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A interculturalidade e as Associações de Pais

?Os pais são um grupo, por vezes, bastante heterogéneo, mesmo quando pertencendo a uma mesma comunidade. E a relação entre o líder de uma AP ? provavelmente luso, branco e de classe média ? e um pai de meios populares (para já não falar de minorias étnicas e/ou linguísticas) é uma relação sujeita aos maiores equívocos.

No meu artigo anterior escrevi acerca das associações de pais (APs), deixando em aberto a possibilidade de adicionar posteriormente algumas notas, dada a natural exiguidade deste espaço. Nesse artigo sublinhei a) a escassa investigação existente sobre este tipo de organizações, o que as torna num objecto de estudo relativamente raro; b) o facto de encarar as APs como actores sociais (subentendendo, assim, que pais e associações de pais constituem actores sociais distintos); e c) o facto de se participar activamente no movimento associativo dos pais corresponde a um acto de cidadania e de aprofundamento da democracia, se o exercício daquela actividade corresponder à efectiva procura de defesa de interesses gerais e não de interesses de particulares.
Este último aspecto revela-se fulcral, sob pena de se desvirtuar aquilo que é suposto ser a finalidade de qualquer movimento associativo: a defesa de interesses colectivos (mesmo que corporativos) e não do indivíduo A ou B, por hipótese em abono do aluno X ou Y. No entanto, como revelei no artigo anterior, apercebi-me, no meu estudo etnográfico [Silva, 2003(1)], da existência de APs que, na prática, não representam os pais. Como então notei não basta designar uma qualquer organização por associação de pais para que ela automaticamente os represente. E este deverá ser o primeiro cuidado a ter por parte de todo o dirigente de uma AP.
Sabemos que existem APs cuja Direcção funciona em curto-circuito com a Direcção da respectiva escola ou agrupamento, padrão este que, por vezes, se limita ao contacto (mais ou menos) regular entre os respectivos presidentes. Esta é uma das possíveis armadilhas da relação escola-família. E, no entanto, ela corresponde tanta vez a uma situação identificada mas não desejada. Quantas vezes não ouvi dirigentes de APs ?queixarem-se? de que convocam reuniões e aparecem muito poucos pais. Quantas vezes eu não os ouvi, tal como a muitos professores, queixarem-se de que são sempre os mesmos pais que aparecem?! O que nem os dirigentes das APs nem os docentes, amiúde, se apercebem é de que tendem a ser os mesmos pais que aparecem em ambos os contextos; o que nem uns nem outros se apercebem é o porquê desta situação, ou seja, de que não estamos perante uma coincidência.
Sabemos que ser um «professional parent» [para usar a designação de Nicholas Beattie, 1985(2)] corresponde a um ?ofício? de classe média. E aqui reside um dos possíveis obstáculos na comunicação entre APs e pais. Tenho teorizado a relação escola-família como sendo uma relação entre culturas, isto é, uma relação entre a cultura escolar ? letrada, urbana e de classe média ? e a(s) cultura(s) local(ais). Muitos dos mal-entendidos entre pais e professores passam pela não compreensão do obstáculo sociocultural que perpassa pela relação. Esta chamada de atenção é igualmente válida para o sistema de comunicação entre pais e seus dirigentes associativos. É que os pais são um grupo, por vezes, bastante heterogéneo, mesmo quando pertencendo a uma mesma comunidade. E a relação entre o líder de uma AP ? provavelmente luso, branco e de classe média ? e um pai de meios populares (para já não falar de minorias étnicas e/ou linguísticas) é uma relação sujeita aos maiores equívocos. Estamos a falar da necessidade de saber pôr em prática um diálogo intercultural num contexto em que ambas as partes nem sempre entendem o tipo de obstáculos que medeiam a relação ou em que se relacionam com base na convicção da inexistência de qualquer tipo de obstáculo ? pois se a interacção gerada até é entre pais e pais?!
O pressuposto de uma homologia cultural num contexto fortemente heterogéneo impede que se equacionem estratégias que visem a construção de pontes entre culturas ou, para usar uma expressão de Paulo Freire, uma acção cultural dialógica. É a ausência daquilo que tenho designado por uma sensibilidade socioantropológica (no contexto dos professores e sua formação, mas que se poderia aplicar também ao dos encarregados de educação) que explica, em parte, por que tantos dirigentes associativos dos pais acabam por verificar ser mais fácil interagirem com os docentes da escola do que com muitos dos pais que aparentemente representam. Constitui esta igualmente uma das razões por que muitos dirigentes de APs acabam a descobrirem-se representarem, na prática, um grupo sociologicamente bem identificado de pais e respectivos educandos e não a sua generalidade, quiçá aqueles que de mais apoio necessitariam.

(1) Silva, Pedro (2003) Escola-Família, Uma Relação Armadilhada ? Interculturalidade e Relações de Poder, Porto: Edições Afrontamento.
(2) Beattie, Nicholas (1985) Professional Parents, Londres: The Falmer Press.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 142
Ano 14, Fevereiro 2005

Autoria:

Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria
Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria

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