Página  >  Edições  >  N.º 143  >  Privilegiar a formação em contexto de trabalho

Privilegiar a formação em contexto de trabalho


O ensino profissional visto de quatro países europeus



A Página analisa neste dossier a estrutura de ensino profissional de quatro países da União Europeia: Suécia, Grécia, Alemanha e República Checa. A escolha não foi aleatória. Através destes exemplos procurou-se reproduzir o contexto geográfico e social que caracteriza cada uma das zonas a que estes países pertencem e, através deles, mostrar como de norte a sul, do centro ao leste, se encara e se organiza este tipo de aprendizagem. Sem pretender que nesta amostra estejam representados ?bons? ou ?maus? modelos, eles servem fundamentalmente para dar a conhecer algumas das perspectivas que orientam o ensino profissional em alguns dos nossos parceiros europeus e, quem sabe, retirar deles algumas ideias para o futuro.

SUÉCIA

O sistema de ensino secundário na Suécia está dependente do ministério da educação nacional mas é gerido localmente por autarquias, conselhos regionais ou estruturas independentes criadas para o efeito. A situação mais comum, porém, é as escolas serem geridas pelas câmaras municipais e conduzidas pela figura de um reitor (rektor) ou de um delegado principal. Segundo a lei, cada município tem o direito de criar as suas próprias escolas secundárias, fazendo com que ao longo dos anos noventa um número crescente de autarquias tenha optado pela criação destas estruturas a nível local.
Os programas nacionais do ensino profissional têm uma duração de três anos e são concebidos de forma que os alunos tenham oportunidade de escolher diversos cursos de especialização simultâneos numa mesma área de formação, partindo de um núcleo base de oito disciplinas comuns a todos os programas. O programa de ?Construção?, por exemplo, orientado como banda larga para a construção e renovação de edifícios, possui como especializações a construção de casas, a pintura de edifícios e o trabalho de chaparia.
Alguns programas permitem uma especialização no segundo e terceiro anos sob a forma de orientações nacionais, possibilitando-se aos municípios a implementação de orientações de carácter local de acordo com as suas necessidades.
Em todos os programas o aluno tem à sua disposição 300 créditos, de um total de 2500, para opções individuais, podendo escolher, por exemplo, estudar uma segunda língua estrangeira ou mesmo optar por cursos de outros programas. Desta forma, criam-se oportunidades de escolha flexíveis ao longo do percurso escolar que permitem, inclusivamente, a mudança de curso a meio da formação.
Os sectores de formação dos programas nacionais cobrem áreas tão distintas como a recreação de crianças, a construção; a engenharia electrónica; energia; artes; engenharia de veículos; artesanato e profissões manuais; negócios e gestão; indústria; restauração; alimentação; comunicação; recursos naturais; ciências naturais; saúde e enfermagem; ciências sociais e tecnologia.
Para os alunos com interesses distintos daqueles que constam nos programas nacionais, existem como alternativa os chamados ?programas especiais?. Estes programas prolongam-se também por três anos e equivalem, em termos de certificação, aos programas nacionais, acrescentando às oito disciplinas nucleares dos programas nacionais um trabalho de projecto.
A principal diferença refere-se ao facto de a aprendizagem combinar os cursos de carácter nacional com a oferta estabelecida a nível local pelas autarquias. O objectivo destes programas é o de proporcionar às escolas e aos alunos uma liberdade de escolha e uma flexibilidade acrescidas em relação àquela que está prevista nos programas nacionais. Os programas especiais são, na maioria dos casos, organizados pelos municípios em conjunto com o mundo do trabalho local, e o interesse por eles tem vindo a crescer desde o final dos anos noventa.

Aprender no Mundo do Trabalho

O ministério da educação sueco tem actualmente em curso um projecto-piloto destinado a implementar o programa ?Aprender no Mundo do Trabalho?, através do qual cerca de um terço do período de formação se processa em contexto de trabalho e ao qual é consagrado um plano de estudos próprio.
De acordo com as autoridades educativas suecas, este projecto pretende constituir uma ?alternativa aos planos de estudos e às competências estabelecidas pelos programas nacionais e pelos programas especiais do ensino regular?, sendo oferecidos por escolas com formação em contexto de trabalho (APU). Além de proporcionar aos alunos um contacto profissional com a sua área de interesse, pretende-se que este programa seja uma forma de envolver mais de perto o meio empresarial na delineação e na implementação da oferta de formação profissional.
Os conteúdos do plano de estudos aplicados ao programa ?Aprender no mundo do trabalho? são determinados através de um acordo estabelecido entre o aluno, a escola e a empresa. Os municípios, ou no caso de as escolas secundárias serem de carácter particular, são os órgãos gestores do processo de aprendizagem, o que significa que os participantes são encarados como estudantes e não como estagiários. Os parceiros sociais envolvidos neste programa têm assento num conselho, onde, em cooperação com as escolas, participam da sua implementação. Os alunos envolvidos neste projecto-piloto ficam aptos a desempenhar uma profissão e obtêm um certificado que lhes permite prosseguir estudos especializados no ensino superior.

GRÉCIA

O ensino secundário grego está dividido em dois graus. O primeiro (gymnasia) é equivalente ao 2º e 3º ciclos do ensino básico português, o segundo inclui dois tipos de escolas: as unificadas e as técnico-profissionais (TEE). Estas últimas dividem-se, por sua vez, em cursos de um e de dois anos, cujo objectivo é preparar os jovens para o mercado de trabalho. A componente prática dos cursos profissionais é efectuada em Centros de Trabalho Escolares, que funcionam como unidades autónomas.  
No sentido de promover a orientação profissional dos alunos, existem 68 Centros de Aconselhamento e Orientação (KESYP) a nível distrital e cerca de 200 gabinetes de Orientação Profissional Escolar (SEP) espalhados pelo país, ambos sob jurisdição do Ministério da Educação Nacional e dos Assuntos Religiosos. Os SEP têm como função orientar os alunos nos diversos níveis da sua aprendizagem, no aconselhamento vocacional e no desenvolvimento das suas competências.
As TEE são classificadas como ensino não obrigatório e oferecem cursos diurnos e nocturnos divididos em dois níveis: um primeiro de dois anos e um segundo de um ano, considerado como especialização. Aos cursos nocturnos é acrescentado um semestre suplementar nos dois níveis. Cada um deles funciona autonomamente e a ambos corresponde um certificado de competências próprio.
A admissão no primeiro nível das TEE é efectuada mediante a apresentação de um certificado de conclusão da escolaridade básica obrigatória. Para ingressar no segundo nível é necessário ter concluído o primeiro nível com aprovação. As TEE destinam-se a todos os alunos não trabalhadores a partir dos 15 anos. O ensino nocturno destina-se apenas aos trabalhadores, que podem inscrever-se até à idade de 50 anos.

Formação bi-etápica

Os programas curriculares das TEE estão divididos em disciplinas de carácter geral e em disciplinas de especialização técnica. Os conteúdos de carácter especializado preenchem 58-62% do programa no primeiro nível e 63-67% no segundo.
Na primeira etapa do primeiro nível, o currículo é composto por 14 horas semanais de conhecimentos gerais (educação religiosa, grego moderno, matemática, física, química, educação física, língua estrangeira e informática) e de 20 horas de aprendizagem especializada.
Na segunda etapa do primeiro nível são ministradas 14 horas de disciplinas de carácter geral (grego moderno, história, matemática, física, química, língua estrangeira e educação física) e 24 horas de disciplinas de especialização.
Concluído o primeiro nível de ensino profissional, os alunos podem pedir um certificado para exercer um ofício, inscrever-se na especialização correspondente no segundo nível ou prosseguir estudos no segundo nível do ensino secundário unificado.
No segundo nível, estão previstas 8 horas de matérias gerais (grego moderno, matemática, física e informática) e 26 horas de cursos de especialização, totalizando 34 horas de aulas semanais. Os graduados do segundo nível das TEE podem iniciar-se na vida profissional através do correspondente diploma, especializar-se na sua área de formação num Instituto de Formação Profissional ou inscrever-se num Instituto de Educação Tecnológica através da prestação de exames.
Nos cursos nocturnos, os programas incluem as mesmas disciplinas mas com um horário reduzido: entre 6-9 horas para as disciplinas de carácter geral e 13-18 horas de disciplinas de especialização. 
Ambos os níveis de ensino profissional cobrem as seguintes áreas, divididas, por sua vez, em especializações individuais: engenharia mecânica, electrónica, electricidade, artes aplicadas, têxteis e confecção, construção, economia e gestão, agronomia, alimentação e ambiente, saúde e assistência social, química laboratorial, actividades de tráfego marítimo, ciências e redes de informação, estética e cabeleireiro. O número de áreas de especialização oferecidas nas TEE está dependente das necessidades sócio-económicas locais, do número de candidatos e das preferências dos alunos.
Ao longo da sua formação, os alunos das TEE efectuam os estágios em Centros de Trabalho Escolares, bem como em contexto de trabalho no sector público e privado.

ALEMANHA

Na Alemanha, as escolas profissionais (berufsschulen) admitem apenas os alunos que tenham o certificado de conclusão da escolaridade obrigatória (Hauptschulabschluss) e oferecem formação que pode ser frequentada a tempo completo ou parcial. No âmbito deste modelo é possível seguir um plano de formação integrado no chamado sistema dual, através do qual os alunos dividem a aprendizagem, em regime simultâneo ou alternado, entre a escola e um estágio conduzido numa empresa, e onde estas assumem o papel de parceiros sociais nos planos de formação. Cerca de dois terços dos jovens alemães opta por este modelo, que se prolonga, regra geral, por três anos, dependendo da área de especialização escolhida, por ter uma dupla vantagem: a de qualificar para o exercício de uma profissão e a de permitir, na maioria dos casos, o prosseguimento de estudos.
O objectivo do sistema dual é o de proporcionar uma formação básica de largo espectro e transmitir as qualificações e competências necessárias ao exercício de uma ocupação especializada. Os alunos que concluem as formações com sucesso ficam aptos a desempenhar uma profissão qualificada num quadro de 350 ocupações oficialmente reconhecidas.
De uma forma geral, o estágio no sistema dual é baseado num contrato estabelecido entre a empresa e o estagiário, através do qual estes passam três ou quatro dias por semana no local de trabalho e dois dias na escola. As empresas assumem os custos do estágio e remuneram o estagiário com uma avença estabelecida pelo contrato colectivo de trabalho do respectivo sector. O valor da avença aumenta anualmente e representa cerca de um terço do salário inicial pago a um profissional da área.
As competências e os conhecimentos adquiridos na formação em contexto de trabalho são regulados por um quadro próprio, estabelecido em termos de conteúdo e de tempo na estrutura do plano de formação, cujas condições são especificadas pela empresa num plano individual de formação. A escola fica responsável pelo equipamento próprio ao desempenho de cada área de actividade. A formação em contexto de trabalho pode ser realizada no âmbito da indústria e do sector dos serviços civis, em profissões independentes e em estabelecimentos privados.
As aprendizagens e competências adquiridas no contexto escolar são combinadas com trabalho prático e aplicadas em situações concretas. O acordo aluno-empresa é estabelecido mediante a aplicação de um modelo ?standard? nacional e funciona independentemente das necessidades laborais das empresas, indo antes ao encontro das necessidades do mercado de emprego. O estágio tem lugar em empresas onde as competências exigidas pelo regulamento de formação possam ser garantidas por profissionais de experiência comprovada. A qualificação das empresas e do pessoal é determinada e continuamente revista pelas organizações profissionais competentes e pelos diversos ramos da indústria, que acompanham igualmente os estágios.

Modelos pedagógicos distintos

As escolas profissionais alemãs (berufsschulen) compreendem três tipos de estabelecimentos de ensino: as Berufsfachschule, as Fachoberschule e as Fachschule. Existem ainda outros tipos de escolas profissionais em alguns estados, mas a sua importância no sistema é diminuta.
No contexto do sistema dual de ensino profissional que tem sido descrito, as berufsschulen são escolas que proporcionam aos alunos aprendizagens gerais e especializadas tendo em atenção as necessidades do estágio profissional, mas com autonomia de ensino relativamente ao mundo do trabalho.
Cerca de um terço da carga lectiva é preenchida com disciplinas de carácter geral, nomeadamente na área da língua materna, estudos sociais e económicos, religião e desporto. Os alunos vão à escola num regime de tempo parcial e têm habitualmente 12 períodos de aulas por semana.
As berufsfachschulen são escolas profissionais que oferecem um leque variado de formações e de períodos variáveis, cujo objectivo primordial é o de formar assistentes técnicos que trabalharão predominantemente em instalações laboratoriais. Nestas escolas são oferecidos cerca de 30 especializações, todas elas oficialmente certificadas, que vão desde assistentes de automação e informática até assistentes de tecnologia ambiental.
As fachoberschule equivalem ao 11º e 12º anos, sendo necessário ter um certificado de 10º ano para as frequentar. Estas escolas proporcionam aos alunos teoria específica e conhecimentos práticos para entrada em instituições de ensino superior denominadas Fachhochschulen, onde é ministrada formação na área tecnológica, comercial, administrativa, agrícola, do design, da nutrição, do serviço social, etc. O estágio nas fachobershule inicia-se no primeiro ano do curso e tem lugar quatro dias por semana ao longo de um ano. No segundo ano de formação são dedicados cerca de 10/12 períodos de formação específicos num total de 30 semanais.
As fachschulen proporcionam formação profissional contínua, para a qual é necessário ter adquirido uma formação profissional e experiência em contexto de trabalho prévia. As matérias obrigatórias nos cursos de dois anos das fachschulen compreendem cinco áreas: comércio agrícola, design, tecnologia, economia e serviços sociais. Os cursos de ensino geral/multidisciplinar aqui oferecidos servem sobretudo para alargar conhecimentos não especializados, ao passo que os cursos de especialização têm como objectivo adquirir competências alargadas na área de especialização.

REPÚBLICA  CHECA

O sistema de ensino secundário profissional checo está dividido em dois ramos: o ensino secundário técnico (Strední odborné ¨koly) e o ensino secundário vocacional (Strední odborná uèili¨tì).
As escolas secundárias técnicas oferecem um curso geral de quatro anos complementado com um ensino técnico especializado, de acordo com o tipo de escola e a área de estudo em questão, qualificando os alunos com o ?maturitní zkou¨ka?, o que os habilita tanto para o desempenho de actividades em todas as áreas da economia (indústria, agricultura, serviço social, cultura e saúde), como para o prosseguimento de estudos.
Algumas destas escolas oferecem igualmente cursos de três anos (especialmente nas escolas secundárias vocacionadas para o serviço de saúde), qualificando os alunos com o "závìreèná zkou¨ka?. O número de alunos a enveredar por esta via é, porém, muito reduzido.
Tendo como base a especialização numa determinada área de actividade, as escolas secundárias vocacionadas para o ensino técnico estão divididas em prùmyslové ¨koly, ou seja, escolas que se dedicam a uma área de formação específica, como engenharia mecânica, construção, química, engenharia electrotécnica, ou em escolas de negócios, escolas secundárias agrícolas, escolas secundárias florestais, escolas secundárias médicas, escolas secundárias pedagógicas, etc. Estas escolas especializadas estão gradualmente a diversificar a oferta para vários programas educacionais.
As escolas secundárias de ensino técnico artístico são classificadas como ?Konzervator?, conferem uma qualificação própria (úplné strední odborné vzdìlání e/ou vy¨í odborné vzdìlání) e oferecem formação em belas artes nas áreas da dança (oito anos), canto, música e teatro (seis anos).
De uma forma geral, as escolas secundárias de ensino técnico oferecem 90 áreas de estudo nos cursos de quatro anos e 20 nos de três anos. Em Janeiro de 1998, entrou em vigor o modelo ?Standard? do Ensino Secundário Profissional, que avalia os conhecimentos gerais e as aprendizagens vocacionais básicas e especializadas (ao nível da expressão, das competências pessoais e interpessoais, da resolução de problemas e de aplicações numéricas e do uso das tecnologias da informação) de uma forma comum. Este modelo está a ser gradualmente adaptado a standards profissionais nas diversas áreas de actividade da economia em colaboração com o mundo do trabalho.
O currículo das escolas secundárias técnicas incluem uma formação de carácter geral (Língua Checa e literatura, língua estrangeira, matemática, ciências naturais, história, educação cívica e educação física) e uma formação vocacional focada nos exercícios práticos e laboratoriais.
Este plano de estudos inclui a colocação numa empresa ou instituição em contexto de trabalho, cuja duração é calculada em função da área de estudo. A relação das cargas lectivas varia em função da área de estudo e do ano a que dizem respeito, pendendo geralmente em favor das disciplinas de especialização em cerca de 40% a 60%, num total de 33 horas semanais.

Ensino secundário vocacional
   
O ensino secundário vocacional, por seu lado, oferece cursos de dois e três anos, que preparam os alunos para profissões de carácter manual e similares, e de quatro anos, que qualificam os alunos para o desempenho de tarefas em áreas profissionais com algum grau de exigência ou que exijam funções técnicas de natureza operativa. A fatia substancial do processo de aprendizagem é dedicada ao treino profissional, através do qual os alunos adquirem competências práticas para o mundo do trabalho ou para o prosseguimento de estudos, exceptuando os cursos de dois anos.
O ensino vocacional tem muitas semelhanças com o ensino técnico em termos organizacionais e curriculares. Assim, tal como no ensino técnico, existe um variado leque de oferta de áreas de estudo (43 para os cursos de dois anos; 120 para os de três anos e 40 para os de quatro anos), e a formação de carácter geral é a mesma.
A grande diferença entre os dois sub-sistemas reside na carga horária dedicada à componente vocacional, dividida entre disciplinas teóricas relacionadas com a área de aprendizagem (seleccionadas de acordo com a natureza da formação) e o treino prático de competências. A proporção entre estas três componentes varia conforme a duração dos cursos. Os cursos de três anos, que são os mais procurados, dedicam 30-35% à formação geral, 20-30% à formação teórica e 35-45% à formação prática, Nos cursos de quatro anos o rácio é de 40%, 30%, 30%. O número médio de aulas semanais é, tal como nos cursos técnicos, de 33 horas semanais.

Recolha e texto: Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 143
Ano 14, Março 2005

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo