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À flor da pele, à flor da tela

A sexualidade habita as fantasias e os corpos dos jovens. Escondida, sugerida e manifesta, ela se insinua nos olhares cruzados e desviados, nos sorrisos soltos e contidos, nos gestos serenos e ansiosos, nas maneiras de tocar e de recuar. No contato diário na sala de aula, no pátio, nos laboratórios, nos estúdios, na cantina... é impossível evitar o encontro. Corpos e desejos diversos, inesperados, inexplicáveis. Prazeres e desprazeres, sabores e dissabores.
Na Faculdade de Comunicação Social FAESA (Espírito Santo, Brasil), quando o que está em jogo são as práticas sexuais, os estudantes vão buscando criar, ocupar e atravessar lugares nos espaçostempos da instituição. Em suas travessias eles esbarram-se, aproximam-se, distanciam-se, apaixonam-se, agridem-se, transformam-se, isolam-se e agrupam-se.
Os alunos agrupam-se conforme interesses diversos, inclusive a sexualidade. Os grupos não são fixos nem excludentes em relação a esse critério, mas tendem a se fortalecer quando seus modos de viver a sexualidade são motivos de discriminação e exclusão. Nessas circunstâncias, procuram a todo custo afirmar suas escolhas, às vezes radicalizando nos discursos e nas performances. Na FAESA, alunos que se apresentam como homossexuais e bissexuais se reúnem num local que ficou conhecido como "calçada da fama" e tornou-se um território simbólico na disputa em torno da sexualidade.
No entanto, a tensão no que diz respeito às práticas sexuais habita todos os espaços da instituição, principalmente as salas de aula, e nem sempre o assunto é tratado com despojamento: medo, insegurança, vergonha e preconceito rondam os debates.
Em meio a essa trama, observamos que a produção de vídeos vem sendo praticada pelos alunos não só como cumprimento de tarefas das disciplinas, mas também como espaçotempo de invenção de uma sensibilidade vinculada à sexualidade em que se instituem outros modos de subjetivação para além de um suposto modelo hegemônico instituído. Para destacarmos esses usos (CERTEAU, 1994) dos recursos da comunicação nas práticas cotidianas dos alunos, destacamos seis vídeos realizados por eles entre 2003 e 2005 que abordam a questão das sexualidades. Acompanhando os estudantes em suas produções, sugerimos que o que os motivou a produzirem esses vídeos foi a possibilidade de negociar sentidos para suas práticas sexuais diversas e nômades. Com Foucault (2001) pensamos a sexualidade como dispositivo de agenciamento da vida: uma política sobre o sexo que se encarrega da distribuição de prazeres, verdades e poderes. Acreditamos, contudo, que as verdades sobre o sexo continuam sendo disputadas. As culturas audiovisuais, por sua vez, constituem laboratórios experimentais da sensibilidade que produzem modos de subjetivação sem verdades transcendentais (RINCÓN, 2002). Ao analisar os vídeos observamos que o que estava em jogo não era apenas a temática e sim as sensibilidades a partir das quais os autores tentavam expressar o mundo. Mais do que o que os vídeos comunicam, nos interessou a comunicação que se tornou possível no desenrolar dos processos de produção, quando uns se colocaram literalmente no papel dos outros. No mundo da fluidez, da recepção solitária e do exagero de significação, esses momentos situaram-se entre aqueles em que se estabelece uma vontade de estar com os outros e, ao mesmo tempo, de se constituir como singularidade.

Maria da Conceição Silva Soares

REFERÊNCIAS:

  • CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. 
  • FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. RJ: Graal, 2001. 
  • RINCÓN, Omar. Televisión, video y subjetividad. Bogotá, Colômbia: Grupo Editorial Norma, 2002.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 175
Ano 17, Fevereiro 2008

Autoria:

Maria da Conceição Silva Soares
Professora da Faculdade de Comunicação Social FAESA/Espírito Santo/Brasil; doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, associado ao PROPEd/UERJ
Maria da Conceição Silva Soares
Professora da Faculdade de Comunicação Social FAESA/Espírito Santo/Brasil; doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, associado ao PROPEd/UERJ

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