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Actividades extra-escolares: um olhar sobre a ocupação dos tempos livres

Escola Pública

Vistas como um mercado de oportunidades de emprego para professores e monitores e como uma forma de manter os alunos "num local seguro" enquanto os pais permanecem nos empregos, as actividades que preenchem os tempos não lectivos dos alunos ganham cada vez mais importância nos sistemas educativos da União Europeia. Na Finlândia, o Ministério da Educação quer sensibilizar os pais para os perigos de deixar as crianças sozinhas em casa depois das aulas e convencê-los a deixar ficar os alunos nas actividades extra-escolares. Na Suécia, as actividades de tempos livres são organizadas tendo em conta os programas curriculares, servindo-lhes de suplemento. Na França, a liberdade de organização dos tempos livres das crianças é deixada à responsabilidade dos pais. A escola oferece apoio ao estudo e algumas actividades mas o espaço para a aprendizagem está reservado exclusivamente à componente lectiva.
Em Dezembro demos conta de como são organizadas as actividades extra-escolares no Reino Unido, Bélgica e Espanha. Nesta edição de A PÁGINA, apresentamos o caso de mais três países onde fomos encontrar outros exemplos de como as escolas se estão a organizar neste domínio: Finlândia, Suécia e França.

Finlândia
Sozinhos em casa, não!

"Mãe, eu não gosto de estar sozinho em casa." A frase surge como uma espécie de apelo na brochura onde se apresentam as designadas actividades antes e depois da escola, publicada pelo Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação da Finlândia. Os destinatários destas actividades são os alunos do primeiro e segundo ano do 1º ciclo do Ensino Básico. E funcionam das sete horas da manhã às cinco da tarde. Ocupando em média três horas por dia, num total de 570 horas ao longo do ano escolar, as actividades antes e depois da escola podem ainda funcionar nas pausas lectivas que acontecem no Outono, no Natal e nas férias destinadas à prática de Ski.
Por detrás do pedido da criança à mãe encontra-se uma realidade bem diferente da portuguesa. É comum, a partir dos sete anos de idade, as crianças deslocarem-se para a escola e permanecerem em casa depois das aulas sozinhos até os pais chegarem do emprego. Não existe na Finlândia a tradição de "guarda" das crianças que em Portugal é mantida pelos centros de actividades de tempos livres e outras instituições, na sua maioria privadas.
"Muitas crianças passam longos períodos de tempo sem a companhia de um adulto. O propósito das actividades antes e depois da escola é eliminar os factores de risco que crescem entre as crianças devido à falta de supervisão dos adultos e ao tempo excessivo que passam sozinhas", lê-se na brochura. Um problema que mereceu uma chamada de atenção no Acto Reformativo do Ensino Básico, posto em prática em 2003 e que foi alvo de outras regulamentações suplementares em 2004.
A ênfase é colocada essencialmente na segurança. As actividades são apresentadas como uma forma de proporcionar às crianças um "local seguro" onde "passar o tempo" e desenvolver experiências "estimulantes" para o seu crescimento. "Pretende-se que elas contribuam para harmonizar os tempos escolares dos filhos com a vida profissional dos pais e o tempo livre da família", lê-se no documento que as regula. São, por isso, de frequência facultativa.

Conteúdos lúdicos

As actividades antes e depois da escola devem ter um carácter lúdico e criativo, promover experiências positivas mas, ao mesmo tempo, proporcionar às crianças intervalos e períodos de descanso suficientes.
Entre as actividades oferecidas destacam-se o exercício físico, os trabalhos manuais, a expressão linguística e visual, a música e a arte. A par destas actividades as escolas também podem envolver os alunos em tarefas relacionadas com o trabalho desenvolvido nas aulas, deste que este seja organizado com menos exigência e de uma forma mais lúdica.

Financiamento e organização

A organização, monitorização e avaliação destas actividades é da responsabilidade dos municípios. Ainda que estes possam optar por contratar instituições fornecedoras de actividades. Os custos são suportados pelas autarquias que recebem para o efeito um subsídio estatal. Em alguns casos, pode ser pedido aos pais que contribuam com uma propina. Em 2006 este valor foi fixado nos 60 euros mensais por família e não por aluno.

Oportunidades de trabalho

O potencial das actividades antes e depois da escola é visto não apenas na óptica do aluno, mas também na de quem as desenvolve. As actividades "significam um novo mercado de trabalho, uma vez que potencialmente, milhares de supervisores [sejam professores ou outros] podem vir a ser empregados pelo município ou pelos fornecedores de serviços educativos por estes contratados", lê-se na brochura. Em 2003, estas actividades já empregavam cerca de cinco mil supervisores, para um total de 50 mil crianças, ao nível nacional. No entanto, o programa de expansão das actividades que se propunha abranger os 100 mil alunos previa um potencial de oportunidades na ordem dos três mil lugares para as funções de supervisor.
O candidato a esta função aparece descrito como um "indivíduo altamente qualificado com um comportamento que possa servir de modelo e a formação adequada à actividade a desenvolver". As qualificações exigidas variam: grau universitário, formação vocacional pós-secundária e competências para lidar com grupos de crianças adquiridas por formação ou experiência.
O lema presente na secção do documento que se refere a responsabilidade educativa que assenta no desenvolvimento destas actividades está assim sintetizado: "Os bons resultados educativos garantem-se com a oferta de actividades de elevada qualidade."

Suécia
Centros de tempos livres: um suplemento à escola

"Permitir aos pais combinar a paternidade com o emprego ou os estudos e ao mesmo tempo contribuir para o desenvolvimento educativo da criança, através de uma recriação baseada em aprendizagens significativas." O serviço público de apoio à infância na Suécia abrange todas as faixas etárias até aos 12 anos e engloba várias formas de cuidados para as crianças. Os centros de tempos livres são a sua forma mais comum de cuidados para as crianças em idade escolar.
Na Suécia, o ensino obrigatório tem início aos sete anos. No período em que não há escola, a maioria das crianças cujos pais trabalham ou estudam frequentam centros de tempos livres ou participam apenas em algumas actividades de tempos livres, em regime aberto. No entanto, esta última modalidade de cuidados à criança está pouco difundida.
Os centros de tempos livres funcionam durante o período não lectivo ocupando as manhãs ou as tardes e as férias escolares. Para ir ao encontro das necessidades das famílias, estes centros estão abertos durante todo o ano e o seu horário de funcionamento diário pode variar mediante a disponibilidade dos pais.
De acordo com dados de 1999, cerca de 62 por cento das crianças com idades entre os seis e os nove anos e sete por cento dos com idades entre os 10 e os 12, frequentavam os centros de tempos livres. A sua importância tem vindo a crescer uma vez que estes centros constituem um suplemento à escola, no sentido em que supostamente devem ajudar as crianças no seu desenvolvimento e promover tempos de lazer significativos. A sua estrita ligação à escola é, por isso, uma das preocupações dos decisores em matéria de politica educativa.
Em alternativa aos centros educativos existe uma outra forma de cuidados para a infância, as designadas actividades de tempos livres em regime aberto. São dirigidas às crianças entre os 10 e os 12 anos, mas nesta faixa etária não estão suficientemente generalizadas pelo país. É uma falha em termos de oferta educativa presente em três quartos das autarquias do país.

Financiamento e organização

Cabe às autoridades locais a organização e implementação de qualquer uma das formas de cuidados para as crianças até aos 12 anos, onde se incluem os centros de tempos livres e as actividades de tempos livres. O governo central estipula uma verba para as autarquias disponibilizarem estas ofertas educativas. Aos pais é pedido o pagamento de uma propina estipulada de acordo com o rendimento do agregado familiar e o tempo de frequência da criança no centro.

Conteúdos recreativos

Brincar é algo reconhecido como fundamental para o desenvolvimento da criança, da sua imaginação e criatividade. De tal modo que certas brincadeiras que englobem a prática de jogos fazem parte do currículo nacional do ensino obrigatório. E são por isso estimuladas nos centros de tempos livres. As crianças são encorajadas a desenvolver as suas próprias actividades e interesses.
Como na Suécia muitos alunos são originários de outros países, cerca de 15 por cento das crianças cuja língua materna não é o sueco têm aulas da sua língua de origem nos centros de tempos livres. Estas aulas são ministradas por professores especializados em línguas. As restantes actividades são desenvolvidas por instrutores com formação na área da recreação. É condição de admissão para esta função a frequência de um curso pedagógico universitário com a duração de três anos cujos conteúdos focam métodos de ensino, desenvolvimento psicológico, sociologia da família e actividade criativa.

França
Famílias organizam o tempo livre das crianças

Não existem em França actividades de enriquecimento curricular tal como estão definidas no sistema de ensino português. A educação desportiva, artística e a aprendizagem de uma língua estrangeira ou regional são áreas de aprendizagem que constam do programa curricular do ensino primário francês.
A diversificação das línguas vivas é um dos princípios de base do sistema educativo francês. Desde 2005 que os alunos aprendem obrigatoriamente uma língua estrangeira a partir do 2º ano do curso elementar (Cour élémentaire 2 ère anné ? CE2) que corresponde, no sistema educativo português, ao 3º ano do 1º ciclo. Uma medida que a partir de 2007 se irá estender ao 1º ano do curso elementar (Cour élémentaire 1 ère anné CE1), que por sua vez equivale ao 2º ano do 1º ciclo em Portugal. A escolha da língua a aprender pela criança é deixada aos pais. O ensino da língua estrangeira está a cargo de professores especializados, contratados para o efeito, ou do professor da classe, se este possuir competências linguísticas válidas.

Horários lectivos

Numa semana de 26 horas lectivas, os alunos dedicam entre uma a duas horas ao estudo da língua e três horas à prática da educação desportiva. Os horários diários variam em função do caracter público ou privado das escolas. Mas de uma maneira geral, as crianças do ensino primário iniciam as aulas às 8h30 e terminam a jornada lectiva entre as 16h e as 17h. Esta diferença tem a ver com o facto de as escolas incluírem ou não nos seus horários aulas aos sábados de manhã. De notar ainda que a maior parte dos alunos no ensino primário não tem aulas à quarta-feira de tarde, uma medida que depende da política da escola.

Actividades extra

Numerosas escolas oferecem actividades extra-escolares depois das aulas ou a possibilidade de os alunos terem apoio ao estudo para a realização dos trabalhos para casa. Seja uma ou outra a escolha, as actividades são de carácter facultativo e desenvolvem-se até às 18h.
Acresce que os conteúdos destas actividades não seguem um programa ficando ao critério da escola e do aluno o tipo de actividade em que estes podem ou não participar. A escola pode propor à criança a possibilidade de frequentar um clube de leitura ou praticar uma actividade desportiva. Tudo depende do que estiver previsto no designado "projecto de escola".
As crianças que não desejam frequentar as actividades extra-escolares regressam a casa após o fim da escola. A responsabilidade da organização do tempo livre é deixada inteiramente às famílias.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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