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Professores, 25 anos de serviço

Muitos destes 100 jovens não serão hoje professores do Ensino Primário. Passaram para o Secundário ou para o Superior, realizaram-se noutros cursos e são até investigadores conhecidos; muitos colaboram ou são entrevistados por este jornal com alguma frequência. Outros edificaram estoicamente uma carreira no 1º Ciclo.

Ao longo deste ano lectivo, a geração de professores que fez o curso no Magistério Primário do Porto entre 1976 e 1979 completa 25 anos de serviço.
Naquele tempo (já se pode falar neste registo), ao contrário do que muitos possam pensar, as coisas também não eram fáceis. Cerca de 1500 candidatos - motivados por ideais diversos que na sua maioria se firmavam em sonhos de mudança impregnados nos ossos de quem se enamorara pelo 25 de Abril aos quinze ou dezasseis anos - aguardavam ser um dos 100 estudantes a ser admitidos. O numerus clausus acabava de ser ?inventado? e o acesso a cursos médios ou superiores não era  fácil.
 O primeiro (e único) ano da Experiência Pedagógica das Escolas do Magistério tinha sido bem célebre: a vinda de professores do estrangeiro, ligados às Artes, à Psicologia (coisas novas!); as actividades de contacto com as populações; novas pedagogias (activas!). Era ainda uma época que se pautava por descobertas que mesmo hoje se demandam, caminhos a ser reencontrados.
Muitos destes 100 jovens não serão hoje professores do Ensino Primário. Passaram para o Secundário ou para o Superior, realizaram-se noutros cursos e são até investigadores conhecidos; muitos colaboram ou são entrevistados por este jornal com alguma frequência. Outros edificaram estoicamente uma carreira no 1º Ciclo. Não se trata neste artigo de avaliar que percursos tiveram estes professores ou que impacto teve a formação inicial nas suas vidas profissionais; disto, aliás, encarrega-se presentemente o projecto FIIP(1). O discurso, hoje, vem carregado e encarregado de emoção, o que, de vez em quando, é uma graça a que professores e investigadores também têm direito.
A admissão na Escola do Magistério significou o alvorecer de uma vida. A centena de alunos que acabou por entrar marcava ( juntamente com alguns colegas do curso anterior ou do seguinte) uma diferença profunda: gente arrojada para alterar o mundo, com o furor e a frescura de uma juventude levantada no fervilhar de uma sociedade irradiante de alegria e esperança na comunhão em comissões de moradores e de trabalhadores, na ligação povo-MFA. Mas o tempo da normalização começara com um governo PS e com o ministro Sottomayor Cardia, que ficou sempre com a imagem de um absurdo pior do que alguns que depois surgiram, muito mais reaccionários. A escola ia sendo ?atacada? pelo governo e a Experiência Pedagógica ?esquecida?: mudava-se o director, os professores, os curricula; mas ficava sempre alguma essência do alento do ano anterior, do vigor com que os alunos tinham chegado. E havia docentes sempre com os discípulos, uns que estavam só às vezes, outros que mostravam uma cara que talvez não fosse a mesma quando viravam costas e outros que nitidamente estavam contra; mas foi na interacção com todos que muito se arquitectou .
Na Escola do Magistério Primário do Porto aprendeu-se muito! Lutar por um ideal até às últimas consequências. Ter os pés bem assentes na terra. Perceber que para ?derrotar um inimigo? é preciso estudar e trabalhar muito para saber mais do que ele (que tal um trabalho sobre a ligação entre a Linguística, a Matemática e a Música, aos 20 anos, com a ajuda valiosa de Óscar Lopes?). Amar os outros descobrindo que as crianças deste mundo serão muito do que se construir no quotidiano de forma equilibrada, aberta, calma. Entender que sem trabalho colectivo não se chegaria a lado nenhum em educação. Descobrir que a alegria é essencial em termos didácticos e pedagógicos. Percorrer Portugal inteiro para encontrar jovens com os mesmos ideais em terras com realidades diferentes. Encontrar-se com o Poder para enfrentar a sua prepotência fosse qual fosse a cor partidária.
Os grupos de trabalho, as saídas para escolas primárias nos meios rurais, a maneira democrática de viver as regras da turma e a disciplina de apóstolos militantes moviam aqueles estudantes. A luta de Literatura Infantil (um anacronismo de professora que se conseguiu suspender) e outras; a batalha contra as provas globais, com greves a nível nacional, ameaçados pelo governo de reprovação geral; o 3º ano, onde as próprias orientadoras de estágio (professoras cooperantes) descobriram que - ao contrário do que anunciavam os senhores que pretendiam ser donos do Magistério do Porto - aqueles estudantes irreverentes não traziam em si senão a pureza do cristal da juventude.
Aprendeu-se na Escola do Magistério Primário do Porto que para se ser professor é necessário respeitar os alunos enquanto pessoas e ser-se humano, com fraquezas e grandiosidade. E ser competente para assumir tudo isso no espaço de aula. Essa é a grande lição. O que não se souber, procurar-se-á nalgum livro, nalgum lente, nalgum jornal (net ainda não havia)...  Essa tentação descomunal de mais saber foi o caminho. Ainda que os concursos também fossem tão difíceis e a carreira quase impossível...
Ganharam-se amigos que ficaram para sempre, companheiros de toda a vida.
Há razões para rabiscar e deixar entrelinhas esta homenagem caseira às mulheres e aos homens que começaram por ser professores primários. Há 25 anos.
(É sempre tempo de glorificar os professores!)

(1) FIIP: Formação Inicial e Identidades Profissionais no 1º CEB, projecto da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, coordenado por Amélia Lopes


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 142
Ano 14, Fevereiro 2005

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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