ANO LECTIVO 2004?2005
Prioridades para a educação em Portugal
No início de mais um ano escolar, que, pela primeira vez em muitos anos, começou de forma invulgarmente atribulada, a PÁGINA recolheu quase três dezenas de depoimentos junto de um painel que inclui colaboradores do jornal, professores, estudantes, sindicalistas e sociedade civil sobre as prioridades e as medidas que cada um destes grupos julga ser importante implementar no sector educativo em Portugal. Como seria de esperar, as opiniões são díspares, mas alguns temas parecem reunir algum consenso junto dos inquiridos: o combate ao analfabetismo e ao insucesso escolar, a melhoria da qualidade do ensino e a aposta nas novas tecnologias. Algumas ideias soltas para reflectir sobre o futuro da educação em Portugal.
Professores repartem preocupações: da erradicação do analfabetismo à aposta nas novas tecnologias passando pela modernização do ensino básico
Erradicar o analfabetismo
Na minha opinião a principal prioridade para a educação em Portugal passa pela erradicação do analfabetismo. É uma vergonha para o nosso país que 10% dos portugueses não saiba ler nem escrever, mas, acima de tudo, deve ser uma infelicidade para essas pessoas sentirem-se excluídas do mundo dos letrados. Para concretizar esta medida bastaria pegar nos professores que estão com horários zero nas escolas ou nos recém formados que não têm colocação para, à partida, resolver o problema. O que é preciso é vontade política.
Gabriela Almeida, 38 anos, professora do 2º e 3º ciclos
Dar prioridade à escolaridade obrigatória
Julgo que a principal prioridade educativa do nosso país deveria ser dar condições aos alunos que abandonam precocemente o sistema de, no mínimo, concluir a escolaridade básica obrigatória. É absurdo que já se pense em estender a escolaridade obrigatória até ao 12º ano quando ainda nem sequer conseguimos que todos os alunos concluam o 9º ano. Como a maior parte dos alunos que estão nestas condições abandonam a escola para se iniciarem na vida activa e ajudarem a família, acho que não seria nenhum absurdo pagar aos que têm menos meios uma espécie de salário em troca da frequência e de aproveitamento escolar.
Celestina Pereira, 32 anos, professora do 2º e 3º ciclos
Afastar os incompetentes
Acho que a principal prioridade para a educação em Portugal seria afastar de vez os incompetentes que, governo após governo, ocupam as cadeiras do ministério da Educação. Excepto uma ou duas honrosas excepções, está mais do que provado que os responsáveis por esta área não têm sido capazes de implementar políticas que sirvam eficazmente o país.
Carla G.(nome fictício), 43 anos, professora do ensino secundário
Apostar na formação de técnicos qualificados
Portugal precisa de recuperar urgentemente o atraso educativo em relação aos outros países da União Europeia. Antigamente ainda nos vangloriávamos de termos a Grécia atrás de nós, hoje já nem isso podemos dizer. Para isso julgo que seria necessário implementar políticas de formação de adultos e de apostar mais no ensino técnico e profissional. Apesar de a nossa taxa de licenciados ainda não atingir os mesmos níveis de outros países, penso que a prioridade deveria ser dada à formação de técnicos qualificados para os sectores produtivos.
Alberto Gomes, 37 anos, professor do ensino secundário
Modernizar o ensino básico
Sem pretender simplificar uma questão que me parece complexa, julgo que a principal prioridade deveria ser dada ao ensino básico. A minha opinião pode parecer suspeita por ser professora deste nível de ensino, mas julgo que está mais do que provado que uma boa preparação precoce dos alunos pode ser um factor de sucesso educativo nos anos subsequentes. Para isso seria necessário modernizar os edifícios escolares, tornando-os agradáveis a alunos e professores, investir no equipamento e diminuir o rácio professor/ aluno.
Maria do Carmo Gonçalves, 39 anos, professora do ensino básico
Organização e vontade política
Penso que a principal prioridade para o ensino em Portugal é torná-lo prioritário na agenda política nacional. Os partidos dizem ano após ano que a sua ?paixão? é a educação, mas pelo que se tem visto ela continua a ser um parente pobre dos investimentos no nosso país. Nem tudo está mal no sector e Portugal conta, na minha opinião, com um excelente quadro de professores. Por isso, penso que com um pouco mais de organização e de vontade política conseguiríamos dar a volta por cima e recuperar o atraso que nos caracteriza desde há décadas.
Helena Silva Costa, 45 anos, professora do ensino secundário
Investir nas novas tecnologias
Portugal deveria apostar mais no ensino técnico e científico porque esse é o futuro para qualquer país que se quer desenvolvido. Formar pessoas e trabalhadores com baixos índices de qualificação é uma ideia do passado. Para isso acontecer é preciso investir seriamente na formação inicial e na actualização dos saberes dos professores, sem esquecer o reequipamento das escolas e o investimento em novas tecnologias. Hoje em dia os alunos já não funcionam com papel e caneta, o que eles querem é computadores.
Augusto Meireles, 44 anos, professor do 2º e 3º ciclos
Revalorizar a profissão docente
Portugal deveria investir mais na preparação dos professores ao nível da formação inicial. Era importante voltar a fazer da docência uma área procurada por quem tivesse gosto por ensinar. Boa parte dos professores está na educação porque não consegue arranjar emprego em outras áreas. Além disso, é necessário voltar a revalorizar a profissão porque hoje em dia ela está desconsiderada na opinião pública. Claro que isto não será possível sem um investimento sério na educação, tanto ao nível das estruturas como das políticas educativas, que deveriam ser mais coerentes e não mudar ao sabor dos governos.
Teresa Gonçalves, 43 anos, professora do ensino secundário
Computadores, ciência e tecnologia
Na minha opinião, a área de investimento prioritário da educação em Portugal é o sector das novas tecnologias. Basta olhar para o caso da Irlanda, que em vinte anos passou de um país essencialmente agrícola para um país produtor de tecnologia. Muitos alunos interessam-se seriamente pelas novas tecnologias a lidam facilmente com computadores, não têm é condições para desenvolver as suas aptidões. O Ministério da Educação deveria, por isso, pensar a longo prazo e instalar mais computadores e material tecnológico em todas as escolas, alargando, ao mesmo tempo, o quadro dos professores de ciências e tecnologias.
Mário Cerqueira, 39 anos, professor do ensino secundário
O regresso de Roberto Carneiro
Penso que são várias as áreas prioritárias em Portugal, mas as três principais talvez sejam a necessidade de investir mais no ensino pré-escolar e ensino básico, mudar a filosofia da formação contínua e nomear alguém competente para a pasta da educação. Pelo que temos visto nos últimos anos, há muito tempo que não há ninguém como o ministro Roberto Carneiro, que, embora mereça algumas críticas, foi o único que conseguiu dar um impulso sério à educação no nosso país.
Fernanda Sousa, 47 anos, professora do 2º e 3º ciclos
Educação para a Cidadania
A meu ver, a grande prioridade da educação, hoje, deveria privilegiar acima de tudo a criança, o adolescente e o jovem aluno enquanto pessoa em crescimento e em desenvolvimento afectivo, intelectual e social. Se assim fosse, existiria nas escolas uma efectiva educação para a cidadania democrática, onde a sabedoria dos valores clássicos - como, por exemplo, o respeito pelas diferenças sociais, culturais e étnicas -, seria uma realidade. Paulo Freire falava sabiamente na sua obra Pedagogia da Esperança da educação como «um ato criador, um ato crítico e não mecânico». Só neste sentido poderemos entender a educação e a escola pública de qualidade, onde diferentes projectos pessoais e escolares poderão ser desenvolvidos, estimulados e acreditados. As medidas a tomar terão necessariamente não só pelo debate participativo de todos os interessados, mas essencialmente pela passagem à prática de medidas anunciadas, mas quase sempre adiadas, como por exemplo, a avaliação formativa dos alunos e a avaliação do desempenho dos professores. Cecília Santos Professora do ensino secundário
Debater ideias
Na minha opinião, as grandes prioridades para a área da educação passam pela requalificação e reorganização da rede escolar do Ensino Básico e Pré-Escolar público; pela reconversão profissional dos professores desempregados; pela educação de adultos, animação e desenvolvimento comunitário, e pela Declaração de Bolonha e suas implicações nos Cursos de Formação de Professores. A implementação de medidas que dêem corpo a estas e outras prioridades na educação necessitam de ser discutidas num fórum permanente de ideias, artigos e colóquios.
Américo Nunes Peres Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Apostar no Ensino Técnico e Profissional
É fundamental voltar a proporcionar aos jovens portugueses Ensino Técnico Profissional no âmbito do Ensino Secundário Estatal, não sob a responsabilidade de quaisquer outras entidades. Isto porque neste momento, não temos profissionais em número suficiente, que exerçam tarefas como canalizador, electricista, mecânico de automóvel, técnico de informática (hardware ou software). Pode dizer-se que não é fácil retomar este tipo de ensino, mas impossível não será. Se não se tentar, nunca se conseguirá.
Carlos Mota Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Educação de qualidade para a primeira infância
É necessário que o Estado se preocupe com a Educação das crianças dos 0 aos 3 anos, reconhecendo ser preciso controlar a qualidade das instituições que as acolhem tornando obrigatória a presença de Educadores de Infância com os mesmos direitos e deveres de todos os outros docentes, nas instituições referidas.
Maria Gabriel Cruz Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Doze cidadãos queixam-se do sistema, apontam objectivos e fazem exigências
Escola de hoje ensina pouco
Acho que a principal prioridade para a educação em Portugal é ter escolas e professores que ensinem e um governo que saiba gerir a situação, o que infelizmente não acontece em nenhum dos casos. Apesar de hoje em dia as necessidades serem outras, nomeadamente na área das tecnologias, a escola no meu tempo ensinava mais.
Ricardo Gomes, 36 anos, técnico de seguros
Rigor e qualidade
A educação vai tão mal que, sinceramente, não sei por onde se deva começar. Face aos resultados que costumam ser divulgados nos órgãos de comunicação social, um maior rigor e qualidade do ensino parecem ser as áreas prioritárias. Mas isso implica também melhores professores. Se os mais novos não têm lugar nas escolas, como é que se há-de renovar o ensino?
Eugénia Ribeiro, 28 anos, delegada de propaganda médica
Acabar com o analfabetismo
Considero que toda a gente deveria saber e ler e escrever, porque ser-se analfabeto é muito triste. Os meus pais não tiveram oportunidade de ir à escola mas puseram-me a mim na instrução primária. Um dos maiores sonhos da minha mãe é saber ler e escrever. Mas tenho de ser eu a tratar-lhe das cartas e da papelada.
Arlete Pinto, 54 anos, pensionista
Reforçar a segurança
Penso que se deveria reforçar a segurança nas escolas porque o nível de violência entre alunos está a chegar a proporções alarmantes. Pelo que vou lendo nos jornais a escola hoje já não é um lugar seguro. Além disso hoje aprende-se menos do que antigamente, talvez fruto de um menor rigor dos professores.
João Gomes, 62 anos, vigilante
Educação para a cidadania
Penso que quando se fala de educação esquece-se que a escola deveria servir, acima de tudo, para criar regras de convivência e de solidariedade. Nesse sentido, julgo que se deveria dar prioridade à educação para a cidadania e para o respeito dos direitos humanos, que é, na minha opinião, o primeiro passo para criar cidadãos responsáveis.
Elisa Fernandes, 27 anos, trabalhadora-estudante
Qualidade no ensino
A principal prioridade deveria ser dada à qualidade do ensino, porque os resultados dos estudantes portugueses deixam muito a desejar. Nem penso que a culpa seja dos professores, porque os alunos hoje em dia são mais indisciplinados e não dão tanto valor à escola. Não sei que medidas podem ser tomadas, mas alguma coisa tem de ser feita porque por este caminho não vamos a lado nenhum.
Conceição Ferreira, 38 anos, auxiliar de análises laboratoriais
Reforçar o ensino técnico e profissional
Deveria apostar-se no ensino técnico e profissional, porque em Portugal faltam técnicos qualificados em diversas áreas. Quando se quer um sapateiro, um técnico de reparação de electrodomésticos ou um canalizador normalmente não são qualificados. E apesar disso fazem-se pagar bem. Todos querem ir para a universidade, mas depois não têm emprego.
António Costa, 42 anos, repositor comercial
Investir seriamente na educação
Na minha opinião, os governos deveriam apostar seriamente na educação em Portugal porque essa é a única forma de podermos fazer face aos outros países da União Europeia. Mas os governos, seja à esquerda ou à direita, não parecem fazer caso disso. Não só temos uma população activa desqualificada como nos damos ao luxo de gastarmos dinheiro em eventos internacionais como o Euro 2004 que pouco ou nada trazem ao país.
Antonieta Cabral, 34 anos, técnica administrativa
Mais tecnologias da informação
A prioridade do investimento educativo deveria estar centrado nas novas tecnologias da informação. Não é por acaso que os países mais desenvolvidos são os que apostam mais na aprendizagem das novas tecnologias. Portugal tem feito algum esforço nesse domínio, mas julgo que ele deveria ser mais sério e continuado. Claro que para acompanhar essa evolução a formação de professores teria de ser redesenhada, porque actualmente ela não privilegia essa componente.
Pedro Soares, 24 anos, estudante
Melhores condições de trabalho nas escolas
Penso que a principal prioridade deveria ser dar melhores condições a quem trabalha nas escolas. Só quem aqui está sabe o quanto passam professores e funcionários. Por vezes falta até dinheiro para pôr papel higiénico nas casas de banho? Acho, por isso, que o governo deveria despender uma verba maior para o funcionamento das escolas e aumentar os salários dos funcionários não docentes, porque são eles quem acabam por ter de desempenhar as piores tarefas.
Ana T.(nome fictício), 42 anos, auxiliar de acção educativa
Arrumar a casa
Não acompanho muito de perto o tema da educação, mas pelo que vou lendo e ouvindo a desorganização interna parece reinar no ensino. O recente episódio da colocação de professores mostra bem como este governo está desorientado e não parece merecer a confiança dos portugueses. Assim, julgo que a prioridade passaria por ?arrumar a casa? e dar meios às escolas para recuperarmos o atraso que nos distancia cada vez mais dos outros países europeus.
António Figueiredo, 45 anos, gestor bancário
Ensino superior e investigação
Apesar de já termos uma boa taxa de licenciados em Portugal, penso que a prioridade na educação passa por um maior investimento no ensino superior e na investigação. Portugal tem bons técnicos que só não são melhor aproveitados porque o país vê a ciência como uma realidade longínqua. Para isso seria também necessário que os alunos do ensino secundário fossem mais incentivados, mas para tal é preciso investir em mais e melhores equipamentos.
Rafael Macedo, 26 anos, estudante
Dois professores sindicalistas preocupados com professores e alunos
Estabilidade do corpo docente é fundamental
As prioridades para a educação podem ser distinguidas no plano educativo e no plano profissional. No primeiro há problemas estruturais que têm de ser resolvidos: abandono e insucesso escolar, analfabetismo e qualidade do ensino. A escola pública está a ser alvo de um conjunto de ameaças que começa a pô-la em causa e são necessárias medidas que a dignifiquem. A estabilidade do corpo docente parece-me talvez a mais importante, já que a qualidade da educação está muito ligada a esta questão. Depois há medidas ao nível da organização que me parecem igualmente importantes, como o reforço dos processos democráticos no interior das escolas, que estão cada vez mais ameaçados.
Adriano Teixeira de Sousa, professor e sindicalista
Contrariar o abandono escolar
A prioridade deveria ser dada ao combate do abandono escolar. Na minha opinião, a escola pública não está a responder convenientemente às expectativas dos alunos nesta situação. Para isso seria indispensável melhorar as condições materiais das escolas e colocar professores em áreas multidisciplinares, atendendo a necessidades específicas que nem sempre são respondidas pelas escolas. Outra medida fundamental seria garantir a existência daquilo a que chamo "escola paralela", ou seja, uma forma de permitir aos alunos certificarem competências de conhecimentos que adquiriram mas que não foram reconhecidas pelo sistema.
João Paulo Silva, dirigente do Sindicato dos Professores do Norte
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