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"A homofobia persiste em Portugal"

A PÁGINA ENTREVISTA Manuel Cabral Morais presidente da Associação ILGA?Portugal

Manuel Cabral Morais tem 37 anos e é professor universitário. É presidente da Direcção da Associação ILGA Portugal desde Novembro de 2002, integrando também o Grupo de Intervenção Política desta associação.
Nesta entrevista, explica porque razão considera que em Portugal a homofobia e a discriminação persistem na sociedade e defende argumentos a favor do casamento civil e da adopção de crianças por homossexuais. 

De que forma tem vindo a sociedade portuguesa a encarar a homossexualidade? Pensa que tem existido uma evolução positiva?

Enquanto maior e mais antiga associação de defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero (LGBT), a Associação ILGA?Portugal tem contribuído para uma evolução gradual mas inequívoca no sentido do reconhecimento das LGBT como cidadãos de pleno direito quer a nível legal, quer a nível social em Portugal.
A nível legal assinale-se, por exemplo, o acesso às Uniões de Facto, em 2001, ou a recente alteração do Princípio da Igualdade  (Artigo 13º) da Constituição da República, em 2004, que passou a incluir a orientação sexual entre as razões pelas quais "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever (...)".
Também nos meios de comunicação social as LGBT têm vindo a ser representados de forma menos estereotipada, mais abrangente e positiva, fruto de um trabalho continuado que associações como a nossa têm vindo a desenvolver junto dos media.
Apesar destas evoluções notórias a homofobia persiste em Portugal. Tal como o racismo ou o sexismo, a homofobia é uma forma de exclusão social com manifestações diversas: da chacota ao insulto, da violência psicológica à agressão física, passando pela chantagem no local de trabalho ou no seio da família.

Apesar de a proibição da discriminação com base na orientação sexual estar inscrita na Constituição Portuguesa, no seu artigo 13º, ela continua presente em alguns aspectos da Lei e no dia-a-dia das pessoas. O que falta ainda para uma plena efectivação dos direitos da comunidade LGBT, nomeadamente no que se refere ao casamento entre pessoas do mesmo sexo?

Em Portugal, o Artigo 36º da Constituição refere que "Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade." Portugal é também o único país europeu cuja Constituição proíbe explicitamente a discriminação com base na orientação sexual (Artigo 13º). No entanto, o casamento civil continua a existir exclusivamente para casais constituídos por pessoas de sexos diferentes, numa clara violação da Constituição.
Este é mais um dos exemplos da discriminação baseada na orientação sexual, que continua a existir na sociedade e na própria lei. Outros exemplos são a adopção de crianças vedada a casais do mesmo sexo; a educação sexual que deveria abordar obrigatoriamente o tema das orientações sexuais, tal como acontece em França e na Holanda; e a inexistência de agravamentos penais em função de motivos homófobos à semelhança dos previstos em função de motivos racistas ou anti-religiosos em Portugal, e de legislação anti-homofobia.


Mesmo aqui ao lado, em Espanha, a moldura legal é muito diferente e inclusivamente é uma das mais avançadas da Europa, a par com a Bélgica e a Holanda. Porquê realidades tão diferentes em países sócio-culturalmente tão próximos?

Diríamos que na vizinha Espanha há uma maior preocupação por parte do governo em que se cumpra a constituição e em que haja uma igualdade efectiva das LGBT na sociedade e na lei, contribuindo deste modo para a construção de um país menos discriminatório, mais democrático e inclusivo, onde não há cidadãos de segunda.

Uma das questões que tem dominado o debate é a adopção ou não de crianças por parte de casais de lésbicas ou homossexuais. Qual é a posição da Associação ILGA?Portugal acerca desta matéria?

A Associação ILGA?Portugal lamenta que os grupos parlamentares ainda não tenham produzido o entendimento necessário para viabilizar um regime jurídico de adopção que possibilite a casais homossexuais adoptarem crianças.
Portugal não pode continuar a ignorar activamente um parecer emitido pela Academia Americana de Pediatria favorável à adopção de crianças por homossexuais. Neste parecer afirma-se que dois pais gay ou duas mães lésbicas podem facultar um desenvolvimento emocional, cognitivo, social e sexual às suas crianças equiparável aos facultado por um casal heterossexual.

Porque razão pensa existir uma tão grande resistência social a esta ideia?

É nossa convicção que esta exclusão é baseada apenas na homofobia e numa série de mitos em torno da homossexualidade.
As lésbicas e os gays sempre tiveram filhos embora tenha sido preciso esperarmos pelos anos 70 para que os homens gay e, especialmente, as lésbicas decidissem ter e educar crianças fora de casamentos heterossexuais tradicionais.
Com efeito são inúmeros casos de pais gay e mães lésbicas que vivem em plena harmonia com os seus filhos e filhas e que, em muitos casos, são avôs e avós babados.
Trata-se de uma realidade incontornável e a prova irrefutável de que as crianças são muito mais influenciadas pelos processos e sinergias familiares do que pela estrutura familiar, como defendem a Associação Americana de Psicologia ou a Associação Americana de Psiquiatria.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 148
Ano 14, Agosto/Setembro 2005

Autoria:

Manuel Cabral Morais
Presidente da Associação ILGA?Portugal
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Manuel Cabral Morais
Presidente da Associação ILGA?Portugal
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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