Não foi ele e a maioria continua a não ser educada com e para a diferença ? e este conceito de diferença não se reporta exclusivamente à deficiência uma vez que as «diferenças óbvias» se revestem de vários moldes, como por exemplo na classe social, na cor da pele, na orientação sexual, no género, nos interesses/motivações, na personalidade, etc. ?, na medida em que esta escola profundamente redutora continua a limitar a avaliação ao teste ou à nota, continua a estabelecer metas pré-determinadas em cada ano de escolaridade ("a minha professora diz que no 2º ano só se aprende números até 999", dizia-me a Josefina), continua a apresentar um currículo prescrito autocrático que não é aperfeiçoado e reconstruído pelos alunos e restantes intervenientes, continua a ensinar todos como de um só aluno se tratasse, transparecendo assim a ideia de que os alunos são um todo homogéneo, têm todas os mesmos pontos de partida na aprendizagem ou os mesmos interesses/motivações, e deverão alcançar os mesmos pontos de chegada. "Se um aluno não sabe ler e escrever frases simples ou contar até 20 não pode ir para um 2º ano", declarava uma professora.
Interrogo-me como Sebarroja (2003): quem inventou os anos de escolaridade? Quem teve a ideia genial de que todos os alunos devem ter o mesmo livro numa sala de aula, quando os alunos que se encontram numa biblioteca podem ler livros diferentes? A quem se deve a ideia de ensinar os alunos a ler e a escrever seguindo a sequência de letras presente na maioria dos manuais escolares (p, t, l, m?)? Quem inventou a carteira a dois?
Confesso que ainda não consegui encontrar esses inventores, e duvido que muitos professores os conheçam, mas é curioso observar como algumas das suas ideias são abraçadas sem qualquer interrogação ou resistência.
Numa frase, a qualidade de uma escola mede-se através das respostas às diferentes necessidades dos alunos da sua comunidade, favorecendo o bem-estar e o desenvolvimento global do aluno nas dimensões sociais, de equilíbrio pessoal e cognitivas.
Mas ao olharmos para muitas escolas, um lugar mais de selecção do que formação ? o famoso Quadro de Honra que algumas escolas adoptam é um triste exemplo disso ?, apercebemo-nos de que a última dimensão (cognitiva) continua a ser a principal preocupação de muitos professores. O importante é desbobinar a matéria? e se o aluno não a assimila aumenta-se a carga horária da disciplina sem repensar a relação pedagógica e as estratégias desenvolvidas. "Falta alguma psicologia aos professores", dizia-me uma encarregada de educação (porventura não têm conhecimento da forte influência do bem-estar e do equilíbrio pessoal na dimensão cognitiva ? ver Poplias;Olds:2000). Talvez tenha razão. Vejamos: "professora, professora, ontem ajudei a minha tia a corrigir os testes de Matemática dos seus alunos», contou alegremente a Andreia. «Tu? És tão fraquinha», respondeu a directora de turma. Para que se perceba, esta aluna tem média de 66% nos testes da disciplina em questão. Se ela é fraquinha, nem quero imaginar o que sairá da boca desta professora em relação aos alunos com dificuldades de aprendizagem?

Miguel Gameiro Silva


  
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Edição:

N.º 180
Ano 17, Julho 2008

Autoria:

Miguel Gameiro Silva
Ponta Delgada. Açores
Miguel Gameiro Silva
Ponta Delgada. Açores

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