Página  >  Edições  >  N.º 174  >  No centenário de nascimento de Adolfo Casais Monteiro

No centenário de nascimento de Adolfo Casais Monteiro

Adolfo Casais Monteiro nasceu no Porto em 1908 e formou-se em História, Filosofia e Pedagogia. Foi professor do Liceu Rodrigues de Feitas, do qual se viu compulsivamente afastado nos primeiros anos do regime do Estado Novo.
Em 1929, publicou o seu primeiro de poemas Confusão e assumiu depois a direcção da revista Presença, a que estiveram ligados nos anos trinta nomes de grande craveira como João Gaspar Simões, José Régio, Branquinho da Fonseca, Miguel Torga, entre outros, que muito contribuíram para a renovação da nossa literatura dentro de valores estéticos que a nortearam na década de 1930-40.
Adolfo Casais Monteiro nasceu no Porto (1908) e faleceu em São Paulo? Brasil (1972), deixando-nos uma vasta obra literária, que se repartiu pela poesia, romance, ensaio e organização de várias edições. O esquecimento da sua obra é quase imperdoável, não apenas pela importância da sua actividade literária, mas também pelo sentido dos seus muitos livros de poesia, reunidos há pouco tempo na edição Poesias Completas, com uma excelente introdução crítica de João Rui de Sousa e a mais completa cronologia e bibliografia activa e passiva elaboradas por Luís Amaro.
Afastando-se muito cedo de uma certa "mitologia" presencista, dividida entre o reino de Deus e do Diabo, ainda na lembrança dos primeiros poemas de Régio ou de Torga, Casais Monteiro cedo enveredou por uma atitude mais declaradamente "interventora", não no seu imediato sentido político, mas sobretudo na forma de saber"desestruturar" esse discurso poético que se revelou como certa ruptura formal com a herança pessoana, por ter sido um dos grandes estudiosos da obra do Poeta de Mensagem.
Como acto poético "aberto aos quatro ventos", a poesia do autor de Europa afirma-se no desdobrado plano de ser "intimista" e "exteriorizante" logo no seu primeiro livro intitulado Confusão (1929), não pela deliberada pretensão de ser "moderno" e antes no modo e no gosto de, partindo dos postulados da Presença e reconhecendo a "lição" de Pessoa, ser talvez continuador de outro "modernismo" poético, na linhagem de outros poetas, como Afonso Duarte, Saul Dias ou Alberto de Serpa.
Mas o sentido lírico, claramente inovador da poética de Casais Monteiro, espelha-se talvez num dos seus melhores livros, Voo Sem Pássaro Dentro (1954) que, no prolongamento discursivo e lírico de Canto da Nossa Agonia (1942), afirmar de alguma forma esse pessimismo ideológico mais patente em muitos dos ensaios ou "antecipa", nesse ano redentor de 1946, depois do holocausto da Segunda Guerra Mundial, pelo caminho de um certo "europeísmo" assumido", o que hoje muitos espíritos marcados pelos ventos de uma Europa comunitária reclamam como bandeira afinal já arvorada há muitos anos:

ropa, sonho futuro!
ropa, manhã por vir,
onteiras sem cães de guarda,
ções com seu riso franco
ertas de par em par!

Mas toda a "poética" de Casais Monteiro se determina em horizontes de esperança e luta, como um sincero "aviso" a muitas outras navegações, num persistente canto lançado deste extremo ocidental aonde os ventos de mudança do pós-guerra tardaram em chegar, ainda com o salazarismo no poder. E por isso o autor de Adolescente foi um dos intelectuais que, sentindo não haver lugar na sua pátria para exprimir com liberdade a bandeira dos próprios ideais, emoções e sentimentos, foi obrigado em 1954 a partir para o Brasil, onde ensinou em diversas universidades e publicou a maior parte da sua obra ensaística, sem dúvida, de capital importância para o conhecimento das modernas literaturas portuguesa e brasileira.
Mas, como poeta, Adolfo Casais Monteiro foi uma das vozes que melhor soube assumir uma plena "modernidade" expressiva, na linha poética álvaro-campiana, é verdade, mas inovando esse "discurso" feito de sucessivas "descontinuações" ou através de uma expressão directa, sem interposição de 'temas poéticos', imagens ou figurações convencionais da realidade", como observou Gaspar Simões, que foi um dos críticos a enaltecer a importância poética do autor de Noite Aberta aos Quatro Ventos (1943).
Mas na sua condição de "estrangeiro definitivo", quase esquecido da pátria em terras de São Paulo, a obra poética de Adolfo Casais Monteiro (e para ela queremos, sobretudo, chamar a atenção dos leitores neste ano centenário do seu nascimento), ergue-se ainda hoje como um canto de protesto e revolta pela nossa colectiva "agonia" no tempo penumbroso que lhe coube viver ou ainda o seu próprio "canto de poeta solitário", que jamais deixou de ser polémico, agressivo, contundente, na linha de contundência afirmativa que, como observou João Rui de Sousa, determina o limite ideológico "entre o isolacionismo psicológico e moral que uma franja larga da sua poesia explica uma nítida tomada de posição frente às alienações e ao despotismo".

ADOLFO CASIA MONEIRO
POEMAS COMPLETOS
Ed. Imorensa Nacional / Lisboa

Serafim Ferreira


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 174
Ano 17, Janeiro 2008

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo