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Novas perguntas para as ciências da educação: a globalização como oportunidade
Se houve algum factor que nos últimos tempos parece ter despoletado mudanças de paradigma nos quadros explicativos dos fenómenos económicos, políticos e culturais, a globalização é um deles. Apesar de tratar-se de um conceito complexo, multidimensional e policêntrico, e sobre o qual existem teorizações elaboradas a partir de diversos pontos de vista epistemológicos e ideológicos, todas as ciências sociais, sem excepção, recorreram à ideia de globalização para sintetizar um conjunto de acontecimentos com consequências de distinta natureza para todo o globo. O conceito convida-nos sobretudo a repensar o mundo, a nós que nos dedicamos à análise da realidade social, e a ter em conta que acontecem fenómenos à escala global que nos obrigam, no mínimo, a rever os nossos pontos de partida teóricos e os nossos instrumentos de análise para continuar a proporcionar explicações plausíveis que ajudem a compreender a mudança social. A base das transformações situa-se de forma embrionária no campo tecnológico e nas suas possibilidades de construção da sociedade em rede, mas as transformações no terreno económico, político e cultural são de tal magnitude que, apesar das infinitas interconexões entre todos os âmbitos de análise, cada um deles adquire suficiente autonomia para gerar linhas de investigação com grande capacidade de produção intelectual e de circulação de teorias.
A educação não permaneceu alheia ao conceito de globalização. Em primeiro lugar, como qualquer âmbito da vida social, porque os processos educativos estão sujeitos a transformações externas ao seu sistema, que se repercutem na função social e no seu funcionamento institucional. Mas mais ainda, na medida em que uma das transformações primárias relacionadas com a globalização se situa no acesso a informações à velocidade dos seus fluxos, a educação converte-se num input fundamental dos processos produtivos e num factor chave da competitividade nas economias capitalistas. Acumular conhecimento, fazê-lo de forma rápida e dispor de capacidade para transformar esse conhecimento em produção material ou simbólica capaz de gerar valor acrescentado, são os novos target, tanto de empresas como dos próprios Estados.
As consequências destas transformações são extraordinárias. Modificam os quadros de procura educativa de todos os sectores sociais, os requisitos educativos necessários para os novos processos produtivos, os processos de selecção do tipo de conhecimento que deve ser considerado socialmente válido, os incentivos do capital para procurar benefícios no mercado da educação, as estratégias de planificação educativa dos Estados na luta pelo melhor capital humano, os diferenciais nos prémios salariais de cada nível educativo, os umbrais do nível educativo a adquirir para escapar à pobreza ou os sistemas de profissionalização do trabalho docente. A lista de transformações é extensa e dá conta das profundas implicações que as mesmas têm sobre âmbitos das ciências da educação, como a educação comparada, o estudo da organização e gestão dos sistemas educativos, ou a análise sócio-política da educação, ou o estudo do curriculum. Nenhum destes ou outros âmbitos pode ignorar o modo como a globalização altera a natureza dos processos e produtos educativos.
E, contudo, apesar de um certo consenso sobre a relação entre os processos de globalização e a transformação educativa, as ciências da educação parecem relativamente distantes da realização de um exercício de revisão de postulados teóricos, modelos de análise e metodologias de investigação que a mesma transformação social converte em obsoletos. Uma vista rápida dos principais títulos de revistas ou de outras publicações, ou dos próprios conteúdos e enfoques que continuam a definir os encontros científicos das ciências da educação, permitem observar que, para além das actualizações de títulos ou slogans, a auto-revisão é, em geral, uma tarefa pendente. As razões que explicam esta resistência são provavelmente muitas e discutíveis, mas é necessário sobretudo apontar o progressivo alheamento que as ciências da educação têm evidenciado em relação às ciências sociais.
A tendência para a especialização e a profissionalização do campo das ciências da educação, pode ter conduzido à tendência para limitar tanto os seus objectos, como a sua linguagem e as suas perguntas de investigação, que em certas ocasiões se esquecem de que a educação é um processo social e político. Um processo que é frequentemente reconhecido como tal em prólogos e introduções de muitos trabalhos do âmbito das ciências da educação, mas que raramente tem consequências sobre as perguntas de investigação que se formulam e menos ainda sobre a metodologia adoptada. Trabalhos que, por zelarem tanto pelos aspectos técnicos, acabam por perder de vista o sentido das suas perguntas e dos seus próprios métodos. Como é que se podem comparar sistemas educativos nacionais hoje se não se tiver em conta as relações supranacionais que dominam as suas reformas de estrutura e de conteúdos? Será a aula um espaço que pode considerar-se, isolando-o, alheio às forças globais que pressionam no sentido de determinadas lógicas de curriculum? Não afectam as transformações das relações laborais à escala global as condições de trabalho e o próprio conteúdo do trabalho docente? Que efeitos têm a estratégia de Lisboa e os indicadores associados ao Método Aberto de Coordenação sobre as prioridades políticas na educação dos Estados europeus? O que é que implica a estandarização das provas PISA sobre o quê e como se ensina nas aulas de ensino secundário?
Estas ou outras perguntas, fundamentais hoje para as ciências da educação, parecem difíceis de responder se se virar as costas à compreensão dos processos de globalização económica, política e cultural e se não se reposicionarem os instrumentos de análise da realidade educativa. Ou, o que é a mesma coisa, o prioritário são as perguntas, os objectos de análise e deles depende que se faça a revisão das metodologias e das técnicas de investigação. A tarefa não é, obviamente, simples, mas nem se podem ignorar as perguntas fundamentais, nem se pode prescindir de uma obrigatória renovação epistemológica, sobretudo se se pretender continuar a defender que a investigação em educação é efectivamente uma investigação científica; isto é, uma investigação com capacidade para responder às perguntas que são formuladas interna ? pela própria comunidade de investigadores - ou externamente.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

Xavier Bonal
Universidade Autónoma de Barcelona
Xavier Bonal
Universidade Autónoma de Barcelona

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