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Racista eu? O outro é que é!

O Brasil é o país da "democracia racial", somos todos iguais de acordo com a lei. Temos os mesmos direitos. Afinal a escravidão já acabou. A Lei Áurea já foi assinada. Por que será então, que depois de mais de cem anos da abolição da escravatura, os negros ainda continuam inferiorizados em relação aos brancos. Será que podemos chamar o que acontece de fato em nosso país de "democracia racial"?
O que há na verdade é uma pseudo-democracia, um racismo velado, camuflado. Nossa sociedade continua regida por uma lógica escravocrata onde o preconceito continua de maneira discreta e branda. Deram liberdade aos negros, porém não lhes proporcionaram meios de sobrevivência, empurrando-os para a marginalização e o desfavorecimento. Ao negro é vetado exercer plenamente as atividades de trabalhador livre, já que não possuem fácil acesso ao mercado de trabalho, universidades e a participação nas decisões políticas. As práticas de racismo são diversas e se apresentam de diferentes formas: exigência de "boa aparência" para conseguir uma vaga no mercado de trabalho, ocupação dos negros na maioria das vezes em cargos inferiores, remuneração diferenciada em relação aos brancos quando ocupam os mesmos cargos, piadas racistas e sem graça, que só servem para ridicularizar o negro e menospreza-los do tipo: "Preto quando não suja na entrada, suja na saída." Além é claro de expressões que já estão naturalizadas por todos nós como "a coisa tá preta". Essas são apenas algumas das manifestações racistas perfeitamente aceitas em nossa sociedade que diz ter uma tal "democracia racial", mas na verdade o que temos é "miopia social". Vivemos no país do faz de conta. Fazemos de conta que a cor de pele não tem a menor importância.
Pena que por mais que tentemos esconder nosso racismo, ele sempre teima em aparecer: quando brancos são para o papel principal das novelas e/ou filmes ao invés dos negros; quando as capas das revistas das revistas da moda são homens ou mulheres brancas e não negros; quando nos salões de beleza presenciamos apenas modelos de cabelos e/ou unhas voltadas para o público branco e não para os negros; quando a polícia não hesita em revistar primeiro o negro e só depois o branco; quando "sem querer" dizemos: Ele é negro de alma branca ou É preto mas é cheiroso, ou ainda Todo preto é igual.
Então pergunto: Não há racismo no Brasil? Essa "praga" foi realmente extirpada com a Lei Áurea? Realmente eu não sou racista, o outro é que é. Felizmente posso alimentar esse sentimento sem precisar falar que alimento e tudo continua como antes no país de Dante.
As escolas também são responsáveis pela manutenção dessa forma de racismo. O que observamos nas escolas é que o negro é lembrado apenas no dia 13 de maio. Até o Dia da Consciência Negra (20 de Novembro) é comemorado em poucas escolas.
Na sala de aula, a professora consciente ou não, acaba realizando a profecia auto-realizável,ou seja, no primeiro dia de aula ela já "intui" quem aprenderá e quem não aprenderá. Geralmente os segundos são negros e/ou afro-descendentes, que receberão ao longo do ano menor atenção da professora, já que ela previu seu fracasso e considera desnecessário investir em quem não aprenderá mesmo.
Fomos internalizando o padrão de beleza europeu. É a ideologia do branqueamento que tenta "clarear" os negros utilizando técnicas de alisamento de cabelo, plásticas para afinar o nariz e tantos outros meios. O bonito é ser branco ou ficar parecido com ele, é o que nos diz a sociedade, de formada camuflada obviamente.
Nós, o povo negro e afro-descendentes, que somos em maior número no Brasil, responsável por grande parte da influência cultural, infelizmente não somos valorizados por nossa contribuição, pior, somos considerados ainda por muitos como raça inferior. Somos bons sim mas para o samba e futebol e valorizados por possuirmos corpos bonitos (nisso os estrangeiros/as não me deixam mentir, já que ficam deslumbrados/as por nossos/as mulatos/as).
Mas tudo bem... Afinal de contas vivo em um país com "democracia racial"

Rosilene dos Santos Cerqueira


  
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Edição:

N.º 174
Ano 17, Janeiro 2008

Autoria:

Rosilene dos Santos Cerqueira
Grupalfa
Rosilene dos Santos Cerqueira
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