Página  >  Edições  >  N.º 174  >  Uma vida a acertar horas pela hora da modernidade

Uma vida a acertar horas pela hora da modernidade

Fernando dos Santos Neves, Reitor da Lusófona do Porto, em entrevista a "a Página"

Pelas inadiáveis modernizações do pensamento contemporâneo

Fernando dos Santos Neves, senhor de um vastíssimo curriculum de onde destaco as nomeações como primeiro reitor da Universidade Lusófona de Lisboa e como reitor da Universidade Lusófona do Porto, bem como o doutoramento em Filosofia e em Ciências Sociais Aplicadas (na especialidade de Pensamento Contemporâneo), Fernando dos Santos Neves ficou mais confiante no entrevistador quando eu lhe perguntei se poderia retratá-lo como alguém que tem passado a vida a tentar acertar as horas de Portugal pela hora da modernidade.

Certos títulos, como certas horas, são felizes e este parece ser um deles. Só me lembro, em 30 anos de profissão, de ter encontrado um título assim, que quase diz tudo numa única frase, Foi numa viagem relâmpago a Paris para reportar um encontro entre Cavaco Silva, então primeiro-ministro de Portugal, e o presidente angolano José Eduardo dos Santos. O tema era o das negociações de paz para Angola e o título encontrado adaptava uma expressão atribuída a Luís XIV como se tivesse sido proferida pelo mediador português ? "La paix c'est moi".
O secretismo das negociações de paz em Angola justificaria a reserva que o primeiro-ministro de Portugal colocava neste dossier, a tal ponto que o então ministro dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro, se a memória não me falha) saberia tanto como os jornalistas sobre o que estava a passar-se no encontro de Paris? Era, pelo menos, o que ele dizia quando se cruzava com os jornalistas portugueses nos passos perdidos de um dos mais requintados hotéis de Paris.
Esta memória aparentemente desgarrada tem a sua razão de ser. Fernando dos Santos Neves, português da Foz do Sousa também já andou por Paris, a leccionar Ciência Política, e por Angola, onde "desde os anos 60 do século XX vem chamando a atenção para as "horas certas" das inadiáveis modernizações, quer na Igreja quer na sociedade laica, do Concílio Vaticano II ao 25 de Abril de 1974, passando pelo parisiense Maio de 68 e pela descolonização portuguesa.
Uma luta contra essa constante da história de Portugal, um Portugal que passou ao lado do Renascimento, da Reforma e de outros saltos qualitativos que se viveram na Europa, numa fatalidade que dizem inerente à própria condição de país periférico e que, citando como tenho estado a citar o próprio Fernando dos Santos Neves, fez com que na Enciclopédia de Diderot & d'Alembert, Portugal não seja sempre referido de forma simpática ? um dos enciclopedistas refere ter recebido um livro português, datado do século XVIII, segundo ele por gralha já que o conteúdo só se justificaria se editado dois séculos antes?
Os enciclopedistas ? recorde-se ? diziam que Portugal era um país saudável, de clima temperado e ar puro, com abundância de cereais, com frutas e azeitonas deliciosas, mel, sal, laranjas e vinho: um verdadeiro local bíblico onde não faltavam minas de ouro e de prata, pedreiras de mármore, rubis e esmeraldas. Mas também um país de religião única e Inquisição severa, duas causas de algum certo atraso.

Um pensamento contemporâneo

Esta vontade de acertar as horas pelas várias e inadiáveis modernizações leva o Prof. Fernando dos Santos Neves a fazer com que a área científica do "Pensamento Contemporâneo" seja um dos grandes ex-líbris da Universidade Lusófona e cadeira obrigatória, das várias dezenas de cursos de licenciatura, quer de humanidades quer de tecnologias. Fernando dos Santos Neves cita, a propósito, Abel Salazar, com a célebre frase deste sábio da Renascença ? "o médico que só sabe Medicina, nem Medicina sabe". A cultura integral do indivíduo continua a ser, como já referia Bento de Jesus Caraça, em 1933, o problema central do nosso tempo.
Problema cuja solução se equaciona permanentemente na Lusófona, nomeadamente na Universidade Lusófona do Porto, escola que beneficia da experiência de mais de vinte anos do grupo Lusófona em todos os países onde se fala a língua Portuguesa;
"Com uma oferta científica estruturada de acordo com as necessidades reais do mercado, num projecto que se desenha desde o seu início com a ambição de contribuir para um ainda maior enriquecimento da região Norte do nosso País", como refere Fernando dos Santos Neves em entrevista impossível de aprisionar num clássico texto de perguntas e respostas, tal a riqueza e a complexidade do discurso do nosso entrevistado.
Se parece certo ? como disse Jorge Sampaio, citado também por Fernando dos Santos Neves, que «Portugal não tem futuro fora do quadro europeu», também parece certo que o não terá fora doutros quadros, designadamente fora do quadro lusófono.
"Que Portugal não tem futuro fora da Europa e da União Europeia aí estão a demonstrá-lo todo o seu passado dos últimos séculos (passado de afastamento da Europa, de obscurantismo, de provincianismo e de subdesenvolvimento) e todo o seu passado recente de global modernização (que vai muito para além dos "fundos estruturais e de coesão" visíveis nas auto-estradas e demais grandes obras que mudaram a geografia de Portugal)".
Isto escreveu Fernando dos Santos Neves, sublinhando que "a União Europeia é, essencialmente, a concretização do que poderíamos chamar o "ideal europeu" consubstanciado na dupla do "desenvolvimento económico-social" e da "democracia político-partidária" que, utilizando as palavras de Sartre, parecem exprimir o «horizonte inultrapassável do nosso tempo» e o objectivo desejado de todos os povos da terra". Lembrando Antero de Quental e a primeira das Conferências do Casino sobre as causas da decadência dos Povos Peninsulares
Um futuro que, a nível universitário (público e privado, pois para este professor esta distinção fará cada vez menos sentido), passa pela Declaração de Bolonha, caminho que também apaixona o actual Reitor da Universidade Lusófona do Porto na exacta medida em que o considera o caminho da contemporaneidade e da modernidade das Universidades portuguesas. O Prof. Fernando dos Santos Neves faz mesmo questão de dizer que não compreende como se chegou a fazer manifestações de rua contra a Declaração de Bolonha.
As Universidades que seguem a Declaração de Bolonha estarão condenadas a fazer mais em menos tempo e a estreitar a banda com cursos menos "universitários"? - perguntei. "Não, longe disso" foi a resposta. "Pelo contrário, o primeiro ciclo é mesmo um ciclo universitário de banda larga". Acrescentou o universitário que assinou um artigo ("Quem tem medo da declaração de Bolonha?") a defender "a integração definitiva do nosso ensino universitário na circunstância europeia (igual, no caso, à circunstância da modernidade), e que, por isso, já foi apelidado de "apóstolo-mor da Declaração de Bolonha em Portugal", título que, aliás, muito preza.

O homem que criou a palavra lusofonia

Assim se exprime o Prof. Fernando dos Santos Neves, o homem que dizem ter inventado a palavra Lusofonia. Sobre esta matéria, este universitário de mais de sessenta anos de idade que fala com o entusiasmo de um jovem apaixonado pelas causas que abraça, diz ser possível que sim, que tenha sido ele a inventar a palavra Lusofonia, embora prefira revelar que muito boa gente, na hora de baptizar a Universidade Lusófona, disse que a palavra "soava mal". (Não resisto a dizer que é o segundo criador de palavras que eu conheci ? o primeiro foi o poeta, o ensaísta, o matemático Joaquim Namorado, tido como pai da palavra neo-realismo).
Mas o que é a Lusofonia? Responde o Prof. Fernando dos Santos Neves: "é enquanto projecto de geoestratégia política e de desenvolvimento economológico que a Lusofonia tem a sua primordial razão de ser, para realização própria de Portugal e de todos os Países e Povos Lusófonos e como contributo para a realização do «Fenómeno Humano» universal".
"Uma tal Lusofonia, um tal Espaço Lusófono (a que deverá juntar-se a lusofonamente hetero e auto-esquecida Região da Galiza) e uma tal CPLP em nada se opõem, antes pelo contrário, ao diálogo omnitotidimensional com os outros espaços humanos e geopolíticos do mundo contemporâneo".
Um diálogo que ? dirá noutro texto ? se oporá "frontalmente, à loucura terrorista e à histeria antiterrorista que o dia 11 de Setembro de 2001 desencadeou nos Estados Unidos e na Humanidade e que, uma e outra, constituem, por razões diversas mas com possíveis idênticos resultados, sérias ameaças de regresso à barbárie, mediante o incumprimento ou o esquecimento da tão longa e tão difícil conquista que foram o Estado Democrático de Direito e o primado do Direito Internacional sobre a força bruta bem como da única e para todos ("terroristas", "não-terroristas" e "antiterroristas", incluindo qualquer potência ou superpotência de ontem, de hoje ou de amanhã) obrigatória "Carta Magna" da Civilização que é a Declaração Universal dos Direitos Humanos".
Cito esta frase do Reitor da Lusófona do Porto também pelo facto de estar a escrever este texto no dia em que Benazir Bhutto, principal líder da oposição no Paquistão, foi assassinada em Rawalpindi, em plena campanha eleitoral Ela tinha denunciado, nomeadamente num artigo publicado no jornal Le Monde de 4 de Setembro, o crescimento do fundamentalismo e do obscurantismo no Paquistão, por força de um regime incapaz de solucionar problemas básicos como os do desemprego e da pobreza da população. A mesma luta que justifica a vontade de qualquer país e universidade dignos destes nomes seguir no sentido do caminho da modernidade.

Júlio Roldão (texto) Ana Alvim (fotos)

"Directas" sobre Lusofonia e acordo ortográfico

"Sem Brasil não haverá Lusofonia, mas também sem Lusofonia não haverá Brasil, que valha a pena!"
A Língua Portuguesa poderá e deverá tornar-se uma das grandes (senão a maior das) riquezas de todos os Países e Povos da CPLP e todo o investimento na sua cultura e difusão aparece como o investimento mais inteligente e mais rentável"
"(?) na cerimónia em que o então considerado melhor futebolista do mundo (Ronaldo, lusófono) recebeu do então presidente da FIFA (João Havelange, lusófono), sob os olhares do considerado melhor futebolista de sempre (Pelé, lusófono), o respectivo prémio, alguém ouviu uma palavra em Português?"
"Portugal e Brasil têm de ser, nas presentes condições, os primeiros grandes motores da Lusofonia e serão os grandes responsáveis históricos do seu possível êxito e do seu não impossível"
"Especificamente sobre a questão do Acordo Ortográfico, já se tornou, felizmente, claro, que, tendo em conta a emergência estratégica, no mundo globalizado, da nova potência que é o Brasil e da "Lusofonia" (que não sendo só nem sobretudo uma questão de língua, é-o também de maneira essencial!), a "unificação institucional e plural" da língua portuguesa chamada "Acordo Ortográfico" (este ou outro e o melhor possível, é claro!) é, a breve trecho, absolutamente e, mais uma vez, felizmente inevitável!"


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 174
Ano 17, Janeiro 2008

Autoria:

Fernando dos Santos Neves
Reitor da Lusófona do Porto
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Fernando dos Santos Neves
Reitor da Lusófona do Porto
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo