Ensino superior
Com maior ou menor fidelidade aos princípios inicialmente propostos, é incontestável que Bolonha tem vindo a produzir significativas mudanças nas práticas e nas culturas de formação no ensino superior. Depois dos debates - internos e externos às instituições - na fase preparatória do lançamento do modelo, vivem-se agora, nas instituições, processos contextualizados e progressivos de mudanças internas. Em algumas serão, por agora, processos de transição e acomodação de velhas a novas estruturas e práticas, noutras, mais do que isso, serão processos que envolvem rupturas em relação a práticas anteriores. Conhecem-se e advinham-se diferentes percursos e práticas na realização das novas formações, traduzindo soluções institucionalmente diferenciadas que, talvez, agora, seja oportuno partilhar através de debates intra e interinstitucionais. Abordam-se a seguir, três aspectos, vistos pelo lado da formação, que, como outros, têm relevância no processo de reconfiguração das formações pós Bolonha. 1. A adopção de um quadro geral de referência para a organização dos cursos e as soluções adoptadas pelas instituições foram, desde o início, influenciadas por alguns factores políticos e institucionais, mais ou menos contraditórios, que condicionaram, em alguns casos, a estruturação dos planos curriculares no sentido da realização de algumas das boas intenções de Bolonha. Uma das dificuldades iniciais foi o estabelecimento de equilíbrios entre a duração dos cursos e a empregabilidade. A realização de perfis de formação de 1º ciclo que assegurassem formações para o emprego em três anos foi, então, em algumas áreas, considerada irrealista. Irrealismo a que não seriam alheias as necessidades orçamentais das instituições melhor colmatadas pela permanência mais longa dos estudantes nos cursos. Neste contexto, o tradicional peso e importância das licenciaturas surgiram desvalorizadas, em alguns casos como etapas, sem definição clara, de uma formação completa mais prolongada. Apesar desta posição inicial, a necessidade de uma permanente flexibilidade na procura das melhores soluções formativas face às novas realidades sociais, têm gerado nas instituições de ensino superior, respostas que, em muitos casos, anularam e ultrapassaram os efeitos dos constrangimentos iniciais. Em particular, a constituição de parcerias, a intensificação da procura de formações, tem gerado uma significativa abertura das instituições a diversas respostas formativas ao nível de especializações, licenciaturas e CETs. 2. Com as mudanças nas formações trazidas pela Declaração de Bolonha, e a necessidade de realizar o princípio da comparabilidade entre cursos no espaço europeu, reforçou-se o compreensível discurso político em favor da redução do insucesso no ensino superior. De facto, a flexibilidade das novas estruturas e planos curriculares, capitalizando diferentes ritmos e formas na realização de formações, pode, mais facilmente do que no passado, permitir atenuar, de modo realista, aquele insucesso. No entanto, nesta fase em que não estão consolidadas práticas genuínas de flexibilização formativa, a excessiva pressão no sentido de maior sucesso pode aproximar-se de facilitação sem que tal signifique a realização dos objectivos mínimos da formação. Importará que o sucesso dos alunos seja produto de boas práticas pelo lado da formação. De resto, interessará também ter em conta factores sociais externos de insucesso no ensino superior que, em comparação com outros países, mais afectam um número significativo de estudantes do ensino superior em Portugal. 3. No processo de consolidação de novas formações, as anteriores práticas docentes de organização e gestão curricular vão sendo reconfiguradas e incorporada em novas práticas através de processos progressivos e planeados de mudança. Trata-se de um processo lento e difícil. A identidade profissional do professor do ensino superior, como de qualquer outro professor, incorpora estratégias de sobrevivência curricular que, naturalmente, nem sempre se desejam colocar em questão. Uma das pedras de toque da nova organização curricular é o lugar do trabalho autónomo dos estudantes; os modos como é solicitado, (re)valorizado, acompanhado e integrado nas dinâmicas de formação e avaliação. O tradicional peso do ensino centrado no professor e a natureza distante e oculta do trabalho autónomo dos estudantes, só reflectido em procedimentos pontuais de avaliação, constituem sérias resistências à sua valorização. O reconhecimento da centralidade formativa do trabalho autónomo e a sua séria consideração na organização do currículo gera, inevitavelmente, lógicas inovadoras de formação.
Carlos Cardoso
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