O ano lectivo lá chegou ao fim. Os rapazes da turma de décimo de desporto (a expressão masculinizante é nitidamente retida do "Diário" de Sebastião da Gama, porque moças desportistas é o que mais há?) lá acabaram por passar, na sua maior parte, a Português e de ano; muitos vão "mancos", é certo, a duas disciplinas (porque não pode ser a mais); mas vão. Deposita-se neles esta esperança de que um dia crescerão um pouco mais (ainda, apesar de serem já grandes e andarem perto dos vinte) e aprenderão a enfrentar alguns sacrifícios, a perceber que há outros saberes não tão imediatos como driblar a bola que também são importantes para se perceber o que é uma calote do esférico, como funciona a força centrípeta no relvado, o que está para além da escrita do jornalista desportivo ou nas entrelinhas dos discursos do presidente da Federação Portuguesa de Futebol e outras coisas assim. É nesta alegria, muitas vezes dificilmente apreciável e transferível para o papel, que se exerce a profissão do professor: é tudo muito feito de sentires, de emoções guardadas na memória pela experiência, pelo vivido sabe-se lá como, pelo risco ostentado com toda a dignidade. Como vão as escolas proceder agora à avaliação de tudo isto? Sem dúvida que em Portugal havia (e há) muito a fazer pela Escola, nomeadamente pela Escola Pública. Há batalhas ganhas? O futuro dirá. O que acontece é que - enquanto houver professores ? tudo continuará a existir, com segurança. Os meninos serão protegidos, o bom senso imperará e chegaremos a todas as metas, mesmo àquelas que nunca tínhamos imaginado. Porque, do meio de todas as didácticas, da Pedagogia e das várias vertentes cognitivas brotarão, como sempre, as competências criativas e intelectuais dos professores. É certo que havia por aí um ou outro docente que se "baldava" e cooperava pouco na vida da escola; é correcto afirmar que durante anos houve Conselhos Executivos que viveram vidas regaladas e não souberam (leia-se não quiseram?) desenvolver regras democráticas de desenvolvimento dos próprios estabelecimentos; é uma realidade que havia muitas coisas a apurar. Mas agora o modelo de avaliação que se experimentará no próximo ano (e que apesar da parceria em observatório com os Sindicatos, vai, possivelmente, ser considerado pelo ME, quase sempre bom?) não será demasiado ridículo? Vejamos: vamos avaliar professores em cadeia, numa posição subalterna a subcoordenadores e a coordenadores de departamento, muitas vezes com mais experiência e maior formação académica; isto é: vamos avaliar o quê? E vamos ter um director (para já um presidente de Conselho Executivo) a avaliar toda a gente. Mas quem são os nossos presidentes? Os que estão no Conselho de Escolas? Será que nos têm representado de forma digna, como nossos pares, e merecem a nossa confiança? Será que tomaram posição, nas reuniões com o Ministério, contra o novo modelo de gestão? Ou está cada um (salvo raras e honrosas excepções) à espera de ser o futuro "reitor" da escola? Não seria melhor se avaliássemos numa perspectiva de camaradagem e de entreajuda, tentando melhorar realmente tudo o que conhecemos tão bem, no sentido de encontrar expressão para as diferentes formas de actuar, de ser e de estar, partilhando, construindo, incluindo? amando? (perdoe-se a vertente espiritual, mas ela existe.) O grande problema é que, para além das horas e do dinheiro que se vai gastar a formar estes futuros avaliadores de docentes e do tempo que eles próprios vão retirar à escola para estas actividades, se vai instalando, indelevelmente, de maneira (conveniente) a não nos apercebermos muito, o Caminho do Medo. Entranhado nos nossos ossos não sabemos como, por uma educação que teve e terá imensos cromossomas salazarentos. E esse Medo é que nos arrasta para a miséria profissional, para uma identidade desconhecida, para a perdição humana. Que estes tempos com menos alunos nas escolas nos permitam reflectir profundamente sobre o que queremos para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos. Porque quem nos quer fazer acreditar que os caminhos da eficácia e da qualidade cruzam fatalmente os do medo, da perseguição, da intolerância e da exclusão está a tentar enganar-nos redondamente. Seremos capazes. Somos uma profissão digna de e do futuro. O primeiro passo é recuperar a alegria. Vamos pensar nisso?
Rafael Tormenta
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