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Levando as diásporas ao mercado: erguendo o talento (e o patriotismo) nas economias nacionais
Na corrida para se tornarem globalmente competitivas, as economias fundadas no conhecimento, os governos, as empresas e as organizações em todo o mundo deram prioridade a políticas e a programas visando a produção, recrutamento e retenção de futuros inovadores, de 'talentosos', e 'altamente qualificados profissionais'. "A competitividade da América", escreveu o presidente da Microsoft Corp, Bill Gates, numa coluna no Washington Post em 2007, depende de "? um só factor crítico: inovação? o nosso estatuto enquanto centro mundial de novas ideias, não pode ser assumido como algo garantido. Outros governos estão a acordar para o papel vital que a inovação desempenha na competitividade". E Gates continua argumentando que duas transformações são necessárias se os Estados Unidos quiserem manter a seu domínio económico global; a reforma radical da educação escolar, e a introdução de mudanças no sistema de emigração como consequência dos acontecimentos gerados em torno do 11 de Setembro, no sentido de fazer reflectir sobre a importância de trabalhadores estrangeiros altamente qualificados.
Gates não está sozinho neste aspecto. Do outro lado do Atlântico, a Comissão Europeia lançou uma série de iniciativas com o objectivo de tornar a Europa a sociedade do conhecimento mais competitiva do mundo. Estas iniciativas incluem políticas internamente orientadas para 'mobilizar o poder dos cérebros da Europa', para recrutar os talentos mais brilhantes dos países não pertencentes à União Europeia, e iniciativas legislativas para agilizar o acesso aos talentos estrangeiros através de um 'uma autorização científica' de residência para investigadores de outros países.
Estas iniciativas ligadas ao 'conhecimento', 'talento' e 'competitividade global' ressuscitaram um velho debate acerca da fuga dos cérebros, particularmente quando os cérebros em consideração provêm daquelas partes do mundo que mais têm a perder com isso, isto é, os países com baixos rendimentos. Trata-se também de uma questão política sensível, dado o foco do desenvolvimento da agenda desde os anos 1990; a realização das Metas de Desenvolvimento do Milénio visavam a redução da pobreza global e o incremento do crescimento económico e a atribuição de uma maior prioridade ao conhecimento pelas agências multilaterais para impulsionar o processo de desenvolvimento. Educação, conhecimento e qualificações foram assumidos como centrais para a realização destas agendas. Contudo, perante factos como 1 em cada 10 pessoas adultas com educação terciária são nascidas nos EUA, Austrália ou na Europa Ocidental, em 2001, ou como 30 a 50% da população no mundo em desenvolvimento formada no campo da ciências e da tecnologia vive no mundo desenvolvido, podemos ver as contradições e tensões, nos países desenvolvidos, entre as estratégias orientadas para a procura de talentos e o compromisso com o desenvolvimento dos países com baixos rendimentos. Segundo algumas estimativas, haverá mais cientistas africanos a trabalhar nos EUA do que em África.
A 'opção diáspora' - que está a apelar aos sentimentos patrióticos dos 'nacionais' e residentes fora do país no sentido de regressarem, numa espécie de 'remessa de conhecimento', emerge com uma 'terceira via' de solução para este problema. Trata-se de uma solução que também foi considerada apelativa por agencies multilaterais, como o Banco Mundial, particularmente quando essas diásporas são redes profissionais cujos membros são vistos como tendo um pé em cada um dos campos; localização e acesso ao conhecimento, qualificações e recursos no 'norte' e um sentido de dever em relação às suas origens no 'sul'. É também uma opção a ser explorada pelos governos e empresas nacionais, desejosas de se envolverem com o conhecimento, qualificações e estabelecerem conexões com os seus patrioticamente considerados concidadãos. Em vez de estes trabalhadores globais serem incentivados a desenvolver atitudes mais cosmopolitas, são reforçados o nacionalismo e o respectivo sentido do dever. Algumas destas iniciativas nacionais figuram como sucessos nos relatórios do Banco Mundial , por exemplo GlobalChile (Chile), Red Caldas (Colômbia), Redde Talentos (México) e KEA-NZ (Nova Zelândia). Podemos ser encorajados, pois, a ler esta 'terceira via' praticada pelo Banco Mundial como uma solução ganhador-ganhador para um assunto particularmente complexo.
À primeira vista, o empenhamento do Banco Mundial na promoção das diásporas de qualificações como um mecanismo de desenvolvimento é apelativo. O Banco Mundial, aparentemente, é sensível às necessidades dos países em desenvolvimento e à falta de conhecimento e de qualificações. Contudo, há uma outra forma de ler o interesse do Banco Mundial nesta questão. Um olhar mais atento à iniciativa do Banco Mundial, Programa Conhecimento para o Desenvolvimento, Diásporas das Altas Qualificações e Migração dos Talentos, revela que o Banco privilegia as redes de diáspora que são fracções da classe capitalista internacional. Possuem um bom conhecimento daquela que um dia foi a sua cena 'local' e são assumidos como sendo agentes dispostos a participar numa procura de capital para novos mercados. São, como diz Anna Saxenian na sua investigação sobre Silicon Valley, os novos Argonautas ? os aventureiros económicos globais e os investidores pioneiros do século XXI, cujos conhecimento e qualificações podem ser postos a funcionar em favor do desenvolvimento. O seu talento para furar caminho, para conseguir os melhores contactos e para fazer dinheiro de uma boa ideia pode servir assim como um ponto de entrada nos novos mercados, neste caso nos países em desenvolvimento. Ao assumirem o papel de intermediários culturais também reduzem os custos de transacção associados ao facto de se fazer negócio em territórios não familiares. A fuga de cérebros transformou-se agora em circulação de cérebros e em lucro, valendo não só aquilo que está a ser posto em circulação e as suas implicações para o desenvolvimento, mas também os interesses de classe da própria rede de diáspora. Estas redes, assim, actuam como pontos de penetração de ideias neo-liberais; de capital produtivo e de investimento, e são as condutas para a circulação da base estrutural e ideacional de uma macro-ordem pós-fordista globalmente integrada.

  
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

Susan Robertson
Univ. de Bristol, Grã-Bretanha
Susan Robertson
Univ. de Bristol, Grã-Bretanha

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