É muito grande o Hotel Chelsea em Nova Iorque. Quero dizer que não é apenas grande como edifício, mas também como história, como mitologia, como ponto de encontros e desencontros que contam cinquenta histórias diferentes, que são como um fim de uma história maior e têm ao mesmo tempo a sua autonomia, por vezes a sua solidão radical, e a sua violência também. É tão grande que quase podíamos acreditar que este lugar, onde viveram, criaram, sofreram, beijaram, brincaram, trabalharam tantos artistas, super-célebres ou desconhecidos, por vezes artistas unicamente da sua própria existência, estava ao abrigo do tempo e, talvez um pouco como dizia Godard a propósito do cinema, era um abrigo do tempo. Mas não. Acabou. Os facínoras da era de Reagan não tiveram a sua pele. Mas os da era Bush sim. Isto pôs em cólera Mr. Ferrara, que pegou na sua viola e na sua câmara e se instalou com as duas nos locais para fazer um documentário a régua e esquadro. Um verdadeiro documentário, completamente rígido, com cães-fantasma e a morte de Nancy ao lado de Sid Vicious, com stars, quadros, caretas, sorrisos, escadas e corredores que sulcam a memória, que atravessam o sentido de uma utopia muito concreta, de facto muito simples, como explica calmamente aquele que a incarnou durante decénios, o ex - director do hotel virado para os accionistas, Stanley Bard, hoje septuagenário. Uma utopia onde habitaram Dylan Thomas e Bob Dylan, Stanley Kubrick e Andy Warhol, Allen Ginsberg e... e digam um nome à sorte...ele(a) esteve lá. Mas vai ser destruído, lá, sob os nossos olhos e não há nada a fazer? Nada, e um filme. «Chelsea on the Rocks» é título de um filme realizado por Abel Ferrara, que passou em Cannes na secção «Un Certain Regard». Será que vamos ter a oportunidade de vê-lo? Da maneira como está a distribuição de cinema neste país não acredito. Mas...
Paulo Teixeira de Sousa
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